No passado domingo, 14 de Fevereiro de 2021, decorreram eleições regionais na Catalunha.
A campanha eleitoral teve, como não poderia deixar de ser, a pandemia como pano de fundo. O adiamento das eleições esteve inclusive sobre a mesa até há umas semanas atrás. Foi decidido manterem-se as eleições e existiu um esforço por parte do Governo Regional da Catalunha para que as eleições se dessem com a maior participação possível. Assim, foi permitido a votação a quem se encontrava infectado, ao contrário do que se passou por exemplo nas eleições presidenciais em Portugal, além de campanhas a apelar ao voto e que ir às urnas era seguro, a verdade é que o medo prevaleceu.
O aumento da abstenção foi de 25% comparativamente às eleições de 2017, ou seja, houve menos 1.518.281 votantes. A própria campanha eleitoral foi marcada, como não poderia deixar de ser, por todos os cuidados sanitários o que retira força, entusiasmo e mobilização às próprias iniciativas. E se tivermos em conta as últimas eleições em 2017, que se deram num momento político marcado pelo referendo de 1 de Outubro (1O), estas foram umas eleições pouco entusiasmantes. A questão da independência, incontornável nos últimos anos, esteve muito presente como é óbvio. A perspectiva de manutenção de um Governo regional independentista e as suas duas reivindicações centrais: a questão da amnistia para os presos políticos e a realização de um novo referendo para a autodeterminação, fizeram parte da campanha. Os resultados demonstram um reforço do independentismo, embora o vencedor das eleições tenha sido o Partido Socialista da Catalunha (PSC). O PSC obteve 23,02% dos votos, o que corresponde a 33 deputados, sendo um aumento de 16 deputados em comparação com 2017. E mesmo com a abstenção o PSC foi o único partido que consegiu aumentar efectivamente o número de votos comparativamente a 2017. É um dos vencedores destas eleições. Salvador Illa, o ministro da saúde do Governo Central e militante do PSOE, foi o escolhido para encabeçar a lista do PSC e foi um trunfo que se demonstrou acertado. O crescimento do PSC deu-se à custa da descida do Ciudadanos (Ci´s), houve uma transferência de grande parte dos votos deste último para o PSC. Importa relembrar que foi precisamente o Ci´s que venceu as eleições de 2017, embora não tenha conseguido atingir uma maioria para governar.
A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), partido de centro esquerda, ficou em segundo lugar nas eleições, aumentando a sua representação parlamentar em 1 deputado e tornando-se no partido independentista mais votado ultrapassando assim os Juntos Pela Catalunha (Jxcat), partido de centro direita. Apesar da ERC não ter alcançado um aumento em percentagem nem em votos em relação a 2017, devido, sobretudo, à forte abstenção, é uma das vencedoras das eleições porque passa a liderar pela primeira vez o bloco independentista.
Ao contrário, o partido independentista de centro direita e de Carles Puigdemont, os Jxcat que ficou em 3º lugar nas eleições, passou para a segunda força política mais votada do independentismo, tendo perdido dois deputados. Apesar da descida em termos percentuais e de deputados ser diminuta, a verdade é que ter ficado atrás da ERC tem um significado político de derrota.
Crescem os extremos
CUP pela esquerda anticapitalista e Vox pela extrema direita em quarto lugar, sugere o último como um dos vencedores da noite. Cresceram com um discurso centrado em ataques aos independentistas e pela defesa da unidade de Espanha. Isto sem afrontar directamente os catalães e tendo um discurso que se baseou em enaltecer a Catalunha mas dentro de Espanha. O discurso xenófobo e racista também esteve presente bem como a defesa do Rei. Os neofascistas passaram de zero parlamentares para 11. Houve uma transferência de votos do PP e, sobretudo, do Ciudadanos (Ci´s) para o Vox passando assim a liderar o bloco da direita na Catalunha o que expressa o fenomeno internacional de radicalização da direita. A Candidatura de Unidade Popular (CUP), partido de esquerda independentista e anticapitalista, duplicou a sua representação parlamentar, passando de 4 para 9 deputados. O reforço da maioria dos independentistas deveu-se ao crescimento da CUP. Em termos percentuais, a CUP juntamente com o PSC, foram os únicos partidos que conseguiram um aumento em relação a 2017. O crescimento da CUP é importante pois demonstra que existe um crescimento das ideias anticapitalistas dentro do bloco independentista. “En Comú Podem”, a formação “irmã” das Unidas Podemos de Pablo Iglesias, baixou um pouco em termos percentuais mas obteve o mesmo número de deputados (8) que nas últimas eleições. Derrota da direita mais tradicional: Os Ci´s foram os grandes derrotados da noite. Como já mencionado, os Ci´s foram o partido que ganhou as eleições em 2017, embora não tenham conseguido fazer apresentar uma maioria para governar. A bandeira da luta contra o independentismo cavalgada pelos Ci´s em 2017 e que lhe permitiu ficar em primeiro lugar foi desta vez também levantada pela Vox. Os Ci´s passaram agora para a sétima força politíca mais votada, perdendo 30 deputados. Este resultado justifica-se pela reduzida performance eleitoral, tendo o seu espaço político e eleitorial sido tomado pelo Vox.
Por último, o PP que foi mais uma vez um dos derrotados da noite eleitoral na Catalunha. O PP que já em 2017 sofreu uma derrota tendo sido ultrapassado pelo Ci´s, aprofundou a sua queda na Catalunha, perdendo mais um deputado ficando assim reduzido a 3. Os escandalos de corrupção envolvendo o PP, o surgimento do Vox mas também a forma como Rajoy (ex-Presidente do PP), através da repressão, conduziu todo o processo do referendo do 1O explicam o resultado obtido.
Hipóteses para Governo Regional da Catalunha
Para que exista uma maioria no parlamento catalão são necessárias 68 deputados. Dado os resultados e as declarações na noite eleitoral, o cenário mais provável que se perspectiva é um Governo composto pela forças independentistas, Jxcat (32), Cup (9) e liderada pela ERC (33) que obtem somados 74 deputados. A participação da CUP poderá dar-se de duas formas: não entrando no executivo mas votando a posse deste e abstendo-se nos orçamentos da Generalitat o que garante a aprovação dos mesmos ou entrando efetivamente no executivo. A CUP na última legislatura tentou romper com a posição de irmã pequena do bloco indepedentista e não aprovou orçamentos. No entanto, segundo as declarações feitas depois dos resultados por Dolors Sabater, candidata da CUP à Presidência da Generalitat, esta abre a possibilidade de entrar para o Governo caso exista um calendário concreto no caminho para a autodeterminação.
A esta hipótese mais provável de Governo poderá juntar-se o “En Comun” que foi desafiado pela ERC para se juntar a esta solução. O Podemos e “En Comun” não são independentistas mas defendem um referendo pactuado com o Governo de Madrid e a libertação dos presos políticos catalães. Esta situação colocaria a maioria composta por 82 deputados bem acima dos 68 necessários. Mas a inclusão do “En Comun” não é bem vista pelo Jxcat o que deverá tornar mais difícil esta solução. Há uma possibilidade menos provável que é uma Governo liderado pelo PSC. Salvador Illa logo na noite eleitoral disse que ia avançar na tentativa de formar uma maioria para governar. Mas esta declaração de Illa é pouco provável que se dê, uma vez que para isso ser possível o PSC teria que convencer a ERC a romper com o bloco independentista. O intuito do PSC seria o de replicar a solução governativa do estado espanhol composto pelo PSOE e Unidas Podemos em que a ERC estando fora do executivo tem aprovado os orçamentos de estado. Mas é um cenário pouco provavel até porque no último dia da campanha foi assinado um compromisso entre os partidos independentistas que não fariam pactos com o PSC.
Nos próximos dias ficará definido o próximo governo catalão e hoje tudo indica que será composto pelos partidos independentistas.
Artigo publicado originalmente em Semear o Futuro.
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