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A IV Internacional na II Guerra Mundial (parte 1): os debates e os desafios políticos 

Waldo Mermelstein

O assassinato de Trotsky foi um duríssimo golpe para a IV, depois dos ataques stalinistas dos anos 1930, que vitimaram alguns de seus dirigentes mais importantes (ver a série de biografias que estão sendo publicados neste especial pelo Esquerda Online). Além de ser, de longe, o quadro mais experiente e capaz para analisar as novas situações que se apresentavam, rompia-se o último elo com a geração que se afirmou na Revolução de Outubro.

Assim, as dificuldades políticas que a nova geração de revolucionários encontrou pela frente foram imensas. Somadas à repressão, tanto dos governos nazifascistas quanto dos “democráticos”, além da perseguição stalinista sob a direção de Moscou, a situação das seções se tornou cada vez pior, sendo que o centro internacional praticamente perdeu contato com elas. Somente em meados de 42 o trabalho começou a ser reconstruído no continente europeu.

Todo esse período foi marcado por um intenso debate político, não sem importantes crises que, somente aos poucos, foram sendo superadas.

Uma guerra planetária total

A II Guerra Mundial foi o maior conflito bélico da História. Envolveu todos os continentes e provocou mais de 80 milhões de mortes. Foi o resultado das tensões provocadas pela grande depressão econômica que começou em 1929 e a intensa polarização entre revoluções (França, Espanha) e contrarrevoluções (nazi-fascismo). Nessas condições, a disputa entre as antigas potências imperialistas (EUA, Grã-Bretanha, França) e as ascendentes (Alemanha, Itália e Japão) desembocou no conflito mundial.

Os anos 1930 conheceram também a degeneração do partido comunista da URSS e da Internacional Comunista (IC). O ponto de não retorno foi a política ultraesquerdista que igualava nazistas e socialdemocratas, facilitando a ascensão de Hitler sem reação da classe trabalhadora mais poderosa do mundo àquela época (por isso, como previu Trotsky ainda em 1933, o PC alemão jamais se recuperou).

Depois, a IC girou à direita para colaborar com as burguesias imperialistas “progressistas”, nas chamadas “Frentes Populares”. Com elas, a grande greve geral de 1936 na França foi desmobilizada ativamente pelo PCF, chamando a confiar no governo do socialista Blum e do partido Radical. Na Espanha, o estrangulamento da maior revolução social europeia depois da russa de 1917 (ver artigo neste especial) abriu o caminho para a guerra mundial.

Por outro lado, Stalin massacrou toda a geração que dirigiu a revolução de outubro. A face pública dessa carnificina foram os Processos de Moscou, que se utilizaram de uma metodologia inquisitorial de confissões e autoincriminações degradantes dos acusados, muitos dos quais com décadas de destacada luta revolucionária. A maioria dos oficiais do Exército Vermelho foi executada, o que debilitou sobremaneira a força militar soviética. E centenas de milhares de comunistas foram executados secretamente sob as ordens do carrasco do Kremlin, cortando a memória viva da revolução de outubro.

 A II Guerra começou na China e se estendeu pelo mundo

A guerra começou em 1937, quando os exércitos japoneses que ocupavam o Norte da China começam a conquistar todo o país, tendo como primeiro alvo Nanjing, onde cerca de 300 mil civis chineses são massacrados. Mais de 20 milhões de chineses morreram até 1945 para derrotar os invasores, abrindo o caminho para a revolução de 1949.

Em 1939, a conflagração começou na Europa. A expansão alemã já havia ocupado a Áustria e a Tchecoslováquia, o que havia sido consentido por Grã-Bretanha e França, na esperança de apaziguar Hitler. Para evitar ter que combater em duas frentes simultaneamente, os nazistas fizeram, em agosto daquele ano, um acordo de não-agressão com a URSS, o chamado pacto Hitler-Stálin, segundo o qual a Polônia seria dividida entre ambos e os soviéticos dominariam os países do Báltico. Os soviéticos também abasteceriam de petróleo, grãos e minerais as indústrias de guerra alemãs. O caminho estava aberto para os exércitos nazistas ocuparem quase toda a Europa, deixando de lado os países “neutros” (Suécia, Portugal, Espanha e Suíça). A Grã-Bretanha resistiu, apesar dos bombardeios alemães que mataram mais de 40 mil habitantes, em particular em Londres.

As tropas nazistas entraram em ação no Norte da África no começo de 1941, em conjunto com o exército de Mussolini. Por seu lado, o Japão, lançou-se a derrotar militarmente as tropas americanas, inglesas e francesas no Extremo-Oriente para expandir seu império. O ataque a Pearl Harbour em dezembro de 1941 fez com que os EUA entrassem na guerra.

Conquistada a Europa, Hitler sentiu-se confiante para invadir a União Soviética em junho de 1941, com mais de 3 milhões de soldados e três mil tanques. A decapitação da cúpula do Exército Vermelho e a espantosa falta de preparação para um ataque dessas proporções por parte de Stálin, que ignorou alertas de sua rede de espionagem na Alemanha nazista (a chamada “Orquestra Vermelha”  , de Leopold Treper) e mesmo de soldados alemães que desertaram, fizeram com que o avanço inicial dos nazistas fosse fulminante. O conflito havia se tornado realmente mundial.

Os debates prévios à Guerra: a questão da URSS 

A partir de 1938, abre-se um forte debate no SWP sobre a natureza do estado soviético. Um setor encabeçado por James Burnham, considera que a URSS havia perdido todas as características herdadas da revolução russa e que não seria mais um estado operário, mesmo sem ser um estado burguês.

Trotsky reafirmou os argumentos expostos em seu livro A Revolução Traída de 1936, quando formulou uma caracterização complexa da URSS como um estado operário burocraticamente degenerado. Neste, mantinham-se as conquistas da revolução – a expropriação da burguesia, o planejamento central da economia e o monopólio do comércio exterior, mas o poder político dos trabalhadores havia sido expropriado por uma nova casta, a burocracia. Tratava-se de um conceito dinâmico para descrever uma situação altamente contraditória: as bases econômicas eram ainda insuficientes para alcançar uma sociedade socialista, pois a URSS era um país relativamente atrasado submetido às potências imperialistas que dominavam o mercado mundial e o sistema internacional de estados. Nessas condições, o desenvolvimento econômico da URSS, mesmo extraordinário, mantinha as normas de distribuição burguesas (a cada um de acordo com seu trabalho e não às suas necessidades como em uma sociedade socialista) e gerava grandes tendências à desigualdade e à restauração capitalista. A poderosa casta burocrática que havia surgido nessas condições tinha interesses materiais próprios e havia se apropriado da direção do estado, aumentando seus privilégios e abolindo o que restava do regime de democracia revolucionária dos trabalhadores originado na Revolução de Outubro.

Essa situação contraditória e instável estaria em aberto e teria um desenlace em direção a uma sociedade socialista através de uma revolução que extirparia a burocracia parasitária retornando o verdadeiro poder dos sovietes sobre a base da democracia operária; ou a burocracia abriria caminho à restauração do capitalismo como produto de uma contrarrevolução. A essência desse prognóstico de Trotsky, que era histórico e não conjuntural, confirmou-se com a derrocada do regime soviético a partir de 1989, ainda que, como prova suplementar do caráter social pequeno-burguês da burocracia stalinista, a nova classe capitalista tenha surgido a partir das entranhas dessa própria burocracia.

Com o pacto Hitler-Stalin de 1939 e a partilha da Polônia, o debate se aprofunda e a minoria, agora apoiada por dirigentes como Max Shachtman, questiona se ainda seria correto defender o estado soviético em uma guerra com algum estado imperialista. A essa argumentação, reiterou Trotsky sua posição de defender de forma incondicional a URSS enquanto um estado operário ainda que degenerado, como forma de impedir a restauração capitalista pela via da invasão imperialista, o que não significava diminuir a luta contra a direção impostora à sua frente.

Dada a crise e a divisão da organização, ante a aproximação do Congresso do SWP em abril de 1940, Trotsky propôs oferecer garantias democráticas à minoria para evitar uma ruptura. Essas incluiriam a manutenção após o congresso do debate na revista teórica do partido e a participação da minoria na direção cotidiana do SWP eleita no Congresso. Com 40% dos votos no Congresso, a minoria resolve romper com o partido, levando importantes dirigentes e a maioria da regional de Nova York.

 A Conferência de Emergência (1940) e as análises da IV sobre a Guerra

 A posição da IV Internacional perante a guerra tinha sido traçada ainda em vida de Trotsky e reafirmada pela Conferência de Emergência de 1940. Era análoga à posição do partido bolchevique durante a I Guerra. Considerava a guerra como essencialmente um conflito entre as velhas potências imperialistas e as emergentes, na disputa pela repartição das riquezas do mundo. Nesta luta, os revolucionários não deveriam tomar partido, pois qualquer resultado seria somente benéfico para as classes dominantes dos vencedores. A derrota do próprio imperialismo seria a melhor opção. Além disso, segundo Trotsky, havia uma tendência à confluência entre os regimes democrático-burgueses, que se tornavam cada vez mais autoritários, e os regimes fascistas.

Nos países ocupados pelos nazistas, a luta contra a ocupação deveria ser realizada em nome da revolução mundial e não em termos de defesa das respectivas nações. Em relação a uma guerra entre a Alemanha e a União Soviética, considerada como inevitável desde a ascensão de Hitler em 1933, Trotsky propunha a defesa incondicional do estado soviético, apesar de sua direção burocrática degenerada, pois nele estavam representadas as conquistas da revolução de outubro.

Contra a linha de Stalin de privilegiar os acordos políticos e militares com as burguesias imperialistas e seus governos para defender a URSS, a IV afirmava que a melhor defesa da URSS seria a extensão da revolução mundial. Tal diferença teve momentos dramáticos quando do Pacto Hitler-Stalin, que era equivocado por confiar no apaziguamento dos nazistas e por levar ao extremo a prática de subordinar a política revolucionária às necessidades da diplomacia soviética. O que desorientou completamente os partidos comunistas do mundo: por exemplo, na França ocupada, durante a vigência do Pacto, o PCF (como os demais PCs do mundo) dedicou sua propaganda a denunciar o imperialismo dos Aliados, omitindo-se sobre o Eixo, o que levou à desmoralização em suas próprias fileiras. Na Itália sob Mussolini essa política foi impossível de ser levada a cabo o que provocou um choque entre a linha de Moscou e a do PCI.

Outra consequência fundamental do Pacto foi a perda de prestígio e apoio da URSS entre os trabalhadores e camponeses na Polônia dividida com os alemães e nas nações oprimidas e dominadas do mundo, horrorizadas pela invasão militar soviética aos países bálticos, negociada no Pacto.

A IV apostava também na crescente importância das lutas nos países dominados pelo imperialismo, em especial na guerra da China contra a ocupação japonesa, que deveriam ser apoiadas pela IV.

Segundo os textos da Conferência de Emergência da IV de maio de 1940, a guerra teria como resultado uma grande onda revolucionária. Junto com isso, apontavam para a decadência irreversível das direções socialdemocratas e stalinistas.

De fato, uma onda revolucionária sem igual ocorreu ao final da guerra, levando a novos triunfos revolucionários na Europa e principalmente na China. No entanto, a mudança de política do stalinismo após o ataque de Hitler à URSS e o papel decisivo que a resistência das massas soviéticas teve no desfecho da guerra aumentaram extraordinariamente o prestígio dos PCs por todo o mundo, em particular na Europa.

Depois de ver naufragado o pacto com Hitler, o stalinismo começou a negociar pactos com os países Aliados para uma nova partilha do mundo tendo em vista uma possível derrota do Eixo. Para terem seus interesses garantidos, os Aliados exigiram que os processos revolucionários em países chaves fossem freados por Moscou. Como um gesto para ganhar a confiança dos Aliados de que isso seria cumprido, em maio de 1943, Stalin dissolveu a Internacional Comunista.  Seis meses depois, ocorreria o primeiro pacto na Conferência de Teerã, reunindo pela primeira vez Stalin, Churchill e Roosevelt. Nela, começaram a se definir as bases para a partilha, incluindo a divisão da Alemanha.

Apoiando-se no prestigio de ter vencido a Alemanha nazista em Stalingrado, os stalinistas se jogaram para convencer a imensa resistência ao nazismo em dois países-chave, França e Itália, a entregar suas armas e confiar na aliança com a burguesia “democrática”. Na Grécia, a resistência havia encurralado os nazistas em Atenas em 1944, mas o PC grego foi obrigado por Stálin a capitular e aceitar um governo de coalizão com as forças monárquicas e burguesas, em que era uma pequena minoria. Mesmo assim, a negativa à rendição por parte dos resistentes levou a uma guerra civil que durou até 1949, com a derrota dos insurgentes.

Essa subordinação dos Partidos Comunistas ao pacto de Teerã – depois dele vieram os acordos de Yalta e Potsdam – em países-chave europeus impediu uma revolução socialista no coração do capitalismo. Com isso, o prognóstico de fortalecimento extraordinário da IV Internacional em meio a processos revolucionários vitoriosos em oposição a essas direções não se confirmou.

A guerra e as primeiras dificuldades políticas

 Em seu último ano de vida, Trotsky procurou adaptar e relativizar sua orientação, devido à inevitabilidade da guerra e da militarização das sociedades, mas ainda mantendo a tradicional caracterização da guerra como inter-imperialista e de que a classe trabalhadora nada teria a ganhar com ela. Essa relativização na orientação foi feita na chamada Política Militar Proletária, aprovada na Conferência de Emergência da IV em maio de 1940.

Assim, sem pregar uma política pacifista nem defender qualquer lado da luta inter-imperialista, defendia o armamento e o treinamento militar do proletariado, o controle operário e a nacionalização das indústrias bélicas, a independência das organizações frente ao controle policial-militar, a abolição da diplomacia secreta e a formação de escolas especiais financiadas pelo Estado e controladas pelos sindicatos operários, com o objetivo de formar oficiais proletários para as tropas e regimentos mobilizados. Tratava-se de uma tentativa de adaptar a agitação revolucionária no contexto do recrutamento militar obrigatório e da forte onda patriótica e militarista, utilizando para isso palavras de ordem transitórias.

Na medida em que a guerra foi se desenvolvendo, essa política ganhou contornos específicos em cada país. Quando, em junho de 1940, a burguesia francesa capitulou a Hitler, Trotsky concluiu que as burguesias nacionais dos países aliados não estavam realmente interessadas em defender seu país contra o fascismo. Por isso, defendeu que os revolucionários deveriam exigir que o comando militar passasse às mãos da classe operária, a única classe realmente capaz de derrotar o nazismo.

Para ele, a ocupação geraria revoltas generalizadas. Em “Não mudamos nosso rumo”, de 30 de junho, afirmava que “Somente depois da vitória começam realmente as dificuldades econômicas. É impossível colocar um soldado com um rifle para cada operário e camponês polonês, norueguês, holandês, belga (…) pode-se esperar, sem dúvida, a rápida transformação de todos os países conquistados em verdadeiros paióis”.

Em “Problemas norte-americanos”, de 07 de agosto de 1940, dizia: “Não podemos escapar à militarização, mas podemos, dentro da máquina militar, seguir a linha classista. Os trabalhadores americanos não querem ser conquistados por Hitler e, aos que lhes dizem ‘tenhamos um programa de paz’, eles lhes contestarão: ‘Mas Hitler não quer um programa de paz’. Por isso, dizemos: defenderemos os EUA com um exército operário, com oficiais operários, com um governo operário, etc”. E seguia: “Devemos usar o exemplo da França até o fim. Temos que dizer: ‘Lhes advertimos, operários, que eles (a burguesia) vão traí-los! Olhem para Pétain, que mostrou-se ser um amigo de Hitler! Vamos deixar que o mesmo ocorra neste país? Temos de criar a nossa própria máquina, sob o controle dos trabalhadores’. Devemos ter cuidado para não nos identificar com os chauvinistas, nem com os confusos sentimentos de autopreservação, mas devemos entender seus sentimentos e nos adaptar a eles de forma crítica e preparar as massas para uma melhor compreensão da situação; caso contrário, continuaremos sendo uma seita, cuja variante pacifista é a mais miserável”.

Dias depois, já em 13 de agosto, praticamente uma semana antes de seu assassinato, numa carta intitulada “Como realmente defender a democracia”, ele reafirma: “Os trabalhadores tomam seriamente todas as questões. Se a pátria deve ser defendida, então essa defesa não pode ficar abandonada à mercê da vontade dos indivíduos. (…) Vocês, trabalhadores, querem defender e melhorar a democracia. Nós, membros da IV Internacional queremos ir mais além. No entanto, estamos prontos a defender a democracia com vocês, só que com a condição de que seja uma defesa real e não uma traição à maneira de Pétain.”

No entanto, a aprovação da Política Militar Proletária na Conferência de Emergência não foi unânime e foi mal recebida nas fileiras da IV Internacional. Para muitos, em vez de ser um complemento, era uma política contraditória com o “derrotismo revolucionário”. Ela foi vista mais como uma capitulação ao nacionalismo e ao patriotismo imperialista. Entre as seções oficiais, o SWP dos EUA foi praticamente o único que a aplicou. Na Grã-Bretanha, não foi defendida pela seção oficial, a RSL (Revolutionary Socialist League), mas pela WIL (Workers International League), constituída, em 1938, por Ted Grant, Ralph Lee e Jock Haston.

A WIL formulou um programa concreto adaptado às circunstâncias peculiares da Grã-Bretanha. Ele incluía a exigência que o Partido Trabalhista tomasse o poder para derrotar o fascismo, constituindo um exército de destacamentos armados dos trabalhadores dos sindicatos e com a eleição dos oficiais pelos soldados. Defendeu também a libertação de todas as colônias britânicas para lutar contra o fascismo em todo o mundo. Ao mesmo tempo, orientou que todos os membros da organização convocados se alistassem nas forças armadas. Eram instruídos a fazer um trabalho junto aos soldados, visando ganhar respeito como os melhores soldados do exército. Os membros da WIL que estavam na “frente norte-africana” do exército britânico utilizaram os fóruns legais como o “Departamento de Atualidades do Exército” – ABCA, em sua sigla inglesa- para explicar pacientemente o verdadeiro significado da guerra e, em vários casos, conquistaram a maioria na ABCA, como em Benghazi, na Líbia, e no Cairo, no Egito. A atmosfera em grandes setores do exército britânico, especialmente no 8º Corpo de Exército no norte da África, foi muito explosiva. Muitos soldados confessaram que queriam voltar com armas para a Grã-Bretanha, uma vez terminada a guerra, para garantir que a situação do país mudasse.

Além dessa dificuldade para ajustar à política ao desenvolvimento concreto da guerra, surgiram outras. Um elemento fundamental foi o enfrentamento militar entre a democracia burguesa e o fascismo, o que foi repetidamente negado pela IV. Isso originou muitas dúvidas sobre o que fazer, em particular nos países imperialistas ocupados (ou atacados como a Inglaterra): participar na Resistência ou não, mesmo mantendo a independência política? Onde havia direção stalinista, a participação na resistência agregava um problema não secundário que era que os trotskistas descobertos eram assassinados. Sob o ritmo da guerra, em que não há tempo para tergiversar, tais dificuldades provocaram uma série de crises políticas nas seções.

A produção política e a crise do centro internacional durante a guerra

 Sem Trotsky, as dificuldades políticas foram agravadas, na medida em que a guerra cortou as ligações entre o centro da IV Internacional em Nova York e a Europa ocupada pelos nazistas. Mesmo assim, o Secretariado Internacional chegou a publicar vários documentos importantes, enquanto as seções intervinham como podiam nos eventos de seus países.

Dentre os documentos publicados pelo SI podemos citar:

– “A França sob a Ocupação”, de novembro de 1940, que faz um balanço da ocupação e da colaboração da burguesia francesa com ela, prognosticando uma vida curta ao domínio nazista e levantando um programa de ação que culminava no chamado aos “Estados Unidos Soviéticos da Europa, uma federação livre de povos com uma economia socializada ou um sistema em que o lucro será substituído pela cooperação dos operários”.

– “A intervenção americana na China”, de 31 de março de 1941, em que denunciava a intervenção dos EUA em apoio à China contra o Japão para impor sua “própria suserania sobre o povo chinês”, mas que seguia dando apoio decidido à China.

– “Em defesa da URSS”, em agosto de 1941, clamando que “a defesa da União Soviética é o dever elementar de todos os trabalhadores fiéis à sua classe”.

– “Aos trabalhadores e camponeses da Índia”, de 26 de setembro de 1942, apoiando a luta pela independência da Índia.

O SI conseguiu publicar e distribuir o Boletim de Discussão Internacional com as resoluções e manifestos de forma mais ou menos regular até 1943, quando então às dificuldades da repressão sob a guerra se somaram as dificuldades políticas. De fato, uma série de divergências vinham se gestando dentro do SI, principalmente entre o secretário-geral responsável pelo SI, Jean van Heijenoort – ex-secretário e segurança pessoal de Trotsky de outubro de 1932 a novembro de 1939 -, e os dirigentes do SWP. Elas foram se tornando cada vez mais agudas até que finalmente terminaram inviabilizando as publicações. Isso veio a debilitar ainda mais a atuação do centro internacional.

Os debates na IV durante a guerra

Além do debate sobre o caráter do estado soviético e sua defesa e o sobre a Política Militar Proletária, dois debates importantes ocorreram e sobre os quais até hoje continuam as polêmicas.

O primeiro era sobre a denominada questão nacional. Tratava-se da posição a ser estabelecida frente ao ocupante, em particular na França. Na seção francesa se delinearam duas respostas. A primeira, escrita por Marcel Hic, do CQI (Comitês pela IV Internacional), era da opinião que a sujeição da Europa pelos nazistas voltava a dar atualidade às palavras de ordem relacionadas à opressão nacional. A adesão da grande burguesia à Europa hitlerista permitiria fazer dessas palavras de ordem um trampolim para unir a classe operária e a pequena burguesia, e mesmo uma parte da burguesia, contra o nazismo.

Houve duas formulações dessa posição. A primeira, na resolução “A questão nacional na França e os Estados Unidos socialistas na Europa”, de setembro de 1940, em que busca orientar à participação na resistência. Partia da definição de que a França se encontrava na posição de uma nação oprimida, colocando na ordem do dia a tarefa de libertação nacional em unidade de ação com a burguesia nacional e setores pequeno-burgueses que se opunham à ocupação alemã. O que se vincularia aos problemas mais imediatos (abastecimento, oposição aos saques de produtos pelos nazistas), desembocando numa solidariedade concreta entre os trabalhadores da cidade e do campo. As ações deveriam ser organizadas solidariamente com os trabalhadores alemães (e os soldados) contra o nazismo e desaguar nos Estados Unidos Socialistas da Europa em oposição à Europa dos “saqueadores nazistas”. Essa posição era oposta à delineada pela IV. Um problema adicional se colocou quando um documento interno de 1940 do CQI afirma: “Devemos fazer o máximo de esforço para levar a fração burguesa a constituir um partido conosco, um movimento nacional de resistência”.

Um segundo momento foi marcado pelas “Teses sobre a questão Nacional”, também escritas por Hic, já em colaboração com a seção belga no Secretariado Europeu de 1942, que faziam uma demarcação mais clara em termos de princípios. Nas “Teses …”, elas relacionaram melhor as reivindicações democráticas e nacionais com a perspectiva da revolução socialista ao dizer claramente que “o conjunto das reivindicações de cada povo da Europa coloca-os contra a sua burguesia, contra o imperialismo anglo-saxão e contra o imperialismo alemão”. Por sua vez, denunciam a constituição de um estado nacional independente defendido por Londres e pela Internacional Comunista visando restaurar a ordem e o Estado burguês. E terminam afirmando: “A tarefa atual é a revolução proletária: só ela pode dar a cada país um governo verdadeiramente nacional”. Assim, a defesa da nação passa a se dar sem subordinar-se à resistência gaullista. Essas posições tiveram a oposição de uma tendência minoritária constituída no CQI, a “Oposição Internacionalista”, para quem a questão nacional estava resolvida desde o século XIX enquanto expressão econômica progressiva”. Sendo muito fraco para criar seus próprios Maquis, que ninguém teria abastecido, o CQI não pode implantar-se nem na resistência dirigida por De Gaulle, nem na animada pelo PCF.

A segunda resposta à questão nacional na França foi elaborada pela outra organização, o CCI. Considerava que a luta pela independência e/ou autodeterminação nacional mascarava a realidade da luta de classes e significava uma capitulação à burguesia nacional e seria diferente do “derrotismo revolucionário”, cuja tarefa era a de derrotar sua própria burguesia. Assim, opunha o trabalho nas fábricas às atividades da resistência dos Maquis.

Na segunda formulação de 1942, a posição do CQI estava mais sintonizada com as posições do primeiro embrião de Secretariado Europeu. A chamada “questão nacional” reverberou em outras seções. Na Alemanha e, principalmente nos EUA, ela se entrecruzou com um debate mais abrangente sobre a dinâmica e as tarefas do pós-guerra. Esse debate envolveu a discussão sobre o caráter da guerra, ou seja, se essa seria centralmente uma guerra inter-imperialista como no conflito de 1914- 1918, ou se também envolvia um conflito entre regimes, mais precisamente fascismo versus democracia burguesa. E incluía uma caracterização sobre como, em que bases e sob qual regime o imperialismo edificaria a nova ordem mundial do pós-guerra e qual deveria ser o programa dos revolucionários.

Os dirigentes exilados da Liga Comunista Internacionalista (IKD), em 19 outubro de 1941, escreveram as chamadas “Três Teses”. Nelas, afirmavam que “a transição do fascismo ao socialismo permanece uma utopia, caso não se considerasse uma etapa intermediária que é fundamentalmente equivalente a uma revolução democrática”. Segundo essa visão, as convulsões do capitalismo obrigavam a sociedade a superá-las engendrando fenômenos como o nazismo. A luta pela independência nacional e pelas liberdades democráticas voltava assim a ser prioritária. Os revolucionários deveriam, então, apoiar os movimentos de libertação nacionais democráticos, integrando-se para isso nas frentes nacionais, sob pena de se afastarem das massas e de sua luta real. Ao mesmo tempo, defendiam que a guerra teria alterado a tal ponto a situação política mundial que seria necessário um retorno ao programa “democrático” defendido por Marx e Engels em 1848. Sob a caracterização de que com isso estariam abandonando o Programa de Transição, acabaram sendo expulsos das fileiras da IV Internacional.

O segundo debate foi sobre o caráter da guerra e sua dinâmica no SWP, aberto por Felix Morrow. Suas posições se chocaram com as da maioria do SWP e do novo Secretariado Europeu, constituído na Conferência Europeia de 1944. Quatro foram os pontos de diferenças que surgiram no debate: 1) O ritmo das revoluções em desenvolvimento; 2) a política do imperialismo americano para o continente; 3) o papel das reivindicações democráticas e a palavra de ordem de Estados Unidos Socialistas da Europa; 4) o papel do Exército Vermelho na Europa.

Para Morrow, após a guerra se abriria um período de relativa estabilidade econômica nos países imperialistas e os regimes democrático-burgueses seriam restaurados nos países sob regimes fascistas. Frente a isso, defendia uma maior hierarquia para as palavras de ordem democráticas, dando menos peso às palavras de ordem transitórias. Por exemplo, dizia que após a queda de Mussolini e a formação de um governo com o apoio do PC Italiano, mantendo-se a monarquia, a palavra de ordem de República teria muita importância prática.

Já a direção do SWP, em sintonia com o Secretariado Europeu, defendia que após a guerra se abriria um período de longa estagnação e crise econômica, marcado pela continuidade e a predominância de regimes burgueses bonapartistas.

Por fim, havia um debate sobre o papel do exército Vermelho na Europa. Morrow alertava que havia um aspecto contraditório no avanço das tropas soviéticas em direção à Europa Ocidental: por um lado, selava a derrota do nazismo, mas por outro, pelo tremendo prestígio e fortalecimento do stalinismo, seu papel de freio nos processos revolucionários poderia ser perigoso, como já ocorria na Itália.

Nas discussões, Morrow obteve apoio de Jean van Heijenoort e depois de Albert Goldman, formando uma fração, que terminou sendo expulsa em 1946, acusada de colaborar com o Workers Party (WP), dirigido por Max Shachtman. Resumidamente, tais foram as principais polêmicas que se deram no interior da IV no decorrer da Segunda Guerra.

 

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