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MOVIMENTO

Reintegração dos metroviários de São Paulo: lição de solidariedade, unidade e resistência

Por Camila Lisboa, Dagnaldo Gonçalves, Marcelo Oliveira, Paulo Pasin e Raquel Amorim (metroviários demitidos na greve de 2014)

Lutar quando a regra é ceder

Nesses tempos difíceis, de fortes ataques aos direitos sociais e democráticos, a classe trabalhadora brasileira, assim como todos os movimentos sociais, recebeu uma excelente notícia: os metroviários demitidos na greve de 2014 conquistaram sua reintegração ao trabalho.

Em 9 de junho de 2014, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou a demissão por justa causa de 42 metroviários, como forma de retaliação à poderosa greve realizada no período de 5 a 9 de junho deste mesmo ano. O período de dissídio dos metroviários é maio/junho. O motivo da greve foi a campanha salarial e neste ano de 2014, coincidiu com o período de abertura da Copa do Mundo. A repercussão desta greve em conjunto com a ocupação vitoriosa realizada pelos camaradas do MTST (denominada Copa do Povo) nas proximidades do estádio onde se realizaria a abertura da Copa do Mundo, ultrapassou as fronteiras com repercussão mundial.

Ao longo dos dias de greve, foram sucessivas iniciativas de intimidação dos trabalhadores. De forma quase inédita, o Tribunal Regional do Trabalho se reuniu em um domingo e decretou que a greve era ilegal. A postura dura e repressiva do governo do estado e da direção da empresa se explica pela força da greve e pela necessidade de destruir um movimento poderoso que colocava em pauta a luta pela melhoria das condições de trabalho e, por consequência, a defesa de um transporte público digno, para toda a população de São Paulo. Um programa bem distinto da lógica de privatização e precarização dos serviços públicos, que toma conta do jeito tucano de governar.

Apesar de importantes conquistas no Acordo Coletivo 2014-2015 dos metroviários, a categoria saiu desse processo com o trauma das demissões.

Além das 42 demissões, o Sindicato dos Metroviários sofreu multa de 900 mil reais, teve suas contas bloqueadas, os trabalhadores tiveram seus dias descontados e o governador de São Paulo foi à imprensa dizer que os demitidos eram vândalos e que haviam sido demitidos por isso, não por fazer greve.

Mesmo com a ferida das demissões, nós metroviários continuamos lutando contra o arbítrio e a injustiça, sem nunca esmorecer nem tampouco dando ouvidos aos comentários que estimulavam a divisão e o desânimo. Sem nenhum ufanismo, mas com a “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”, realizamos três greves no último ano. Fomos fundamentais nas greves gerais contra as reformas da previdência e trabalhista. Não conseguimos evitar a reforma trabalhista, é verdade, porque infelizmente as maiores centrais sindicais recuaram da terceira greve geral, mesmo assim estas paralisações foram decisivas para impor o adiamento da reforma da previdência.

Realizamos uma árdua e sistemática luta política e jurídica contra a direção do Metrô e o governo do estado pela reintegração dos 42 metroviários e a superação do baque das demissões na categoria. Descrevemos abaixo os capítulos dessa luta, porque em nossa opinião, são os motivos fundamentais que promoveram a importante vitória de voltarmos ao trabalho.

Enorme exemplo de solidariedade de classe
Duas semanas após a demissão, os metroviários decidiram em Assembleia que a categoria assumiria o sustento de seus demitidos no período em que vigorasse a luta pela reintegração. A categoria votou pelo aumento da mensalidade do Sindicato, para viabilizar o pagamento do salário base dos demitidos, de acordo com o cargo que ocupava na Companhia.

Esta ajuda financeira foi garantida com um compromisso dos demitidos de participar das atividades da luta pela reintegração e de devolver o dinheiro mediante decisão judicial que garantisse o pagamento de todos os salários retroativos.

Durante esses 4 anos, a categoria bancou seus demitidos. Porque entendeu que essa demissão foi injusta, ilegal, e que significava uma perseguição ao básico de direito de reivindicar melhores condições de trabalho através de mobilização e greve.

Esta solidariedade permitiu que os demitidos pudessem continuar nas batalhas. Permitiu que essa luta não se desagregasse. Permitiu que seguíssemos nos considerando metroviários, o que se expressaria em nossa presença em todas as lutas, como a luta contra a privatização e a terceirização do serviço. Essa solidariedade demonstrou que a união faz a força, que quando se mexe com um, se mexe com todos. Não conhecemos precedente no movimento sindical brasileiro de uma ação tão solidária.

Isso nos permite dizer que os metroviários de São Paulo são os grandes responsáveis pela atual conquista. Que a cabeça baixa e o desânimo da volta da greve não abalou o sentimento coletivo demonstrado ao longo daqueles dias emocionantes de 2014. A melhor forma de agradecimento é, em nossa opinião, seguir o compromisso com as lutas da categoria. Seguir a batalha para fortalecer as formas coletivas de resistência.

A luta jurídica
Diante das calúnias que o governo do estado promoveu, foram muito importantes as vitórias judiciais. Embora o primeiro reflexo da categoria metroviária tenha sido a solidariedade imediata aos trabalhadores demitidos, foi muito importante vencermos duas instâncias do processo. Porque isso assegurou a versão de perseguição política.

A primeira e importante decisão do Departamento jurídico do Sindicato foi entrar com o processo contra as demissões de forma coletiva. Porque é uma forma de globalizar a perseguição estabelecida com as demissões e uma forma de o Metrô e o governo do estado responderem globalmente que o problema não era esta ou aquela característica deste ou daquele metroviário. O problema deles era contestar o direito de greve, um direito previsto na Constituição.

As etapas do processo jurídico revelam a íntima relação entre o poder político do PSDB e a justiça paulista. Em agosto de 2014, os metroviários conquistaram via liminar o direito de retorno ao trabalho. Em outubro deste mesmo ano, um dia após a reeleição de Alckmin para o governo do estado, ele consegue um mandado de segurança que caça essa liminar. E os metroviários são “redemitidos”. A maior parte deles sofreu essa “redemissão” no dia 24 de dezembro, o que foi mais uma expressão de insensibilidade.

Em Abril de 2015, vencemos o processo em primeira instância. A principal alegação do juiz foi a ausência de provas de que teríamos quebrado as estações, segurado portas de trem. O governador do estado foi à imprensa dizer que éramos vândalos, versão reafirmada pela empresa que não apresentou sequer uma foto desses fatos. O metrô possui câmeras por todos os lados. Seria a coisa mais fácil demonstrar uma acusação dessas. Mas isso não foi possível, porque se tratava uma mentira com vistas a demitir, desmoralizar os demitidos e acabar com a relação de confiança da categoria metroviária perante os demitidos.

A decisão de primeira instância indicava a anulação das demissões e o pagamento de todos os salários retroativos. Mas, estabeleceu que o processo devesse correr em tramitado e julgado, ou seja, voltaríamos ao trabalho apenas quando esgotadas as possibilidades de recurso. Isso abalou demais todos os demitidos que esperavam vencer na justiça e voltar em breve ao trabalho. Evidentemente, o Metrô recorreu.

A decisão de segunda instância ocorreu em Abril de 2016. E novamente, foi uma decisão a favor da reintegração, com sustentadas argumentações de que os metroviários estavam exercendo seu direito de greve e também o seu direito de garantia da greve, com a realização de piquetes. Todas as atividades previstas constitucionalmente. Segundo a decisão, o fato de a greve ser ilegal não justificava as demissões, pois o Sindicato, como entidade representativa da categoria, já havia sido penalizado e que a escolha aleatória de trabalhadores a serem demitidos configurava perseguição e prática antissindical. Esta decisão fortaleceu mais ainda a confiança da categoria sobre a tese de que era uma perseguição absurda. E fortaleceu a solidariedade.

Infelizmente, os metroviários demitidos perderam a votação jurídica sobre a volta imediata ao trabalho. E embora tenhamos seguido com o apoio político e financeiro da categoria, os dramas pessoais começaram a se intensificar, a dúvida sobre o futuro também, pois o país começava a amargar consequências da crise econômica e a dificuldade de arrumar emprego.

Os passos para a deliberação de terceira instância estavam sendo dados, o acompanhamento dos processos seguiam e a pressão para seu julgamento também. Mas, é fato que o ritmo desse processo seria longo e o contexto jurídico e político brasileiro, combinado com os ataques sobre os direitos trabalhistas e democráticos, apontavam para um processo que demoraria muitos anos para se encerrar.

A luta política
Assim que as demissões foram anunciadas, recebemos o apoio do conjunto do movimento sindical brasileiro. Todas as Centrais Sindicais, sindicatos dos mais diversos, do Brasil e do mundo, se manifestaram em favor dos metroviários, contra a atitude autoritária e truculenta do governo Alckmin. Todos os movimentos sociais e políticos do país também manifestaram seu apoio.

Com as contas bloqueadas, o Sindicato dos metroviários recebeu ajuda financeira de diversos sindicatos parceiros da luta, forma pela qual o Sindicato conseguiu retomar suas atividades após a greve e reordenar a luta visando a reintegração dos metroviários.

Parlamentares do campo da esquerda também prestaram seu apoio e força, formulando projetos de anistia aos metroviários, realizando audiências públicas que denunciaram o caráter persecutório dessas demissões e reforçando a luta mais geral em defesa do Metrô público.

As atividades realizadas no próprio sindicato, assim como na Faculdade de Direito da USP, aonde foram colocadas em pauta a luta pelo direito de greve e a denúncia de ações que perseguem esse direito foram iniciativas que somaram na luta pela reintegração. Construímos e acumulamos todos os argumentos possíveis contra as demissões no metrô e as demissões em greves em geral.

Acionamos debate com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), para denunciar as demissões, articulamos relações jurídicas, com juízes e advogados que nos fortaleceram com todo o arcabouço jurídico e político para defesa dos metroviários demitidos.

Em alguns momentos, enfrentamos debates dentro da categoria metroviária. O longo período de demissão, a justa incredulidade na justiça e as demandas cotidianas do sindicato e da categoria, que passou a enfrentar uma luta dura contra a privatização do sistema, por vezes, deram dúvidas se era possível conquistar a reintegração e se, portanto, valeria a pena seguir sustentando os metroviários demitidos. Mas a solidariedade de classe falou mais alto e os ensaios de discursos contra os demitidos foram inibidos.

Na campanha salarial de 2017, a direção do Metrô reconheceu sua derrota jurídica no processo e se dispôs a abrir um canal de negociação com o Sindicato para reintegrar os metroviários. Essa negociação passaria por um acordo em relação ao passivo trabalhista, que se acumulava.

Metroviários readmitidos. Foto: Reprodução Facebook

Em março de 2018, essa negociação toma corpo e o Metrô se dispõe a reintegrar os metroviários, mediante um abatimento de 18,5% da dívida que a empresa tem com os demitidos. Na assembleia do dia 12 de abril, a categoria aceita esse acordo e se formaliza a conquista.

Acreditamos que o conjunto de ações da luta pela reintegração, a começar pela solidariedade da categoria metroviária com os demitidos, foi responsável por essa conquista e pelo recuo do metrô. Evidentemente, alguns fatos políticos do momento também interferiram sobre isso.

A mudança de governo e a força histórica dos metroviários de São Paulo
Neste ano, Geraldo Alckmin pretende se candidatar à Presidência do país. Para isso, se afastou do cargo no dia 6 de abril e Marcio França (PSB), seu vice, assume o governo do estado. A presença de Alckmin no governo era um entrave muito importante para esse processo. O então governador assumiu a demissão no metrô, assim como a firmeza nessa conduta autoritária, como algo quase de orgulho pessoal.

O metrô é uma empresa pública estadual que sempre serviu de propaganda para o PSDB. As motivações disso são a busca do apoio popular, que historicamente teve o serviço metroviário como um serviço querido e bem avaliado, afinal ao comparar com outros sistemas de transporte na cidade, é quase natural que o metrô seja bem visto, mesmo com seus problemas de superlotação.

Mas, para o PSDB, esta empresa sempre foi boa para suas relações políticas, eleitorais e empresariais. Não são poucas as denúncias de licitações fraudulentas nos processos de modernização dos trens, na compra de materiais para a extensão das linhas, e também no recente processo de entrega da Linha 5 para a iniciativa privada. Este último processo foi vencido pela CCR, a mesma empresa que opera a linha 4 amarela e a mesma empresa que bancou parte da campanha eleitoral de Alckmin para o governo em 2014.

A força da organização sindical metroviária sempre foi uma pedra no sapato do governo. Em 2014, o então Secretário dos Transportes do estado de São Paulo, Jurandir Fernandes, chegou a dizer que “precisamos vencer a guerra contra os metroviários”. Ou seja, as lutas dessa categoria foram tratadas como guerra porque elas colocavam em pauta um programa de transporte distinto do que foi historicamente construído pelo PSDB em São Paulo.

As demissões de 2014 eram parte dessa luta que foi chamada de guerra por um então representante central do governo. Portanto, a palavra e orgulho de Alckmin neste embate não era paisagem nesse conflito. Sua saída do governo é parte deste capítulo que culminou com a conquista de um acordo pela reintegração.

Da parte do novo governador Marcio França também há interesses eleitorais. Já está estabelecida a apresentação de uma chapa para a eleição deste ano, em que o PSB não se apresentará mais em aliança com o PSDB, que vai apresentar o nome de João Dória para concorrer ao pleito. O PSB constrói uma candidatura que tem França na cabeça de chapa.

Essa divisão não se expressa em diferença profunda de projeto. Mas acreditamos que França queira sinalizar uma tentativa de “acordo de paz” com os metroviários. Não temos a menor ilusão de que essa tentativa se expresse em rever os planos de privatização do sistema. O PSB foi parte integrante deste governo, e nunca sinalizou uma crítica a este projeto. Essa busca por paz é conjuntural e está intimamente relacionada à proximidade com a disputa eleitoral.

Os governos conhecem a força desta categoria. Às vezes mais do que a própria categoria reconhece. Depois das demissões de 2014, os metroviários realizaram três greves por motivações políticas e justas: em 15 de março de 2017 e em 28 de abril do mesmo ano, como parte das greves gerais contra a reforma da previdência de Temer e no recente 18 de janeiro deste ano, contra a privatização do sistema. Essas ações são parte de uma força histórica de uma categoria que tem o poder de mover a maior cidade do país.

Conclusões
Acreditamos que a solidariedade de classe dos metroviários, combinada a uma dedicada luta jurídica e às ações políticas, nesse contexto de mudança de governo explicam essa vitória que tiveram os metroviários e toda a classe trabalhadora. E essa vitória não significa apenas mais 40 trabalhadores de volta ao seu posto de trabalho. Significa que a luta coerente e a verdade venceram. Que os inimigos tiveram que recuar. Isso, para nós, é motivo de festa. Sobretudo diante de todos os ataques promovidos aos demitidos, à categoria e à luta de 2014. Esta conquista também é um suspiro neste contexto de enormes ataques aos direitos dos trabalhadores. E é motivo de reforçar a estratégia de luta contra os ataques ao transporte público e aos direitos da classe trabalhadora. Nessa luta, ninguém fica pra trás.