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BRASIL

Infanticídio escolar: uma tragédia anunciada em plena bandeira preta

Graziela Oliveira Neto da Rosa*, de Esteio, RS

A rede pública de saúde dos gaúchos está colapsada. São diversos municípios do Rio Grande do Sul que estão apresentando superlotação nos hospitais, em especial os leitos de UTI para pacientes com COVID-19. 

Enquanto os adultos brincam com a saúde da população, não levando a sério o atual cenário, quem de fato irá pagar essa conta são os nossos estudantes. É importante lembrar que em nenhum protocolo aparece orientações sobre circulação de pessoas, na escola, por exemplo, é impossível não movimentar um número significativo da comunidade escolar, pois pais, alunos, professores e demais profissionais da educação, obrigatoriamente terão que circular pelas cidades. 

Etimologicamente, o termo infanticídio significa a morte provocada de uma criança. Pode ser exagero para alguns, mas para nós que estamos dentro da sala de aula e que sabemos como é estar com um grupo de crianças num espaço, compreendemos as possíveis consequências do que essa volta às aulas de forma presencial pode provocar. E é sobre isso que iremos refletir.  

Recentemente acompanhamos o anúncio do governador do estado do Rio Grande do Sul, em relação a mudança da cor da bandeira. A bandeira preta, considerada de altíssimo risco para o coronavírus, entrou em vigência na sexta-feira, dia 19 de fevereiro. De lá para cá, os prefeitos das regiões em que ocorreram essas mudanças recorreram ao governo do estado pedindo para manter a cogestão, assim, dando autonomia para cada município definir se mantém a bandeira preta ou permanece na bandeira laranja.

 A grande preocupação dos gestores municipais está voltada para garantir a retomada das atividades econômicas e de tabela, a escolar. Para muitos prefeitos, não há como as trabalhadoras retornarem aos seus postos de trabalho, sem abertura das escolas.

Mas afinal a quem interessa o retorno das aulas em pleno caos sanitário?

Tenho certeza que para criança não é. Ouvimos relatos de pais e responsáveis dizendo que as crianças estão com saudades, sentem falta da escola, dos coleguinhas, da professora e da sua rotina. Certamente isso ocorre, visto que muitas vezes é na escola que a criança efetivamente vive sua infância. A escola sempre esteve presente na vida das crianças e, na verdade, elas são a vida da escola. É profundamente triste quando não estão presentes, parece que o espaço escolar perde a alma.

Como garantir em pleno crescimento de contágio um espaço de interação, sem interação? Como acolher sem tocar, sem abraçar? Como minimizar a saudade dos pais, sem poder dar o colinho? Como agir, se não podemos SER?

Difícil explicar os diferentes sentimentos ao escrever esse texto, pois a emoção é inevitável. Negar as crianças gestos simples e tão essenciais nesse momento é a realidade da escola, para o bem da criança, dos profissionais e da própria família. Não ocorrendo todos esses momentos específicos do fazer educativo, o que de fato vai virar é muito além do “depósito de crianças”. Os protocolos sanitários exigem exatamente o contrário de tudo que faz parte da escola, distanciamento. 

Estamos como sociedade, matando nossas crianças e suas infâncias, estamos de forma egoístas garantindo todas as demais necessidades sociais, menos as das crianças. Voltar as atividades escolares de forma presencial num momento de maior índice de mortes é também sentenciá-las. Decretamos o fim da sua infância. 

A Constituição Federal de 1988, traz no seu artigo 5º que um dos seus direitos e garantias fundamentais é a vida. Será que já não foi substituído pela economia? As crianças não estão fora de risco, elas podem pegar o vírus, assim como podem passar o vírus. A grande dificuldade é que ninguém quer efetivamente se preocupar com a saúde coletiva, com vacinação para todos, afinal a economia precisa girar, pelo visto ela tem sido a prioridade. 

Quem já não teve que lidar com uma virose, gripe, conjuntivite e até mesmo o piolho, situações recorrentes no espaço escolar? São contágios que ocorrem sempre em função do convívio. O que seria diferente em relação ao covid-19? Protocolos seguros? Será que além da vacina, possuímos algum protocolo seguro?

Vivemos um verdadeiro retrocesso social, até os saberes científicos estão sendo questionados. Precisamos parar de matar gente, mesmo que essa morte seja moral. Não aguentamos mais conviver com notícias de genocídios, feminicídios, epistemicídio e agora infanticídio.   

Queremos escolas abertas, para garantir que a infância tenha total autonomia que ela merece, queremos escolas abertas para que a educação possa cumprir com seu papel social, que é a educação formal. Escola aberta é vida, mas escola aberta em pleno colapso na saúde é realmente um infanticídio. 

Escolas fechadas, VIDAS preservadas.  

 

Fontes

https://www.facebook.com/sismenaluta/videos/472205190597150 

https://www.facebook.com/sismenaluta/videos/1068270783678635 

https://www.scielo.br/pdf/edur/v25n1/09.pdf

 

*Presidenta do Sindicato dos Municipários de Esteio (RS), Professora da Rede Municipal e Mestranda em Educação (UFRGS)