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Especiais

Para além das eleições, é preciso resistir aos ataques à saúde e à segurança dos trabalhadores

Coletivo TSTs Cariri, de Juazeiro do Norte, CE
Ivan Bueno / APPA / Fotos Públicas

Exercício Simulado Prático para Atendimento a Emergências no Porto de Paranaguá (PR)

Enquanto ocorrem as primeiras eleições no governo Bolsonaro, é possível perceber que em grande medida as questões nacionais estão presentes e se misturam com o debate local, seja por conta da pandemia que mata centenas de milhares, do desemprego de milhões, da volta da inflação e da fome que cresce – não é só o destino das cidades que estão em jogo, o futuro da classe trabalhadora é uma questão central. Em Juazeiro do Norte, por iniciativa do Coletivo de Técnicos de Segurança do Trabalho do Cariri e do PSOL ocorreu um importante debate sobre rumos da saúde do trabalhador. A discussão foi mediada pelo candidato a vereador, o professor e historiador Edson Xavier, militante socialista com tradição nas lutas operárias da região. Os debatedores deixaram claro que desde que assumiu o governo, Bolsonaro juntamente com sua equipe econômica comandada pelo banqueiro Paulo Guedes e apoiada pelos grandes empresários do país, aplicam uma política ultraliberal em dois caminhos que se combinam. Por um lado vem diminui ou até mesmo retirando integralmente com os direitos a saúde e segurança previstos na legislação vigente e, por outro, fragilizam cada vez mais a capacidade de fiscalização do estado sobre as condições de trabalho.

Primeiro é importante dizer que a saúde e Segurança do Trabalho (SST) envolve todos os aspectos relacionados à saúde dentro do ambiente laboral – doenças ocupacionais, violência, assédio moral e sexual, acidentes de trabalho e assuntos relacionados. Desde os anos 70 há no Brasil profissões específicas para atuar neste ramo, com diferentes competências – inspeções, laudos técnicos, vistorias, capacitações e planos de prevenção, são algumas das atribuições dos profissionais da área técnica, engenharia, medicina, enfermagem e outras. É assim porque o trabalhador enquanto produz vive sob a ameaça constante de acidentes, doenças e morte. Existem muitos riscos no ambiente laboral, que agora se somam ao impacto da crise sanitária do Coronavírus que causa a Covid-19.

No Brasil, de 1970 a 2018, foram registrados 42,7 milhões de acidentes do trabalho, 645 mil pessoas adoeceram e mais de 173 mil morreram em consequência desses acidentes (DIESAT, 2020) e após cinco anos em queda, o número de mortes por acidente de trabalho voltou a crescer. Esse quadro estatístico de acidentes de trabalho alarmante ainda é pior em razão da grande subnotificação por parte das empresas, em especial os patrões não registram a maioria das doenças ocupacionais além do que o trabalho informal é cada vez mais comum o que gera total incerteza sobre o número real de acidentes. Além disso, quase meio milhão de pessoas morreram em acidentes de trânsito em 10 anos e o país encerrou o ano de 2019 com 1.054 pessoas resgatadas de situações análogas de trabalho escravo, resultado da fiscalização dos auditores fiscais da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).

Não são poucos os ataques à Saúde e Segurança dos Trabalhadores

É verdade que parcela dos profissionais de segurança do trabalho aderiu ao discurso antissistema de Bolsonaro na campanha presidencial em 2018? Sim, há casos bem simbólicos. No Brasil, a Técnica em Segurança do Trabalho Márcia Cristina ficou famosa por organizar a caravana para assistir a posse de Bolsonaro no dia 1.º de janeiro. O fato é que passados um ano e meio de governo Bolsonaro, o desmonte das normas regulamentadoras e do sistema único de saúde, pilares da estrutura brasileira de SST, a adesão entre os profissionais ao bolsonarismo ainda persiste. Esse texto pretende abrir um debate com o nosso coletivo sobre como nós da área de SST vamos nos comportar nas eleições municipais em novembro próximo.

Bolsonaro reduziu pela metade a verba para combate ao trabalho escravo, FUNAI, IBAMA, e persegue todas as organizações dos trabalhadores, cujo os trabalhadores mais afetados com todas essas mudanças são as mulheres, negras, negros e LGBTs. Mesmo sob pressão social, no pós-golpe que colocou Michel Temer na presidência este passou a famigerada reforma trabalhista de 2017 onde de inicio havia a proposta de extinção do direito a proteção às mulheres grávidas ou lactantes em ambientes insalubres, uma aberração que, felizmente, não se consolidou, pois foi derrubada no STF por uma ação direta de inconstitucionalidade. Contudo passou a flexibilização da jornada de 8 horas diárias, com a possibilidade do cumprimento de 12 horas de trabalho seguidas, mesmo em ambientes insalubres, e a redução do intervalo mínimo de descanso para 30 minutos, entre outras perdas.

Nesse cenário adverso, submetidos a uma grande pressão e sobrecarga em suas funções, os trabalhadores e as trabalhadoras estão cada vez mais suscetíveis a processos de adoecimentos, acidentes, afastamentos, e mortes relacionadas ao trabalho. A saúde e segurança do trabalhador foi de imediato prejudicada logo nos primeiros dias do governo Bolsonaro com a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego que foi incorporado ao Ministério da Economia, simbolizando que o trabalho agora estaria subordinado ao comando da economia. E não parou aí. Em meados de 2019 o governo iniciou uma ação no sentido de revisar todas as Normas Regulamentadoras (NRs), que orientam os procedimentos de segurança e saúde obrigatórios a serem implementados pela empresa nos locais de trabalho. Essas normas remontam, novamente, ao ano de 1978, quando foram aprovadas pela Portaria N.° 3.214. São elaboradas e revisadas em grupos temáticos e depois nas comissões temáticas tripartites e têm como um dos principais objetivos, a padronização dos procedimentos de segurança e saúde do trabalho. Originalmente eram 36 NRs. Já foram revisadas, por exemplo, as normas NR1, que fala sobre saúde e segurança, NR 2, que regulamentava a fiscalização dos estabelecimentos por um fiscal do trabalho antes de sua abertura para funcionamento (que foi revogada), e NR12, que trata da segurança no trabalho com máquinas e equipamentos.

É preciso organizar a Resistência

Cabe aos trabalhadores e suas organizações, partidos, sindicatos, associações e entidades de classe lutar para que mudar esse cenário atual de desmonte da SST (Saúde e Segurança no Trabalho), cujos poucos direitos existentes atualmente e que vem sendo retirados só foram possíveis nos últimos 40 anos devido as mobilizações iniciadas no ABC paulista em 1978 e que produziram desdobramentos organizativos com a criação da CUT e do próprio PT.

Naquela etapa das lutas, as reivindicações dos trabalhadores por melhoria das condições e do ambiente laboral e por mais fiscais do Ministério do Trabalho ocorriam junto a valorização salarial, redução da jornada de 48 para 44 horas semanais, criação do seguro desemprego, ampliação da licença maternidade, instituição do abono de férias, entre outros direitos trabalhistas. Um importante aliado da luta nesse período foram as CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) que neste contexto cresceram e se tornaram um verdadeiro marco pela saúde e segurança do trabalhador. Isso levou os sindicatos a contratarem profissionais de segurança para assessorar os trabalhadores, além de preparar quadros para esta função, fazendo com que os próprios trabalhadores passassem a fiscalizar as condições de trabalho e as eleições para as CIPAs.

Bolsonaro sob o argumento de que as NRs “infernizam a vida dos empresários, comerciantes e empreendedores”, vem promovendo uma revisão profunda cujo resultado já pode ser sentido por todos – menos segurança, mais lucros.

Veio a redemocratização e a Constituição de 1988 quando parte dessa pauta foi consagrada e além de declarar que a saúde é direito de todos, dispõe sobre a SST no art. 7º, inciso 22, que estabelece como direito essencial a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança e o inciso 28, do mesmo artigo, que prevê seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. Também se tornaram uma das exigências previstas nas normas a contratação dos profissionais de SST. Essas normas têm base na legislação brasileira e nas convenções internacionais. Contudo, Bolsonaro sob o argumento de que as NRs “infernizam a vida dos empresários, comerciantes e empreendedores”, vem promovendo uma revisão profunda cujo resultado já pode ser sentido por todos – menos segurança, mais lucros.

Olhando em perspectiva compreende-se a importância de organizar a classe para resistir às propostas de flexibilização das normas de segurança e proteção ao trabalho como resultado de lutas de décadas. Os ataques do governo Bolsonaro coloca em jogo a vida dos trabalhadores e põe fim aos serviços de prevenção e segurança do trabalho, o governo vem afrouxando das leis em favor do empresariado favorecendo a estes aumentar seus lucros e super explorar a classe trabalhadora o que resulta ainda mais na precarização das relações de trabalho.

Disputar a consciência de classe e apresentar um programa único como alternativa para a classe trabalhadora diante de um cenário tenebroso em que as liberdades e direitos fundamentais estão sob ataques e destruição, preservar a vida e garantir o mínimo de condições de trabalho para os profissionais da linha de frente e os direitos conquistados em anos de lutas, revogar as reformas de teto dos gastos, terceirizações, CLT, e barrar o enxugamento das normas de saúde e segurança a qualquer reforma administrativa.

Diante de todos os ataques se necessário uma reorganização dos trabalhadores dos serviços de saúde e segurança do trabalho, juntos aos demais movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais e partidos da esquerda por uma frente única nas lutas para barrar as reformas – É por tudo isso que dizemos que estas não são eleições comuns e que as candidaturas da esquerda socialista podem ser uma voz para fortalecer os focos de resistência operária e dos oprimidos e explorados que se expressam em toda parte.