Muitas mobilizações com várias milhares de pessoas nas principais cidades do país ocorreram em 22 de fevereiro, recordando o início do movimento popular de protesto chamado Hirak, que provocou admiração no mundo todo pela sua força e capacidade de mobilização.
No início de 2019 o movimento irrompeu com força como expressão de um protesto nacional exigindo a renúncia do presidente Abdelaziz Bouteflika e continuou depois de consegui-la, denunciando o autoritarismo e a corrupção do sistema político em vigor desde a independência da Argélia, em 1962. O movimento teve um forte protagonismo da juventude e foi amplamente apoiado pelos setores populares, atingidos pela crise econômica e cansados da podridão do sistema político. Durante 54 semanas, a cada sexta-feira ao meio dia, a massa esteve presente nas ruas, de forma constante, firme e com espontaneidade, multitudinária e pacífica, tanto nas ruas da Capital como nas cidades do interior.
Ao longo de 2020, marcado pela pandemia Covid-19, as tensões políticas diminuíram pela suspensão das mobilizações populares, mas não houve enfraquecimento da atitude das autoridades em relação ao protesto popular. De acordo com a organização Anistia Internacional, pelo menos 73 pessoas foram alvo de detenções arbitrárias, processos judiciais e, em alguns casos, longas penas de prisão com base em disposições vagamente redigidas do Código Penal, como “pôr em perigo a segurança ou o interesse nacional” ou “ofender funcionários” ou “incitamento para encontros desarmados”. “Novas leis que criminalizam ‘Notícias Falsas’ ou o descumprimento de medidas de contenção durante a emergência de saúde estadual foram usadas para processar vários ativistas que pediram a retomada do movimento de protesto ou que criticaram a forma como as autoridades lidaram com a pandemia”, acrescenta a organização.
Para amenizar o ambiente social, em 18 de fevereiro, o presidente Abdelmadjid Tebboune anunciou uma renovação de seu governo e a libertação de presos das mobilizações anteriores e aqueles cujos casos estão sob investigação. Até o momento, 73 foram liberados, mas a quantidade não foi suficiente e não se sabe se é uma medida conjuntural ou um giro na política oficial. Não é a primeira vez que acontece libertação de presos – em janeiro de 2020 80 presos foram soltos – mas continuam as condenações de ativistas, prisão e ataques às liberdades.
A capital, Argel, amanheceu ocupada pela polícia que efetua controle de identidade perto da praça dos Correios, histórico cenário das mobilizações anteriores. As reivindicações são as mesmas: “Não estamos aqui para festejar, mas para exigir: Fora Todos!” “Nada foi feito, tudo segue igual.” “Vamos voltar às ruas e seguir exigindo o desmantelamento do sistema em vigor.”
A economia argeliana é fortemente dependente do petróleo. As exportações de hidrocarbonetos caíram 11% em 2020 (82,2 milhões de toneladas de óleo equivalente) em relação a 2019. O preço médio do barril caiu 35%, de 64 para 42 dólares em 2020, (dados divulgados em janeiro pelo Ministério de Energia). Atualmente, de acordo com o banco de investimentos Goldman Sachs, o preço do barril de Brent – referência para a produção mundial – está em alta e deve ultrapassar os US$ 70 nos próximos meses. Essa situação pode favorecer a economia argeliana, em recessão. Mas esse prognóstico favorável não pode ocultar que fundamentalmente nada mudou na gestão governamental. Na semana passada, um ex-colaborador de Bouteflika foi nomeado ministro.
Portanto, a ira segue presente em amplos setores da população e a mobilização retomou seu vigor. Os slogans da juventude, na mobilização, o confirmam: “Ladrões, vocês devoraram o país”, “Não estamos aqui para festejar, mas para te fazer sair”; “Estado civil e não militar”; “Tebboune ilegítimo”; “Mudança radical”; “Justiça independente”. Parece que o Hirak está de volta.
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