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BRASIL

O leite condensado do falso moralismo

Gibran Jordão*
Reprodução

O jornal Metrópoles publicou matéria sobre gastos do governo Bolsonaro, que geraram uma chuva de memes, piadas e criticas nas redes sociais. O fluxo de mensagens e diferentes interpretações sobre a reportagem viralizou por toda web, se transformando no principal assunto do dia. Segundo o jornal: “Só de leite condensado, o governo gastou R$ 15.641.777,49. Itens como uva passa, R$ 5 milhões, barras de cereal, R$13,4 milhões, ervilhas em conserva, R$12,4 milhões e iogurte natural, que representa R$ 21,4 milhões, também foram vistos na lista que possui, ainda, vinhos, carne defumada, chantilly. E, até mesmo, R$ 2 milhões em gomas de mascar”.

O Ministério da defesa deu a resposta oficial pelo governo. “O Ministério da Defesa fornece diariamente alimentação para militares e servidores civis que permaneceram com atividades essenciais ao cumprimento de sua missão institucional, mesmo durante a pandemia, por meio de suas Unidades Gestoras. A aquisição de alimentos variados e conforme a disponibilidade de mercado, leva em consideração, naturalmente, que o fornecimento de uma dieta inadequada tem potencial de deixar de conduzir o homem a um estado nutricional saudável para a realização de suas atividades laborais”, informa a nota.

Dias atrás, nessa mesma linha, o jornal Metrópoles publicou uma matéria sobre o vice-presidente, General Mourão. Segundo a matéria, utilizando os dados do Portal da Transparência, foram gastos quase R$ 200 mil, a maior parte sem licitação, em utensílios domésticos, somando despesas altas. “O gabinete da Vice-Presidência trocou as lixeiras e investiu em champanheira, taças de vinho e licor, além de maçarico, tábua de frios, aparelho de jantar de porcelana, tábua de pizza em mogno africano e misturador para suco com acabamento em estilo murano, dia a matéria.

O Falso Moralismo…

Em primeiro lugar, é preciso desfazer confusões, e registrar que qualquer governo pode realizar compras de suprimentos para a execução de atividades que envolvam grande número de funcionários, atingindo também um público amplo e, assim, possibilitando o funcionamento da máquina pública para atender ao interesse público. Nesses casos, é claro que teremos compras de produtos nas cifras com um valor mais alto e isso é absolutamente normal.

Mas, no tema em pauta, o que é plenamente possível de perceber e é um dever de qualquer cidadão questionar, são indícios irregulares, ilegais e que expressam uma cultura de luxúria e soberba dentro do governo, e no meio militar. Cometer um erro, ou exagero esporádico nas compras do governo não é uma falta grave. Agora, transformar o processo em modus operandi permanente, não há duvida que merece rigorosa investigação.

Se olhar com atenção, o falso moralismo de Bolsonaro e aliados é evidente. Venceram a eleição com o um discurso de responsabilidade com as contas públicas, elegeram o funcionalismo público como vilões do orçamento e tentam até hoje criar o personagem do “cidadão de bem honesto”, com afirmações como “no meu governo não tem corrupção!”. Quando, na verdade, os números que estão no Portal da Transparência mostram que esse governo acha que moralizar as contas públicas é fazer uma compra de milhões de reais com chicletes, vinhos, artigos de luxo totalmente desnecessários. E com um agravante que precisa ser investigado, boa parte das compras foram feitas sem licitação, inclusive uma caixinha de leite condensado de 395g no valor de R$ 162,00. Esse mesmo produto custa, em média, no supermercado, de R$ 5 a R$ 6.

Os casos de dispensa de licitação são especificados na Lei Nº 8.666/1993, é o artifício legislativo que exerce controle nas compras de produtos e aquisição de serviços por parte dos órgãos do governo. As compras sem processo licitatório precisam ter justificativas, comprovando a necessidade, urgência e especificidade que tem, em primeiro lugar, a satisfação do interesse público. Não nos parece que comprar uma tábua de pizza em mogno africano e misturador para suco com acabamento em estilo murano tenha alguma justificativa para ser adquirida com recursos públicos, muito menos sem licitação.

Após polêmicas, portal da transparência saiu do ar

O mais incrível é que, após toda a polêmica pelas redes sociais em torno desse tema, enquanto escrevíamos esse texto, nos chega a informação de que o Portal da Transparência, misteriosamente, saiu fora do ar. A transparência que já estava turva, sumiu de vez! O cidadão pagador de impostos que quiser conferir como o governo está gastando os recursos públicos, não está nesse momento podendo fazer valer o seu direito.

O que esse governo tem a dizer sobre um episódio repleto de indícios de irregularidades, irresponsabilidades, ilegalidades e total imoralidade com as contas públicas? Como estarão os dados do Portal da Transparência quando voltar ao ar? Trata-se de uma situação tão absurda, que os órgãos de controle precisam investigar com rigor, pois a degeneração moral desse governo já está cheirando muito mal.

Não tem auxílio emergencial, não tem vacina, sobra mordomia

Todo esse show de requinte palaciano, privilégios exagerados e falta de sensibilidade com a dor do povo brasileiro se dá num momento no qual Bolsonaro diz que o governo está quebrado e endividado, portanto, está cortando o auxilio emergencial para milhões de mães e pais de famílias que perderam seus empregos por conta da pandemia e da desastrosa política econômica de Paulo Guedes.

Houve agilidade para adquirir artigos de luxo e mordomias absurdas na alimentação de militares, mas não vimos a mesma competência para garantir uma ágil e efetiva campanha de vacinação para o povo trabalhador que pega ônibus e se aglomera nos hospitais e nas ruas desse país para sobreviver.

Essa falta de sensibilidade e atenção com o interesse público expressa as prioridades do governo, no qual não foram capazes de se antecipar a falta de oxigênio para os hospitais públicos de Manaus, levando a varias mortes. Mas, foram sagazes em adquirir suprimentos absolutamente desnecessários, com recursos públicos que poderiam ser gastos na produção de um banco de cilindros de oxigênio e outros suprimentos para atender urgências, pois estamos numa situação de pandemia, com milhões de desempregados e com mais de 200 mil mortes no Brasil.

*Gibran Jordão é membro da coordenação da Travessia Coletivo Sindical e Popular.