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Guilherme Boulos é a alternativa mais consistente ao Bolsodória em São Paulo (ou Marcio França não é de esquerda 2)

Camila Lisboa*, de São Paulo, SP
Reprodução

A disputa eleitoral de São Paulo, a maior cidade do país, presencia um importante esforço do eleitorado progressista e de esquerda de buscar uma alternativa ao “Bolsodória”. Na última pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada no dia 8 de outubro, o candidato Celso Russomano, do Republicanos e também o candidato de Bolsonaro, aparece em primeiro lugar com 27% da intenção de votos. Em seguida, vem Bruno Covas, do PSDB, candidato de Dória, com 21%.

A bem da verdade, este fato desespera o eleitorado progressista e de esquerda. E com razão. Russomano é o retrato do setor mais podre e oportunista da política brasileira. Parte total da chamada velha política, tenta surfar na onda da triste audiência que Bolsonaro segue tendo para uma parte significativa da população. Um “defensor” do consumidor, especialista em falar grosso com caixas de supermercado, mas que fala fino com os representantes do grande capital. Bruno Covas, por sua vez, é o retrato da situação. Um dos responsáveis diretos pela calamidade social que toma conta da maior cidade do país: o epicentro da pandemia, do desemprego, da população morando nas ruas, do caos no transporte e na saúde públicos.

A gestão de Covas/Dória é, portanto, odiada por boa parte da população de São Paulo e, logicamente, pelo amplo eleitorado progressista e de esquerda da cidade, que não é pequeno e já elegeu, por vezes consideráveis, alternativas de esquerda. Este mesmo eleitorado compõe a ampla parcela de pessoas – 48% segundo mesma pesquisa citada do Datafolha – que classificam a gestão de Bolsonaro como péssima e ruim, ajudando a configurar a capital paulista como um importante polo de resistência ao Bolsonarismo e à sua mais atual versão eleitoral, Celso Russomano.

A busca pela alternativa a Bolsodória

Com isso, milhares de pessoas olham para os candidatos que tem chance de derrotar essas duas alternativas de direita. Felizmente, em terceiro colocado, configurando-se um fenômeno eleitoral inédito, vem Guilherme Boulos do PSOL, com 12% da intenção de votos, seguido de Márcio França, com 8%. Do ponto de vista desta disputa em curso, e pelo menos por enquanto, a candidatura petista, que sempre se apresentou como a alternativa de esquerda mais forte, não apresenta nenhuma ameaça aos candidatos do campo “Bolsodória”.

Diante disso, milhares de trabalhadores e eleitores que buscam uma alternativa progressista baralham suas hipóteses entre Guilherme Boulos e Marcio França. Fazem isso também diante das simulações de segundo turno, que também cumprem um papel de forçar as pessoas a votar “no que tem mais chance de ganhar”. No entanto, há diferenças profundas de programa, projeto e localização política entre Guilherme Boulos e Luiza Erundina, do PSOL, e Marcio França, do PSB, que não permitem considerar que tanto faz votar em um ou outro para derrotar Bolsodória.

Marcio França oscila entre o campo político de Dória e Bolsonaro

Marcio França se tornou candidato à prefeitura de São Paulo após obter uma quantidade expressiva de votos na capital paulista no segundo turno das eleições para governador em 2018, superando Dória, que levou a disputa pela votação em outras regiões do estado. Essa foi inclusive a justificativa por ele apresentada no debate do dia 1º de outubro na Rede Bandeirantes de TV. No segundo turno de 2018, Marcio França capitalizou o desgaste de Dória e boa parte de seus votos foram mais por repúdio a Dória do que por apoio ao seu projeto.

É crucial lembrar que sua candidatura para governador em 2018 foi resultado de uma tentativa frustrada de sua parte em ser o candidato da coligação com o PSDB. De 2014 a 2018, Marcio França foi vice governador de Alckmin do PSDB. Alckmin é um velho conhecido dos trabalhadores das empresas públicas estaduais, dos servidores estaduais, dos trabalhadores sem teto, etc. Em seus quatro anos de gestão não teve nenhuma divergência com seu vice, Marcio França. Este histórico recente não permite dizer que Marcio França é um candidato de esquerda ou preocupado com as demandas do povo trabalhador.

No segundo turno das eleições de 2018, enviou vídeos para professores da rede estadual, trabalhadores da Sabesp, trabalhadores do Metrô dizendo que não ia deixar privatizar as empresas públicas e que iria defender os professores. Essa foi uma clara intenção de dialogar com a raiva histórica desses setores com o PSDB, mas não é um compromisso de seu histórico. Não é possível ser coerente com esse discurso e manter-se em uma gestão de Alckmin por 4 anos, sem nenhuma divergência pública. Em Janeiro de 2018, por exemplo, a Linha 5 do Metrô foi privatizada sem que ninguém tivesse visto alguma manifestação pública contrária de Marcio França.

A recente movimentação que o mesmo fez para se aproximar de Bolsonaro, indo encontra-lo em uma agenda pública na cidade São Vicente, é mais uma prova cabal de que sua localização política definitivamente não é de esquerda. Para vencer eleições, vale coligação com Alckmin e vale aproximação com Bolsonaro. Um projeto que não deu certo mais pela negativa de Bolsonaro e sua opção por Russomano do que por convicção anti-Bolsonaro de França.

Em sua cidade natal, São Vicente, de onde construiu o capital político para se colocar no centro das disputas políticas e eleitorais do estado, a localização política de França também não tem nada a ver com a esquerda. Apoia hoje o candidato à reeleição na cidade, do MDB, o partido de Temer. Por nenhuma ótica, uma alternativa coerentemente de esquerda trabalha com hipóteses de coligação com MDB, PSDB e com o bolsonarismo.

Também não faz parte de uma candidatura de esquerda se aproveitar de uma relação mentirosa e preconceituosa com a prática da ocupação que faz o MTST, movimento coordenado por Guilherme Boulos. No debate da Band, dirigiu-se ao candidato do PSOL dizendo: “não vai invadir”. Um candidato que não tem nenhuma intimidade com o instrumento da ocupação e, pior do que isso, que se aproveita da associação preconceituosa com essa prática, tipicamente construída pelos proprietários dos terrenos abandonados que são os alvos de ocupação do MTST, não tem absolutamente nada a ver com a esquerda, nada a ver com qualquer progressismo digno de enfrentar o bolsonarismo e o PSDB.

Por fim, um tema especifico, mas que julgo importante mencionar. Em 2018, os metroviários demitidos na greve de 2014 pelo governo Alckmin foram reintegrados depois de quatro anos de luta pelo seu retorno. Na ocasião, diversas pessoas fizeram a associação de que a saída de Alckmin do governo – para disputar a eleição presidencial – e a consequente posse de Marcio França foram determinantes para o retorno.

Na época, escrevemos um texto sobre as lições da luta pela nossa reintegração em que descrevemos os inúmeros fatores que determinaram a vitória de nossa reintegração. É fato que Marcio França quis um oportuno acordo de paz com uma categoria que é sempre disposta a brigar pelos seus direitos. Sobretudo a meses de uma eleição que ele já visava ser candidato. Mas o oportunismo de Marcio França daquela ocasião não determinaria nosso retorno não fossem as sucessivas vitórias jurídicas, as diversas ações políticas – que envolveram também diversos parlamentares, dentre os quais não consta Marcio França – e a solidariedade dos trabalhadores do Metrô que pagaram o salário dos demitidos por quatro anos, o que permitiu manter essa luta em pé. Nossa luta foi muito maior do que Marcio França e ele não fala por essa vitória.

 

*Camila Lisboa é coordenadora geral do Sindicato dos Metroviários. Esteve no grupo de 40 trabalhadores(as) do Metrô demitido por Alckmin em 2014 e reintegrado em 2018.