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O que foi servido no jantar de Rodrigo Maia e Paulo Guedes?

Jantar selou pacto para aprovação das reformas administrativa e tributária, para a regulamentação do teto de gastos e privatizações. Principal ponto de conflito entre os dois tem sido o financiamento dos programas de renda. Ao final, Maia falou em cortar até “o músculo” nas contas públicas.

Editorial de 07 de outubro de 2020
Reprodução / CNN

ENGLISH What was served at the dinner of Rodrigo Maia and Paulo Guedes?

 

Na noite desta segunda-feira, 05, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, fizeram um pronunciamento à imprensa, após um jantar no apartamento de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Os dois fizeram apelos à união dos poderes para aprovação das reformas, depois de meses de divergências públicas e troca de farpas.

A promessa de paz contou ainda com pedidos de desculpas de ambos os lados, por “grosserias e indelicadezas” cometidas nas últimas semanas e pelas divergências públicas, em especial sobre o financiamento dos programas de transferência de renda e sobre a privatização da Eletrobrás.

A reunião foi organizada pela senadora Kátia Abreu (PP-TO) e pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), figuras influentes durante os governos petistas. Contou com a presença do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), dos ministros Fabio Faria (Comunicações) e o general Ramos (Secretaria de Governo), além de dois ministros do TCU, entre outros.

A reaproximação do governo e com a maioria do Congresso, com o Bolsonaro cedendo à “velha política”,  tem como objetivo, além de dar mais estabilidade política ao  Executivo, permitir o avanço do desmonte do Estado e a aprovação de novas medidas e reformas neoliberais.

Segundo a imprensa, os dois sentaram lado a lado. De fato, não há divergências significativas sobre a agenda econômica para o país. Apesar das crises e disputas políticas no últimos período, o governo Bolsonaro, as forças tradicionais da direita (PSDB, MDB, DEM) e o Centrão estiveram juntos na aprovação da Reforma da Previdência e em várias votações que aprofundaram o desmonte do serviços e órgãos públicos e a retirada de direitos sociais.

Um programa para chamar de seu

Por trás das trocas de farpas, há uma questão estratégica. De olho na popularidade que  o auxílio emergencial deu a Bolsonaro, o governo planeja ampliar o alcance e o valor dos benefícios do Bolsa Família,  renomeando o programa de Renda Cidadã. Hoje o Bolsa Família atende 13,2 milhões de famílias. Pelo Orçamento de 2021, atenderia 15,2 milhões de famílias. E, segundo as declarações do governo, a meta do novo programa seria atender 22 milhões de famílias.

Com o Renda Cidadã, Bolsonaro visa manter e ampliar da popularidade, especialmente no Nordeste, região onde ele perdeu no 1° e 2° turno das eleições de 2018 para Fernando Haddad (PT).

No dia seguinte ao jantar que reuniu Maia e Guedes, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta, anunciou que a proposta para o Renda Cidadã deve ficar pronta na próxima semana, “se Deus quiser”, em uma “proposta de consenso”.

Quem paga a conta?

O grande problema do governo é de onde tirar os recursos. Segundo contas do jornalista Reinaldo Azevedo, além dos quase R$ 34,8 bilhões já previstos no Orçamento, Guedes e Bolsonaro precisariam conseguir ao menos outros R$ 25 bilhões para um projeto deste porte. Um grave problema para um governo que aplica o ultraneoliberalismo e que tem o Teto de Gastos como um aspecto crucial de sua política econômica.

Nas duas últimas semanas, várias possibilidades foram levantadas pela equipe econômica de Guedes. Primeiro, cogitou-se recorrer às chamadas verbas para pagamento de precatórios, resultado de decisões judiciais. A medida foi bombardeada tanto pelos empresários quanto pela mídia, pois equivaleria a um calote em massa de dívidas. Todas as propostas apontadas para financiar o Renda Cidadã atacam os trabalhadores.

O governo falou, por exemplo, em mexer no seguro desemprego, no seguro defeso (pescadores), no piso das aposentadorias e até no abono salarial. O custo de todas essas medidas impactaria a popularidade do governo, pois afetaria milhões de pessoas que, se não estão na miséria, estão em vulnerabilidade diante do desemprego e da queda na renda.

Na reunião, chegou-se a discutir a possibilidade de uma suspensão de seis meses das isenções fiscais de empresas, para ampliar a arrecadação. Uma medida que seria necessária e sempre defendida pela esquerda socialista. No entanto, é difícil imaginar que algo assim seja realmente efetivado, levando-se em conta as recentes votações de socorro a grandes bancos, por exemplo.

O mais provável é que, salvo alguma distração, o principal alvo do governo sejam os trabalhadores e seus direitos. Rodrigo Maia defendeu a Lei do Teto de Gastos e disse que não será preciso cortar só gordura, terá de se cortar “no músculo” dos gastos públicos. Ou seja, vem ai uma aceleração da aprovação da reforma administrativa, que não só acaba com a estabilidade, mas que praticamente elimina a maioria das carreiras e reduz o tamanho do funcionalismo e, consequentemente, dos serviços públicos. Em tempos de pandemia, significa por exemplo, um duro ataque ao SUS, sem o qual a quantidade de mortos pela COVID-19 teria sido muito maior. O governo e o Congresso devem ainda acelerar privatizações, como a da Eletrobrás e dos Correios, de forma a fazer caixa e a agradar aos grupos internacionais já interessados.

Ampliar a resistência em defesa dos direitos e do serviço público

Há formas para garantir a arrecadação necessária para todas as políticas sociais necessárias. Inclusive para manter o auxílio emergencial de R$ 600,00 até o fim da pandemia e garantir um programa de renda básica para todos que precisam ao final do período emergencial.

Para isso, é necessário tirar dos bilionários e banqueiros, e não dos trabalhadores. Com a taxação das fortunas, do lucros dos bancos e das grandes empresas, com suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores, acabando com privilégios da cúpula do Judiciário, dos políticos e das Forças Armadas, enfim, tirando do andar de cima, haveria dinheiro suficiente para financiar um amplo programa de renda básica que acabasse com a pobreza e turbinasse o desenvolvimento econômico do país.

Nesse momento em que o governo se une ao Centrão para destruir o serviço público, é  preciso ampliar a luta contra a Reforma Administrativa e combater as narrativas divulgadas pelo governo, que apresentam o funcionalismo como privilegiado e estimulam a divisão de setores da classe trabalhadora. A verdade é que essa reforma preserva os altos salários da cúpula militar, dos juízes, desembargadores, políticos e procuradores. Ou seja, não ataca de fato os privilégios e servirá apenas para piorar a vida de professores, médicos, policiais, enfermeiras e assistentes sociais, que compõem a ampla maioria dos servidores e que ganham baixos salários.

Em resumo, ao cortar gastos dos servidores públicos, quem paga a conta é a população, que terá ainda menos direitos. A destruição do serviço público é um projeto e precisa ser combatida, em atos como os do dia 28 de outubro, e em todas as campanhas de candidatos da esquerda socialista.

Nessas eleições, vote nos candidatos da esquerda comprometidos com a defesa dos direitos sociais e a valorização do serviço público, que se opõem ao governo Bolsonaro e à agenda econômica neoliberal que une a extrema-direita e a direita tradicional.

 

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