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BRASIL

Um dia, várias lições

Guilherme Cortez, de Franca, SP
Foto Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O Brasil acompanhou ontem a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as duas mais importantes Casas legislativas do país. As eleições foram marcadas por vitórias acachapantes dos candidatos apoiados por Jair Bolsonaro e pelo bloco de partidos conhecido como Centrão já no 1º turno das votações.

No Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) levou a melhor sobre Simone Tebet (MDB-MS), abandonada pelo próprio partido. Ele recebeu 57 votos, contra 21 da emedebista. Pacheco foi apoiado pelo ex-presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP), por Bolsonaro e por um bloco de 10 partidos que incluía PSD, PP, PT, PDT e Rede.

Na Câmara, onde a disputa foi mais conturbada, Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, alcançou 302 votos no 1º turno e foi eleito com larga vantagem sobre seu principal adversário, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Bolsonaro e o Palácio do Planalto se envolveram ativamente na eleição de Lira, liberando mais de 3 bilhões em emendas e favores para os deputados e uma infinidade de indicações para cargos comissionados. Baleia era o candidato do ex-presidente Rodrigo Maia, que tentou conformar um “bloco democrático” envolvendo os partidos da direita liberal e da oposição. Recebeu apenas 145 votos.

Oposição se abstém e dá vitória para Bolsonaro no Senado

Embora menos visada do que a eleição para a Câmara, a disputa no Senado não foi menos emblemática. Os partidos da esquerda e da oposição no Senado se abstiveram de lançar uma candidatura própria. Pior ainda: apoiaram e se incorporaram ao bloco de Bolsonaro e do Centrão!

Juntas, as bancadas do PT, do PDT, da Rede e do PSB somam 14 senadores. O PSOL e o PCdoB não têm senadores na atual legislatura.

Se na Câmara a adesão ao bloco de Maia e Baleia Rossi era defendida como uma tentativa de evitar a vitória do candidato de Bolsonaro, no Senado as bancadas de oposição optaram pela negociação parlamentar aberta com o Centrão, beneficiando diretamente o governo.

Se a candidatura de Simone Tebet, que votou a favor do golpe e da PEC do Teto de Gastos, não era uma alternativa para a esquerda, o candidato do clã Bolsonaro muito menos. Com a vitória no Senado, o governo fica ainda mais fortalecido, assim como o impeachment mais remoto.

A esquerda deveria ter apresentado uma candidatura capaz de unificar a oposição e enfrentar o governo Bolsonaro, pautar a urgência da vacinação, a continuidade do auxílio emergencial e o impeachment, ajudando a levar a eleição para o 2º turno. Se nele não estivesse, unir forças para derrotar a candidatura apoiada diretamente pelo governo.

No Senado, não houve debate tático que justificasse a posição da esquerda e da oposição, mas um verdadeiro crime desses partidos, que ajudaram a fortalecer um presidente fascista e afastar o povo ainda mais das suas necessidades imediatas. A derrota de Bolsonaro fica mais distante. A conivência da bancada de oposição deverá ser cobrada.

Na Câmara, a tática sem estratégia

A eleição para presidente da Câmara despertou um importante debate entre a esquerda nos últimos meses. Diante do apoio declarado do governo à candidatura de Arthur Lira, qual deveria ser a posição dos partidos de oposição?

A maioria dos partidos de esquerda e da oposição optou por compor o “bloco democrático” de Maia e endossar a candidatura de Baleia Rossi, abrindo mão de construir uma candidatura própria. Apenas o PSOL, depois de um intenso debate interno no qual a própria bancada federal se dividiu entre duas posições, decidiu lançar uma candidatura de esquerda e tentar unificar a oposição, apresentando o nome de Luiza Erundina.

O bloco de Maia, que no início contava com partidos suficientes para vencer as eleições, foi naufragando aos poucos diante das ofertas do governo em troca de votos para Lira. O ápice da crise se deu na véspera da eleição, quando o próprio partido de Maia, o DEM, desembarcou da candidatura de Rossi.

As bancadas dos partidos de oposição que integraram o bloco somam 126 deputados. Baleia Rossi amargou apenas 145 votos, enquanto a candidatura de Erundina alcançou 16 (presumivelmente, 10 da bancada do PSOL e mais 6 de outros partidos da esquerda). É justo pensar que os partidos de esquerda e da oposição contribuíram com mais da metade dos votos de Rossi e que a maioria das bancadas da direita liberal (PSDB, DEM, MDB) desaguou na candidatura apoiada pelo Planalto em troca de cargos e verbas.

A eleição para a Presidência da Câmara foi vista por muitos como uma antessala para as eleições de 2022. Maia anunciou seu bloco como uma possibilidade de unificar a oposição e os setores da direita liberal (agora cinicamente chamados de “centro”) em uma frente ampla para derrotar Bolsonaro. Apesar da retórica oposicionista de ocasião, o ex-presidente da Câmara não deu andamento a nenhum dos mais de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

A maioria da esquerda abriu mão, de antemão, de apresentar uma candidatura própria, que defendesse as pautas urgentes para o país, e optou por colocar seu peso a reboque da direita liberal. Terminou enfraquecida, como única fiadora de uma candidatura desmoralizada e com suas bandeiras abaixadas. Poderia ter ajudado a levar uma candidatura da oposição para o 2º turno, com cara própria.

Se a eleição de ontem foi um prelúdio para 2022, muitas lições devem ser tiradas. Tirar Bolsonaro continua mais urgente do que nunca. Com seus aliados no comando da Câmara e do Senado, esse caminho fica mais tortuoso, mas não menos importante. Só com a mobilização popular, Lira será obrigado a dar andamento a um processo de impeachment. Acordos de gabinete e negociações de cargos com a direita, sem mobilizar o povo, não ajudarão a derrotar Bolsonaro. A esquerda que esquecer das suas bases e se perder no “toma lá, dá cá” não estará à altura dessas tarefas.

A esquerda que abre mão de disputar seu projeto político em proveito da direita liberal acaba de mãos vazias. DEM, MDB e PSDB não têm interesse real em enfrentar o autoritarismo de Bolsonaro. A prioridade máxima da esquerda deve ser derrotar o fascismo. A tentativa de golpe de Trump nos Estados Unidos mostra que essa tarefa não será fácil e que a extrema-direita não abrirá mão do poder de espontânea vontade.

A unidade de ação com os setores democráticos é uma tática necessária, mas não pode anular a urgência de apresentar uma alternativa política para o país. A direita não tem projeto para tirar o país da crise e nem derrotar Bolsonaro. Essa saída somente a esquerda poderá apresentar.