Vencemos! Esse é o sentimento que todas compartilhamos hoje.
2020 é um ano histórico para as mulheres argentinas e para as feministas do mundo. Se em 2018 tivemos uma vitória gigantesca com a aprovação do projeto de legalização do aborto na Câmara dos deputados, mas um adiamento da vitória total com a derrota da lei no Senado, neste ano chegamos em outra situação. A luta das mulheres possibilitou que o projeto de interrupção voluntária da gravidez chegasse, mais uma vez, ao Senado neste 29 de dezembro e saísse vitorioso desta vez!
O movimento feminista do país vizinho tem sido incessante nas lutas desde a Ditadura Militar naquele país. Não esquecemos das Abuelas da Plaza de Mayo e delas, do exemplo da resistência que sempre apresentaram, o movimento emprestou o pañuelo verde para representar a continuidade da luta. As argentinas há mais de 30 anos vêm organizando o Encontro Nacional de Mulheres e isso possibilitou a organização e o fortalecimento das lutas nacionalmente. Não podemos esquecer também que a Argentina tem sido palco de lutas como o do movimento Ni Una Menos, organizado a partir dos bárbaros feminicídio que impactaram o país, também foram linha de frente no Paro Internacional e os ventos de lá tem soprado e dado novo fôlego às feministas latino americanas.
Há 15 anos a luta pelo direito ao aborto vem ganhando proporções cada vez maiores, transformando o tema em debate público com cada vez mais projeção, conquistando corações e mentes para a necessidade da legalização e construindo marchas e ações com milhares de ativistas. Toda essa luta conquistou a aprovação do projeto no Congresso argentino em 2018 e pressionou para que neste ano de 2020 o presidente do país apresentasse o projeto para a legalização – aquém do esperado e do construído pelo movimento, mas que abriu as portas para a intensificação da luta e para a garantia de dignidade para a vida das mulheres.
Mais uma vez vimos que o voto não se divide entre aceitar ou não a legalidade do aborto, mas entre aceitar a realidade e optar entre defender a vida das mulheres que praticam o aborto, tornando-o legal e, portanto, orientá-las ou se permanecem condenando as mulheres a seguir submetendo-se aos abortos em clínicas clandestinas, aos remédios inseguros e às práticas caseiras. A realidade que é que o aborto, apesar de proibido, existe e que mostra que, assim como no Brasil, na Argentina, a prática da interrupção da gestação é uma questão de raça e classe: ou seja, quem tem dinheiro para ele acontecer e quem não tem recorre a práticas inseguras e coloca sua vida em risco.
Os senadores contrários à aprovação defendem argumentos como a pretensa “defesa da vida” para dizer que é necessário “salvar duas vidas” e por isso a prevenção é a saída. Não temos dúvidas de que educação sexual e o acesso aos métodos contraceptivos são partes fundamentais do debate e que, ao legalizar o aborto, essas políticas devem ser também o centro da atuação da saúde sexual e reprodutiva do país, mas ao centralizar o argumento na ideia de que a vida se origina a partir da concepção e, na qual, o direito do feto está acima do direito da mulher, despreza-se uma concepção científica primordial: a vida existe quando há atividade completa do sistema nervoso central, o que no feto só acontece com as 12 semanas de vida. Por isso, tanto no Brasil, quanto na Argentina, o aborto de fetos anecéfalos é legalizado, pois entende-se que, ao não ter o sistema nervoso central formado, não há vida. Quem usa tais argumentos como “Origem da Vida” para repudiar a legalização do aborto recorre quase sempre a concepção religiosa de que a vida é um presente divino e não deve ter interferência humana. A extrema-direita e os fundamentalistas religiosos ignoram os direitos e desejos das mulheres, às enxergando meramente como incubadoras, e tenta todos os malabarismos possíveis para não argumentar simplesmente que a vida das mulheres não é importante.
Ter o aborto proibido causa situações como acompanhamos aqui no Brasil de uma menina de 10 anos que sofreu um martírio para conseguir realizar o seu aborto após anos de violência sexual, mesmo que a prática seja garantida em lei. Ter restrições ao direito faz com que milhares de mulheres morram na fila da burocracia, já que para alguns o seu debate moral vale mais do que a vida dessas mulheres.
Ver o debate e a aprovação na Argentina nos enche de esperança de dias melhores em nosso continente. A votação foi apertada, sendo 38 a favor e 29 contrários, mas é uma vitória estrondosa. É vitória da luta por nossas vidas, ainda mais em um ano como esse, em que a pandemia paralisou e tirou tantas vidas Sabemos que temos ainda um mundo a ganhar para que nossas vidas e nossos direitos sejam respeitados. Mas as argentinas (e também as chilenas e mexicanas) nos deram a direção com suas lutas neste ano e seguiremos juntas mundialmente para nossa luta avançar. Se cuida seu machista, a América latina – e o mundo – será feminista!
*Militantes da Resistência Feminista.
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