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MOVIMENTO

Aulas em tempos de pandemia: quem se preocupa com o espaço das escolas?

Érico Alves de Oliveira*, de São Paulo, SP

Quando olhamos a arquitetura das escolas públicas, ofertadas às camadas sociais populares, mais vulneráveis, de periferia, com seus espaços, seus ambientes, seus mobiliários, a partir de uma perspectiva histórica, refletindo-as como expressão de um pensamento, de um olhar, de uma visão, daqueles que em seu tempo e em seu lugar, impregnaram as políticas públicas, programas, legislações, etc., com todos os seus ranços, desprezos e preconceitos classistas, totalmente identificados com a ideologia da classe dominante, com uma percepção burguesa sobre as necessidades e as demandas à quem se destina tais projetos. Essa mesma percepção vem influenciando os programas habitacionais, a ocupação do solo público, os transportes públicos, entre outras questões de natureza social e de infraestrutura.

A maior parte das pessoas pouco refletem sobre isso, pois o nível de carência e exclusão é tão profunda que a simples ideia de materialização do espaço em si, já é o bastante. Prevalece uma certa visão utilitarista sobre o espaço e ideais de senso comum sobre os seus usos, para que serve, e qual o seu fim em si, elementos aos quais parecem pouco importar.

Quando observamos as construções escolares de periferia, em sua grande maioria, notamos ambientes de aspectos frios, sem vida, e que sua arquitetura, se é que podemos denominar esses ambientes, de lugares que tenham passado, minimamente, por alguma reflexão arquitetônica, em meio aos seus espaços sombrios, estreitos, com acústica ruim, sem condições sanitárias, cores que oscilam entre tons carregados e fortes ou tons monótonos, que acentuam um clima dramático, angustiante e até, em certa medida, assustador. Tais ambientes não parecem, de cara, locais que possam oferecer um convite aos estudos, à concentração, à criatividade, às interações construtivas e à comunicação e expressão, ou mesmo, à ludicidade. Posso dizer, sem pestanejar, que esses ambientes hostis teriam o potencial de causar uma certa repulsa, aos que chegam, como primeiro impacto. Esses espaços, que por força de expressão institucional, denominamos escola, impõem aos que convivem neles, uma certa lógica, que traz embutido em sua natureza construtiva, um discurso e, arrisco dizer, uma intenção de ordem massificante e alienante, algo que de certa forma impregna as relações sociais, as práticas pedagógicas, enfim, a própria natureza da ação educativa nessas instituições. 

Volto a afirmar que essas construções não são reflexo da expressão de um pensamento arquitetônico, pois um pensamento arquitetônico não se dispõe apenas sob aspectos utilitários e funcionais básicos, mas reflete sob aspectos ideológicos, humanos, culturais, estéticos, poéticos, etc. Pensando sobre a natureza dessas construções e sua aparentemente displicente e irresponsável forma de organização desses espaços, e seus resultados e impactos sobre aqueles que os utilizam e vivenciam, cotidianamente, experiências, na maior parte das vezes insalubres… Poderia até pensar que haveria, enfim, uma nefasta intenção em suas naturezas construtivas, algo imbuído de objetivos, propósitos… Como sei que toda expressão, reflete um campo de ideias, intenções etc., não creio que a expansão de construções públicas, destinadas às escolas, estariam isentas disso. 

Como os recursos públicos são gastos/ investidos, a que público se destina esses gastos/ investidos? Entendendo que na democracia burguesa, o acesso ao poder, historicamente comprovado, se dá pelas mãos das elites, oligarquias, classe burguesa, portanto, quem detém o capital, é a classe dominante. Compreendendo isso, fica mais fácil de perceber, como reflexo dos empreendimentos do poder público, um olhar classista. Em outras palavras, na visão de quem detém o poder, a expressão é: “Essa “arquitetura” porcaria, é aquilo exatamente o que achamos que o povo das classes econômicas mais desfavorecidas, de fato merecem!?” Portanto a ideia fundamental desse, que posso afirmar ser um projeto, se baseia no reforço das diversas condições de exclusão em vários aspectos, tais como: a cultural, artística, de aprendizagem ampla, motora, entre outras, que a natureza desses ambientes impõe à todas as pessoas que compõem as inúmeras comunidades escolares das periferias.

Hoje estamos na perspectiva do retorno às aulas, em pleno auge da pandemia, e fica evidente que diante do exposto até agora, é que as escolas não estão preparadas para esse retorno, visto que a única forma em que de fato foram pensadas é sua natureza de depósitos humanos, salas super lotadas, ambientes sanitários precários, condições salutares irrisórias, e portanto podemos entender que estamos na perspectiva de um verdadeiro genocídio, contaminação ampla e irrestrita da população no ambiente escolar, com grandes perspectivas de morte.

 

*Professor da rede municipal de ensino de São Paulo e artista plástico.