Nos últimos tempos, o termo capacitismo começou a ganhar espaço em algumas discussões voltadas, principalmente, às políticas públicas e aos direitos humanos relacionados às pessoas com deficiência (PCD). No geral, o debate ainda é incipiente, ainda gera certas dúvidas e, quiçá, desconfortos, na medida em que pouco se discute e se ouve falar. Porém os avanços aos poucos estão ocorrendo, o que é considerado bastante significativo pois incentiva-nos cada vez mais a articular outras demandas em intersecção com as pautas de PCD.
O capacitismo é a discriminação que as PCD sofrem no seu cotidiano. Basicamente é uma opressão manifestada por meio de crenças que distinguem e hierarquizam determinados corpos por não corresponderem a expectativas de modelos padronizados de beleza e capacidade funcional. Sabe aquele pensamento que surge quando incapacitamos, consciente ou inconscientemente, uma pessoa com deficiência ou a supervalorizamos em virtude de sua condição física, intelectual ou sensorial? Ou então quando não entendemos que PCD também amam, sentem desejo, que podem exercer livremente sua sexualidade, que conseguem exercer atividades laborais, que têm direito a acessar escolas regulares, universidades, participar da vida social (inclusive estar nos rolês se divertindo com a turma), exercer cargos de poder, e sim, têm autonomia de gerir e decidir sobre suas próprias vidas. Estes são alguns exemplos de pensamentos regidos pela lógica capacitista que podem em certa medida fazer parte do nosso dia-a-dia.
Atitudes capacitistas estão intimamente ligadas ao conceito de corponormatividade que subjuga e inferioriza corpos considerados inaptos a sobreviver, pois são tratados como de menor valor e prestígio, incompletos, “inválidos” portanto necessários para a “reabilitação”, dignos de pena e autocomiseração – no que tange o modelo médico e a visão religiosa predominante ao longo da história. Ao contrário do corpo sem deficiência visto como “normal”, forte, saudável e apto a sobreviver na nossa sociedade cuja lógica produtivista capitalista se sobrepõe a formas potentes de exclusão e eliminação de vidas daquelas que não atendem a subserviência necessária ao sistema. Ocorre uma desumanização destes corpos em razão destes indivíduos não se encaixarem a normas estabelecidas pelo padrão hegemônico.
Saliento que neste contexto o Bolsonarismo acentua demasiado as desigualdades existentes, inclusive relacionadas ao grupo de PCD. Embora o discurso de posse da primeira dama pudesse demonstrar a priori certa empatia por possibilitar acessibilidade comunicacional durante a solenidade de posse, na prática, as atitudes provaram-se contrárias a qualquer mecanismo de incentivo à inclusão e preocupação real com estas pautas, visto que houve uma tentativa de retrocesso nas políticas de inclusão do país ao demonstrar interesse de retorno das escolas e salas especiais às crianças com deficiência, por exemplo. Medidas que refletem segregação e isolamento e que foram na contramão às reivindicações dos movimentos sociais após anos de luta de avanços históricos.
Ademais, Bolsonaro extinguiu o Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), importante organização que avaliava a política de desenvolvimento para a inclusão das PCD e de políticas setoriais emergentes relacionadas à educação, trabalho, lazer etc. Se já não bastasse tudo isso, as inúmeras falas do Presidente minimizando a pandemia, menosprezando vidas e fazendo juízo de valor das vidas “mais e menos importantes” para ele. Um show de horror, de ignorância e desserviço político. O que as PCD representam para Bolsonaro e sua política nefasta? Arrisco dizer com segurança íntima que NADA. Invisibilizados pela política de perversidade e genocídio que o Bolsonarismo e seus apoiadores condescendentes representam, mostrada de forma mais atroz e cruel possível.
Dentro de uma sociedade desigual e profundamente excludente é um exercício constante pensar na importância de levantar discussões que provoquem essas reflexões. Nesse sentido, ressalto a necessidade de aproximar demandas de movimentos com deficiência a outras pautas que giram em torno do racismo, do sexismo, da LGBTfobia e discriminações gerais que podem se concatenar em algum ponto. A luta pela inclusão e acessibilidade também se dá por meio de mudanças de posturas na nossa vida cotidiana refletidas por uma nova consciência adquirida. Novos tempos estão por vir. O capitalismo, o capacitismo e o bolsonarismo não vencerão. Agora temos novas vozes, novos agentes inseridos e novas estratégias que impulsionam a luta coletiva.
Abaixo algumas ilustrações que exemplificam o capacitismo.
Fonte: Ricardo Ferraz
* Cientista Social. Doutoranda PPGSA/UFPA. Sócia-Fundadora da ADD-UFPA. Membra do Comitê Deficiência e Acessibilidade da ABA. Membra da Bancada Mulheres Amazônidas (PSOL). Email: [email protected]
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