No capitalismo, em escala global, mas principalmente nos países dependentes como o Brasil, está em curso um aprofundamento do processo de superexploração da classe trabalhadora. Significa que a gente precisa trabalhar muitas horas a fio, num ritmo muito forte, para receber salários cada vez mais baixos. É uma face da crise estrutural do capitalismo que vem se arrastando por décadas.
Essa crise econômica, a que vem se somar a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, atinge a classe trabalhadora com um poder de destruição catastrófico. De abril a dezembro de 2020, período da primeira onda do coronavírus, mais de 9 mil empregados formais tiveram redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho. Contudo, a taxa de desemprego no Brasil foi de 14,1% no trimestre de setembro a novembro de 2020 e atingiu 14 milhões de pessoas. O número de empregados sem carteira assinada no setor privado subiu, chegando a 9,7 milhões de pessoas.
Contudo, enquanto a pobreza explodiu na pandemia, os bilionários ficaram ainda mais ricos. E o grande capital não cessou de lucrar. O Itaú Unibanco, maior banco privado do País, viu seu lucro superar R$ 18 bilhões no acumulado de 2020 e o Santander Brasil, subsidiária brasileira do banco espanhol, terminou 2020 com lucro acima de R$ 13 bilhões. Na indústria de mineração o faturamento somou 209 bilhões de reais em 2020, alta de 36% ante o ano anterior.
Tragicamente, para nós, os ataques muito bem tramados pelos patrões, tais como as contra reformas contrarreformas trabalhista e previdenciária, não conseguiram ser barrados pelas nossas organizações. Nem os partidos, tampouco os sindicatos ligados à nossa classe, que sempre cumpriram papeis fundamentais nas lutas e garantias desses direitos, conseguiram articular e mobilizar força suficiente e evitar tais derrotas.
No andar de baixo, enquanto a inflação retira nosso suado dinheiro, o Governo Bolsonaro fixou o valor do salário-mínimo em R$ 1.100,00, longe de fazer frente ao aumento recente de preços, como alimentos e combustíveis, e tarifas, a exemplo da conta de luz. Pelas estimativas do Dieese, em uma família composta por dois adultos e duas crianças, o salário-mínimo deveria ser de R$ 5.304,90.
No nosso campo de atuação específico que é da saúde e segurança do trabalhador, o Governo Bolsonaro vem seguindo o mesmo receituário ultraliberal – um desmonte de cabo a rabo. Desde a posse assistimos uma verdadeira sangria do setor a mando do empresariado (os mesmos que não param de lucrar na crise). Deu-se uma combinação de medidas em duas frentes: a redução das Normas Regulamentadoras (NRs) para retirar as obrigações legais dos empregadores, evitando multas e despesas; e, paralelamente, o enfraquecimento da capacidade fiscalizadora do Estado com a quase extinção do Ministério do Trabalho e a estagnação do quadro de auditores fiscais, que já não possuem transporte e infraestrutura básica para verificar minimamente o cumprimento da legislação. Nesse caos deliberado, o Ceará tem somente 73 auditores para cobrir todo o território.
É nesse contexto regressivo de desemprego, perdas de direitos e desigualdade social que trazemos o debate sobre o fenômeno do empreendedorismo, que atingiu em cheio as profissões ligadas ao setor de serviços. Entre nós profissionais, não faltam discursos e propaganda de que “só depende de você para ser feliz”. A “proposta” de alteração da NR-04 defende a “Prestação de serviço por empresa especializada”. Ou seja, a terceirização dos serviços de saúde e segurança do trabalho (SESMT) em mais um texto da bancada do Governo Bolsonaro e do empresariado reduzindo as NRs, vem animando as milhares de consultorias e causando apreensão dos profissionais empregados, pois como explicamos adiante, a terceirização do SESMT é mais do mesmo – mais uma pá de cal sobre a já combalida área de saúde e segurança.
O desmonte da SST e os limites do empreendedorismo
Como sabemos, o SESMT, exigido pela NR-4, só existe na prática em médias e grandes empresas, haja vista que micro e pequenas empresas ficam à margem da NR-4 e no serviço público não há obrigatoriedade de sua constituição. Entretanto, tais ambientes de trabalho continuam expondo homens e mulheres a riscos de acidentes e doenças.
É para esse mercado onde a NR-4 não obriga a formação do SESMT que se dirigem os profissionais autônomos, principalmente técnicos, médicos e engenheiros. Mas não só, outras profissões ligadas a área também prestam serviços. São esses que o discurso liberal insiste em chamar de empreendedores. A ideologia burguesa proclama que o trabalhador por conta própria teria se tornado “patrão de si mesmo”. A pressão social é tamanha a ponto do próprio sindicato que deveria lutar para mudar a realidade, passar a pregar “fazer do limão azedo uma limonada” e incentivar o profissional a começar seu próprio negócio. Não raro, tanto entidade nacionais como os sindicatos estaduais vem promovendo cursos em “parceria” com o setor privado para divulgar e “ensinar” as benesses do empreendedorismo.
Contudo, aquilo que de fato pode funcionar para alguns indivíduos sortudos, com muita frequência, trazem resultados muito pouco otimistas. Não é segredo que, atualmente, a maioria dos técnicos de segurança se lançam ao trabalho por conta própria, se registrando como MEI (Micro Empreendedor Individual) e passa a prestar serviços para micro e pequenas empresas. Esse caminho, não raro, é trilhado por falta de alternativa de emprego e não por opção programada. Na realidade, esse “empreendedor” é um subempregado, ou seja, não é um assalariado clássico, não tem registro em carteira de trabalho, mas tem em cada bico um patrão que o orienta, define as suas tarefas e os paga pela execução do trabalho.
Ocorre que esse crescimento da “economia do biscate” é uma característica estrutural da fase atual da dinâmica capitalista. O que está acontecendo com os profissionais é que abrem o próprio negócio por desespero. São trabalhadores que enfrentam desvantagens e problemas em comparação com os trabalhadores formais. No fundo, a intensificação da exploração na economia global é decorrência da crise do capitalismo.
O papel dos sindicatos diante da crise capitalista e do desmonte da SST
O sistema capitalista não consegue manter a lucratividade em alta continuamente, mas apenas em um certo período, pois os ganhos de uma fase correspondem às perdas da próxima ou da anterior já em outro vem as perdas. Conforme sugerido, essa mecânica ocorre em ciclos. Agora estamos vivendo a dinâmica da crise. Para compensar tais perdas, os grandes capitalistas pressionam o estado por meio de sua força econômica a desenvolver políticas voltadas à redução de impostos, oferta de subsídios, cortes de direitos que signifiquem reduzir o custo de mão de obra, e, por fim, barrar a fiscalização para baratear a aquisição de insumos.
O Estado capitalista existe para isto: servir a burguesia. A flexibilização da legislação trabalhista assim como a redução das NRs e impedimento da ação fiscal representam uma grande perda para toda a classe trabalhadora, atingindo também a empregabilidade e qualidade dos serviços dos profissionais técnicos especializados. Ser um prestador de serviços autônomo é tão só uma forma de sobrevivência em meio ao capitalismo globalizado e cada vez mais excludente.
Para a classe trabalhadora de conjunto, não existe uma saída que não passe pela organização, unidade e luta. Por outro lado, sabemos que essa não é tarefa fácil e para o seu cumprimento não há formulas prontas. O nosso papel, e que também deveria ser de todos os sindicatos neste momento, é buscar a unidade dos trabalhadores para lutar contra a precarização de seu trabalho, reivindicando inclusive a não informalidade e exigindo direitos trabalhistas. E fazemos aqui um chamado a se sindicalizar mesmo cientes que sindicatos como o nosso se acomodaram unicamente às rotinas institucionais, sendo, nesse momento, vistos com total desinteresse e desconfiança pela maioria.
A questão-chave é que a apatia, a crítica pela crítica e o desprezo pelo destino das organizações da classe trabalhadora, não constituem recursos adequados com vistas a sair desse labirinto no qual, hoje, vivem os que dependem da venda de sua força de trabalho. A desconfiança nas direções sindicais, embora justa, não pode resultar no abandono dos sindicatos. Essa parece ser a regra de ouro a ser seguida por todo trabalhador ou trabalhadora consciente.
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