Falar sobre periferias e favelas no Brasil é falar sobre resistência. É sobre pessoas que se auto-organizam através da cultura, com rádios e canais comunitários, com seus coletivos, sua fé, e sua força para enfrentar o dia a dia. Mas falar sobre periferia também é falar sobre desigualdades, racismo, uma política de abandono do Estado e de criminalização de corpos negros e de seus territórios.
Não há como negar que essas coisas são muito presentes na realidade de quem sobrevive nesses locais, por isso também abordaremos essas características, mas também traremos a proposta de que chegou a hora de setores jovens, sejam eles organizados ou não, iniciarem uma pequena, mas potencial transformação dessa realidade.
Uma dos lados mais cruéis desta criminalização é o genocídio dos corpos e as mortes que acontecem nestes territórios. O Brasil tem números de homicídios superiores à de países que vivem guerras, vemos um verdadeiro caos na segurança pública principalmente quando falamos sobre o número de mortes violentas que atingem a juventude da periferia. A estatística é assustadora quando vemos que cada número é uma vida e uma família destruída. Os corpos que caem vítimas da violência em nosso país são majoritariamente jovens, negros, pobres, periféricos que devido a politica de criminalização e do racismo tem suas mortes, assim como o problema da violência, naturalizados.
Números como os do estado do Ceará, no ano de 2017, são alarmantes. Foram 5.433 mortes violentas, representando um aumento de 49,2% no estado. A morte da juventude brasileira tem raça e classe, como já citado, e, para termos uma ideia melhor do perfil da possível vítima, é importante saber que é perpassado pelas seguintes características: em sua grande maioria, são homens, negros, solteiros e com pouco tempo de estudo, chegando no máximo a 7 anos (IPEA/MPPR). Além disso, essas mortes violentas atingem a juventude que circula pelas ruas das cidades entre às 18h e 22h. Esta última informação mostra uma negação total ao jovem brasileiro do direito a cidade, pois este jovem não pode o básico, que é circular em liberdade e segurança pelo meio urbano.
Em 2017, foram 35.783 mortes de jovens de 15 a 29 anos. Esses números são ainda mais destrutivos entre jovens de 15 a 19 anos, faixa etária na qual 59,1% das mortes consistem em homicídios. Nota-se, assim, que são as mortes violentas que acabam com a juventude brasileira, cenário ainda pior para os jovens negros que no ano de 2017 foram 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil (IPEA/MPPR).
Os homicídios contra mulheres chegaram a 13 diariamente, num total de 4.936 em 2017; sendo que 60% dos homicídios femininos atingiram diretamente as mulheres negras. Para mais, a população LGBTI+, que passou recentemente a fazer parte do atlas da violência, viu um aumento de 127% dos homicídios se comparados aos dados do ano de 2011, quando foram registrados 5, em relação a 2017, quando houve 193 registros. (IPEA/MPPR)
Todos esses números demonstram o nível de barbárie que vive uma parcela massiva da população brasileira: a juventude da periferia.
É necessário aprofundarmos a disputa dos rumos dessa juventude, compreendendo que, em seu contexto, uma parcela pequena é ganha para o crime; outra é convencida de que a única saída é trabalhar com salários baixíssimos, que beiram a falta de qualquer tipo de garantia de direitos trabalhistas; há, ainda, uma parcela cada vez maior sendo ganhas pelas igrejas, que, na prática, também não propõem saída alguma para essa juventude.
Existem questões reais que afetam diretamente e deixam esse setor muito mais vulnerável à estratégia da burguesia, do seu sistema e de seus políticos. As desigualdades gritantes, a produção de necessidades como a roupa de marca, o tênis, o relógio e até um óculos, desejos consumistas produzidos e propagandeados diariamente, fazem muitos caminharem para o mundo do crime, em busca de satisfazer essas necessidades e também de garantir a subsistência individual e da própria família. Armas, drogas, um bar a cada esquina não são elementos em vão, consistem em um projeto, que faz com que o lado inimigo tenha sucesso.
Ademais, há uma onda ideológica que chega nesse setor e o convence de que o que importa é o agora, é a sua individualidade, desenhando o cenário ideal para que alternativas coletivas não sejam construídas. Isso fica ainda pior quando a coletividade na periferia ainda é atingida.
Portanto, temos ao menos três elementos que ajudam na fragmentação da juventude periférica e das favelas brasileiras: o primeiro é a desorganização, a falta de referência em uma alternativa política e cultural; o segundo e talvez a mais presente, desde o 1º ano do ensino básico até o ensino médio, é a violência, que se manifesta de várias formas – tanto pela mão do Estado, quanto pelas mãos dos próprios periféricos e moradores de favelas – ; o terceiro pode ser compreendido como a política de divisão que o capitalismo propõe diariamente e convence o jovem de que a vida é para ser vivida intensamente, com abuso de drogas e do consumo material, onde prevalece a perspectiva individual.
Precisamos urgentemente pensar como poderemos iniciar a construção de uma quebrada nova. Através de seu projeto de desumanização e controle, as elites e o Estado brasileiro consegue fazer que nós esquecemos quem é o verdadeiro inimigos, apontando a artilharia para outros como nós e esquecendo de mirar no alvo certo: os ricos e poderosos. A realidade é que somos produtos dessa sociedade e produzimos nossa própria destruição, as periferias e favelas deveriam ser o lugar onde encontramos segurança, companheirismo, solidariedade e amor das e dos nossos iguais.
No Brasil de Bolsonaro, esse plano de periferia tem que ser construído o quanto antes, pois é perceptível que as mortes de jovens pelas mãos armadas do estado aumentaram. Só no estado do Rio de Janeiro, nos primeiros 8 meses de 2019, o total de mortes pelas mãos do estado subiu 16%, chegando ao número de 1.249 mortes, e, recentemente, vimos a Polícia Militar paulista bater, pisar e até mesmo matar jovens negros e periféricos.
É urgente que desenvolvamos um plano de periferia, onde teremos as e os nossos professores em nossos cursinhos pré-vestibulares e ali comecem a ser desenvolvidas novas relações de sociabilidade; é preciso que tenhamos as e os nossos próprios médicos, pela melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e também por iniciativas em nossos bairros e comunidades; que tenhamos nossas e nossos advogados para termos o mínimo de conhecimento da legislação, pois isso evitaria humilhações policiais e de outros tipos; precisamos ter as e os nossos psicólogos, que vão ajudar mães, irmãos, parentes e amigos que perdem um ente querido violentamente. Por fim, devemos fazer uma ponte necessária entre a universidade e a periferia, pois isso vai potencializar o poder de uma juventude que vem sendo exterminada a cada minuto, hora e dia nesse País. É urgente uma quebrada nova!
Um exemplo de coletividade vem pelo hip-hop, que através de grupos, MC’s individuais, batalhas de rima, slams e a dança break, realiza projetos coletivos nas quebradas de todo o país e isso ajuda o desenvolver o sentimento coletivo e desenvolvimento político nas comunidades.
O fato é que precisamos organizar nossas ações para definitivamente acabar com toda opressão vinda por parte do Estado e das elites de nosso país. Se há muito tempo nós fizemos da periferia território de resistência, está na hora de avançarmos parar partimos pro revide, com todo acúmulo e saberes periféricos que construímos, por nós, pelos que vieram antes, pelos que caíram e pelos que ainda estão por vir.
Fontes: IPEA/MPPR, CENPE/MPRJ
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