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TEORIA

Astrojildo e a Revolução Russa de 1917: lições para as lutas sociais no Brasil

Jefferson Gustavo Lopes, de Recife (PE)*

Em 5 de janeiro de 1965, em pleno auge da repressão instaurada pelo Golpe empresarial-militar de 1964, um senhor de 75 anos, com a saúde muito debilitada, carregado pela sua esposa, deixava o hospital-cárcere, depois de 83 dias de prisão arbitrária. E com poucos dias liberto, vem a falecer no Rio de Janeiro, ou seja, o Estado terrorista derivado do Golpe empresarial-militar soltou-o para não ser responsabilizado por mais um assassinato, como fez com milhares de opositores políticos.

Mas quem era este homem que a ditadura encarcerou, mesmo com uma saúde visivelmente frágil? E sob qual acusação para merecer um cárcere sem julgamento? Bom, este homem que foi Astrojildo Pereira! Sob “acusação” de ter fundado o Partido Comunista do Brasil em março de 1922 (PCB). Ou seja, o ódio da burguesia a esta legenda política chegou ao ponto de incriminar e encarcerar o seu fundador: Astrojildo Pereira.

O fato é que, a legenda política fundada por Astrojildo em Niterói em 1922 faz parte da História da república brasileira, pois nenhum historiador pode narrar a história da nossa república sem passar pelas aventuras e desventuras desta legenda. Ela faz parte da memória social tanto para aqueles milhares de militantes que enxergavam o PCB como a vanguarda do proletariado brasileiro a qual era o portador da revolução socialista no Brasil, quanto daqueles que viam na legenda a encarnação do mal, daquilo que representava a destruição dos valores ocidentais: família, Deus e a propriedade privada. Assim, o PCB se apresentava como desdobramento das lutas sociais dos anos dez e também influência direta da Revolução Russa de outubro, que deixou a burguesia assombrada durante quase todo século 20 e que no Brasil não foi diferente.

Portanto, as linhas que se seguem tem o objetivo de analisar a história do então jovem Astrojildo Pereira e sua imersão nas lutas sociais nas décadas de dez e demonstrar que ele foi o primeiro militante a entender o significado do processo revolucionário que estava em curso na Rússia em 1917.

Astrojildo Pereira Duarte Silva nasceu em 1890 na cidade de Rio Bonito, no estado do Rio de Janeiro, filho de produtor rural e comerciante. Acompanhou a política do país ainda muito jovem. Era um republicano, entusiasta e participante da campanha antimilitarista e civilista, era um partidário de Rui Barbosa, ou seja, tinha uma concepção republicana liberal na juventude. Porém a decepção com a concepção republicana liberal vem, em primeiro lugar, pela derrota da campanha civilista que foi marcada pela fraude eleitoral e a segunda, talvez mais determinante para o jovem de Rio Bonito, foi a revolta da Chibata1, na qual marinheiros liderados por João Candido dominaram vários navios e apontaram seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, pedindo o fim dos maus tratos e castigos que os marinheiros, principalmente os negros, sofriam.

O Governo atendeu às reivindicações para que se resolvesse o problema, em contrapartida, exigiu que os marinheiros baixassem os canhões. No entanto a promessa feita pelo Governo brasileiro não foi cumprida e os marinheiros foram novamente castigados e enviados à prisão. O seu líder, João Cândido, também sofreu a mesma privação. Sendo assim, foi a duras penas que o futuro fundador do Partido Comunista do Brasil viu que o regime político brasileiro era excludente por excelência.

A partir daí ele adentra nas lutas sociais do povo brasileiro, aderindo teoricamente ao anarquismo, lendo as teorias de Bakunin, Kropotkin e Malatesta. Do mesmo modo, inseriu-se no movimento anarquista militantemente. Participou na redação de vários jornais de cunho anarquista, ficando responsável de propagar as ideias anarquistas para a classe trabalhadora. Inseriu-se em várias greves, incluindo, a maior até então, a de 1917.

Astrojildo Pereira e o impacto da Revolução Russa no Brasil

Quando a Revolução Russa (março) eclodiu e entusiasmou o movimento operário mundial, Astrojildo, antenado com o movimento interno na Rússia, chega a publicar uma matéria extremamente esclarecedora intitulada: Sobre a revolução Russa. Nesse texto mostra, de forma acertada, o que estava ocorrendo no governo provisório de Kerensky:

Os dois núcleos orientadores do movimento, a Duma e o comitê de operários e soldados, este surgido da própria revolução, logo tomaram posições antagônicas, terminando o golpe demolidor. A Duma, vinda do antigo regime, pode-se dizer representa, em maioria, a burguesia moderada e democrática, ao passo que o comitê de operários e soldados, composto de operários, representa o proletário avançado, democrata, socialista e anarquista. A Duma deu o governo provisório e o primeiro ministério; o comitê de operários e soldados derrubou o primeiro ministério, influiu poderosamente na formação do segundo e tem anulado quase por completo, se não de todo, a ação da Duma. Insignificante, sem nenhum peso, pelo menos até agora, o elemento reacionário e aristocrático, a situação russa tem que obedecer, na sua luta pela estabilização pública, as duas forças principais enfaixadas pelo proletariado socialista e anarquista e pela burguesia democrática e republicana. A qual das duas forças está destinada a preponderância na reorganização da russa? O que se pode afirmar com certeza é que essa preponderância tem cabido, até agora, ao proletariado. (O Debate, 12 JULHO de 1917)

A leitura que Astrojildo faz da conjuntura da Rússia naquele exato momento2 é impressionante, visto que ele demonstra nesse texto que havia uma dualidade de poderes, entre os operários e a Duma, e a última tinha um projeto burguês de sociedade. O fato é que mesmo com informações escassas, advindas dos grandes jornais que tinham uma linha editorial de defesa intransigente do governo de Kerensky, o jovem militante nos mostra uma análise dialética dos acontecimentos que estavam ocorrendo na Rússia. No mesmo texto, ele percebe que “inútil é insistir na influência que tais acontecimentos exercerão no resto do mundo, na obra de reconstrução dos povos […]” (O DEBATE, 12 DE JULHO DE 1917).

Já a Revolução de Outubro foi alvo da hostilidade ferrenha das elites brasileiras, expressada nos editoriais dos grandes periódicos, com uma avalanche de informações negativas e muitas vezes falsas sobre o que estava ocorrendo na Rússia. Isso causou revolta em muitas dessas entidades de classe e lideranças operárias. Um deles foi Astrojildo Pereira, que adotou um pseudônimo de Alex Pavel para conseguir espaço na grande imprensa, com o objetivo de esclarecer o evento ocorrido na Rússia e denunciar os ataques destilados pela elite brasileira, através da grande imprensa. Então, verificamos no A Razão o artigo do Alex Pavel que dizia assim:

Jamais, jamais se viu na imprensa do Rio de Janeiro tão comovedora unanimidade de vistas e de palavras, como, neste instante, respeito da revolução russa. Infelizmente, tão comovedora quando deplorável, essa unanimidade, toda afinada pelas mesmíssimas cordas de ignorância, da mentira e da calúnia. Saudada quando rebentou e deu por terra com o czarismo dominante, a revolução russa é hoje objeto das maldições da nossa imprensa, que neles só vê fantasma da espionagem alemã (25 de NOVEMBRO de 1917).

Ainda no mesmo artigo, Astrojildo Pereira esclarece que o levante do outubro na Rússia foi uma revolução genuína e não um golpe de Estado promovido pelos “maníacos” maximalistas, como acusavam os grandes jornais brasileiros. Veja como ele refuta a essa tese da grande imprensa:

Como a revolução russa, ao contrário disso, tem tomado um caráter profundo, de verdadeira revolução, isto é de transformação violenta e radical de sistemas, de métodos e de organismos sociais, levada para diante aos empurrões, pelo povo, pela massa popular – eis que nossos jornais partem de um ponto de vista errado, supondo que o povo tem a mesma mentalidade do povo brasileiro de 89, que assistiu, “bestializado” (O DEBATE, 25 de NOVEMBRO de 1917).

Foi com esse entusiasmo que Astrojildo escreveu contra todos os ataques que a Revolução Socialista sofria no Brasil. Entretanto, sua sintonia com a causa operária perpassava das linhas anteriores citadas, posto que o nosso autor em questão começa a estudar o processo da Revolução Russa e seus desdobramentos no mundo. Para além disso, como tantos outros ativistas sociais, seja no Brasil ou no mundo, a insurreição operária foi tomada por corações e mentes como um ponto de referência no que tange a acreditarem na derrocada final do Estado capitalista.

Essa nova fase de luta foi expressa um ano depois da Revolução Soviética, já que Astrojildo encabeçou junto com os anarquistas uma greve insurrecional no Rio de Janeiro com o objetivo de derrubar o Estado e estabelecer os “sovietes do Rio”, ou seja, uma influência direta dos eventos corridos na Rússia.

Uma vez debelado pela polícia, os líderes presos, incluindo Astrojildo, a Revolução Russa vai operar outra guinada no seu pensamento: ele vai se converter ao comunismo, visto que um dos instrumentos desta Revolução foi o partido de vanguarda, organização férrea dentro do movimento operário e uma dianteira de intelectuais estudiosos da realidade sócio-histórica. Assim, ele faz a leitura que a Revolução Russa respondeu melhor à expectativa das lutas sociais no Brasil, diferente da perspectivas dos anarquistas, como ele relata no livro chamado Formação do PCB:

As grandes greves e agitações de massas do período de 1917/1920 puseram a nu a incapacidade teórica, política e orgânica do anarquismo para resolver todos os problemas de direção de um movimento revolucionário de envergadura histórica, quando a situação objetiva do país (em conexão com a situação mundial a criada pela guerra imperialista de 1914/1918 e pela vitória da revolução operária e camponesa na Rússia) abriria a perspectivas favoráveis a radicais transformações na ordem política e social (2002, p. 67).

Sendo assim, para Astrojildo, a criação de um Partido Comunista no Brasil teria a função de catalisar as lutas sociais que, depois da conjuntura de 1917-1920, foram dispersas, pois quem cumpriria essa função, segundo ele era um partido de vanguarda com arcabouço teórico a serviço das classes subalternas.

Portanto, com essa trajetória política, sempre do lado dos trabalhadores é que o nosso autor sofreu diversas perseguições do Estado Burguês brasileiro, mas com o golpe empresarial-militar o acerto de contas com o “crime” de ter fundado o Partido Comunista do Brasil não ficou impune, pois lhe custou a prisão.

 

Referências

ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Dois pontos editora, 1986.

FILHO, Michel Zaidan. “notas sobre as origens do PCB em Pernambuco:1910-1930”.Memória e História. N.2. Revista do arquivo do movimento operário brasileiro. São Paulo:Livraria editora ciências humanas, 1982.

—————————— A Formação do primeiro grupo dirigente do PCB: as raízes culturais e políticas da formação dos primeiros comunistas no Brasil. Recife: Novas edições acadêmicas, 2017.

FEIJÓ, Martin Cezar. Formação política de Astojildo pereira (1890-1920). São Paulo:Editora Novos Rumos, 1985.

PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB – notas e documentos, 1922- 1928. Rio de Janeiro Editorial vitória, 1962.

1Para conhecer melhor essa revolta, consultar Marcos A. da Silva. Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo, coleção “tudo é história”.
2A surpreendente análise de Astrojildo Pereira sobre a natureza da revolução russa se deve a sua leitura de periódico francês chamado Le populaire, na qual cinco anos depois da revolução o próprio revelou em uma carta escrita pelo próprio em 1924. Está carta está no apêndice do livro de Michel Zaidan Filho. O PCB e a Internacional Comunista (1922-1929).

 

*Historiador e militante do PSOL Recife