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BRASIL

A nova política de educação para pessoas com deficiência é um grave ataque do governo Bolsonaro

Segregar não é incluir! Contra o decreto n° 10.502! 

Anna Guedes*, de São Paulo, SP
Lula Marques / Fotos Públicas

Protesto em reunião d comissão da Câmara dos Deputados de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em dezembro de 2019.

No dia 30 de setembro, o governo Bolsonaro anunciou com certo entusiasmo o decreto 10.502/2020 da “nova” política de educação para pessoas com deficiência. A notícia foi dada como um grande avanço e uma roupagem progressista: O direito de escolha das famílias com pessoas com deficiência escolherem matricular seus filhos em escolas regulares, especializadas e/ou bilíngues para surdos. 

O decreto em sua aparência pode soar inofensivo, afinal, dar o direito para as famílias escolherem onde matricular seus filhos parece legítimo. No entanto, a “nova” política é um grande retrocesso e demonstra apenas mais uma face do projeto bolsonarista para a educação, que avança para uma concepção cada vez mais conservadora e discriminatória de ensino. 

A aprovação da recente Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, instituída em 2015, pode ser encarada como um marco no movimento de pessoas com deficiência no Brasil. A lei prevê, por exemplo, a proibição da cobrança pelas escolas de valores adicionais pela implementação de recursos de acessibilidade, além de assegurar a matrícula de crianças e adolescentes nas escolas regulares. Antes disso, para se ter uma ideia, era comum que as famílias de pessoas com barreiras físicas e/ou no desenvolvimento enfrentassem um longo processo para terem seus filhos estudando, correndo o risco de ter a matrícula negada. 

A mudança foi um marco não apenas porque diminuiu as possibilidades dessas situações se repetirem mas, principalmente, porque passou a responsabilizar o Estado na garantia de condições mínimas de acessibilidade e de aprendizagem. Ou seja, foi a primeira vez que o “problema da inclusão” deixou de ser responsabilidade individual das famílias e da própria deficiência, para tornar-se uma questão do poder público e de toda sociedade brasileira. 

Nesse sentido, o que há por trás dessa “nova” política do Bolsonaro é a retirada de recursos do ensino público e a isenção por parte do Estado de pensar a inclusão das pessoas com deficiência. Além disso, representa um retrocesso de mais de 30 anos da luta pela Educação Inclusiva e abre brecha para que para que as escolas voltem a não aceitar ou dificultar a entrada desses alunos. 

E em tempos sombrios, é necessário retomar o óbvio: A educação deve ser um instrumento de inclusão social e a escola, lugar onde se aprenda a conviver com as diferenças. O incentivo à criação de “salas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como autismo, e superdotação” vai na contramão de um projeto de educação respaldado no direito à diferença. 

Apesar dos avanços que tivemos a partir da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015, é válido dizer que a inclusão de um aluno que apresenta barreiras para sua participação escolar não acontece de um dia para o outro. Sabemos que, mesmo com a garantia da matrícula em escolas regulares, esses estudantes ainda sofrem situações discriminatórias. No entanto, políticas como esta do Bolsonaro são verdadeiros ataques contra o direito das pessoas com deficiência e apenas aprofundam os aspectos excludentes e segregatórios já existentes. Precisamos de uma educação que avance para compreensão de que a inclusão de uma criança garante a inclusão de todas e de que, nesse caso, igualdade significa o direito à diferença. 

A luta contra o decreto 10.502/2020 deve ser uma luta de todos aqueles que defendam uma educação gratuita e de qualidade para todos. Pessoas que apresentam barreiras físicas e/ou no desenvolvimento têm o direito à uma educação crítica e inclusiva, que garanta seu pleno desenvolvimento escolar e social, e de serem vistas para além de suas deficiências.

 

*Anna Guedes é militante do Afronte e acompanhante terapêutica da rede privada de ensino de São Paulo e atua na perspectiva da Educação Inclusiva.