O Brasil sofre. Novamente, nos aproximamos da marca de mil vidas perdidas por dia. Por isso, temos pressa. Ninguém pode prever o que vai acontecer nos próximos dois anos. As margens de incerteza são imensas. Mas Bolsonaro não é imbatível. Nossa missão é derrotá-lo, o quanto antes.
O que acontecerá se a vacinação for caótica, e daqui a um ano ainda não se tiver conseguido a imunidade de grupo? O que acontecerá com a suspensão do auxílio emergencial e o desamparo de um desemprego rondando os 20% da população? O que é certo é que a tensão social irá aumentar muito com as sequelas devastadoras de uma pandemia à deriva e de uma estagnação econômica crônica. A resistência vai continuar e as mobilizações de massas em grande escala poderão eclodir.
Nesse contexto, três grandes blocos vão medir forças daqui até as eleições de 2022. Primeiro, o bolsonarismo – uma aliança de várias alas de extrema-direita – que se apoia em segmentos da burguesia e em setores exasperados da classe média. Segundo, a oposição de esquerda — PT, PSOL e PCdoB — que se apoia nos movimentos da classe trabalhadora organizada, nos movimentos sociais de juventude, mulheres, negros, populares, ambientais, LGBT’s etc. Terceiro, a oposição de direita neoliberal — PSDB, DEM e MDB — que se apoia no núcleo duro da classe dominante. Há, também, um quarto bloco na oposição a Bolsonaro, formado pelo PDT e PSB, que se articula em torno de Ciro Gomes, e que é, comparativamente, muito mais fraco que os demais. Esse bloco de centro-esquerda, provavelmente, vai oscilar na direção de quem estiver mais forte na oposição.
Duas estratégias estão claras. A estratégia de Doria e Maia será impedir a esquerda de chegar ao segundo turno na eleição presidencial em 2022, e nada será mais importante do que isso. Eles contam com o apoio da extrema-direita contra a esquerda. Por sua vez, a estratégia da esquerda deve ser derrotar Bolsonaro em 2021. Se não for possível derruba-lo, a estratégia será impedi-lo de chegar ao segundo turno em 2002, custe o que custar. Podemos aprender com as lições do combate que tirou Russomano (que foi candidato a prefeito de São Paulo) do segundo turno. Porque só a autoridade conquistada na luta contra a extrema-direita, pode abrir condições para derrotar a direita neoliberal.
A situação do governo Bolsonaro e a tarefa principal da esquerda
Bolsonaro ainda hesita. Deu um passo atrás nas provocações golpistas no meio do ano, formou um segundo ministério com a saída de Moro e a entrada do Centrão, saiu enfraquecido das eleições e sabe que a turbulência vai aumentar, como já se vê com a “guerra das vacinas”. Mas pode, também, girar de novo para a aventura do autogolpe.
O maior desafio da esquerda é conquistar a liderança da oposição a Bolsonaro. Porém, esta posição está em disputa. A luta pela direção da oposição será encarniçada. A direita neoliberal venceu em quinze capitais e saiu fortalecida diante do governo Bolsonaro. Tem apoio da maioria do STF, de parte dos governadores, da Rede Globo e do imperialismo. E procura atrair o apoio da esquerda para conquistar as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
Derrotar Bolsonaro é a única estratégia que interessa à esquerda — e quanto mais cedo melhor. O desafio será ganhar audiência de massas para o Fora Bolsonaro. Entretanto, não vai ser simples. O desgaste do governo tem sido lento. Bolsonaro ainda preserva apoio significativo. A última pesquisa divulgada confirma que a dinâmica do desgaste do governo Bolsonaro é desigual, muito maior nas grandes cidades do que no Brasil profundo. Ainda sofremos as sequelas das derrotas acumulados nos últimos anos, mesmo havendo elementos de uma inflexão mais favorável na correlação de forças. Se for possível confrontá-lo com mobilizações de massas em 2021, melhor. Construir as condições para um impeachment deve ser o centro da tática.
A luta contra Bolsonaro e as eleições no Congresso
Se a trágica experiência da pandemia, da suspensão do auxílio emergencial, do desemprego, da carestia, das reformas administrativa e tributária, das privatizações da Eletrobrás e dos Correios, não forem suficientes para provocar mobilizações de massas que levem à derrubada do governo, então, a tarefa central será impedir que Bolsonaro possa chegar ao segundo turno nas eleições de 2022.
Dessa estratégia decorrem variadas táticas. Mas a esquerda não deve ter duas caras. Não pode ter uma cara quando fala para o povo e outra quando negocia no Congresso Nacional. Coerência tem importância.
Na votação para a presidência da Câmara dos Deputados, os partidos de esquerda podem e devem apresentar uma candidatura unificada com um programa comum. Claro que não somos indiferentes ao desenlace desta disputa. Se Bolsonaro conquistar para Artur Lira a presidência, Bolsonaro ganhará blindagem incondicional até o fim do mandato. Mas a eleição de uma candidatura articulada por Maia não garante, tampouco, a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. A oposição liberal de direita aposta nas eleições de 2022. O papel da esquerda é fortalecer a disposição de luta das massas populares pelo Fora Bolsonaro.
Um programa para a mobilização de massas
Temos um programa de ação para os primeiros meses de 2021. Vacinação para todos, já! Auxílio emergencial, já! Trabalho para todos, já! Nenhum direito a menos, contra as privatizações e a reforma administrativa! Essas são reivindicações que podem incendiar a consciência de milhões. Elas são uma ponte para o Fora Bolsonaro. Sem o Fora Bolsonaro não se vê aonde queremos chegar. Mas sem as reivindicações concretas não é possível caminhar na direção certa. Essa é a arte de um programa transicional que faz mediações, mas aposta na dinâmica de uma radicalização que abre um caminho.
Uma esquerda que ambicione futuro não pode ter duas caras. O centro da tática é a disputa pela liderança da oposição a Bolsonaro. A renúncia à apresentação de uma candidatura de esquerda seria um erro, porque deixa a esquerda oculta atrás da oposição de direita.
É verdade que a luta pelo “impossível” pode inspirar boa poesia, mas não política marxista séria. As massas populares só se colocam em movimento quando acreditam na vitória. As condições objetivas impõem limites que são intransponíveis. Mas organizações socialistas devem ter como primeiro objetivo estimular, inspirar e inflamar a confiança dos trabalhadores em si mesmos, a começar pela juventude e os setores mais oprimidos — negros, mulheres e LGBTs —, onde o ardor é maior. Assim se mudam as condições objetivas.
A defesa de uma política revolucionária repousa em um “voluntarismo” dos sujeitos sociais e na força de uma linha de independência de classe. Sem uma vontade organizada, uma determinação de combate, uma paixão consciente não é possível vencer.
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