Após semanas de impasse entre a massa de manifestantes e o regime de Lukashenko, o atual impasse só pode ser resolvido em benefício da população se houver uma retomada da ação independente da classe trabalhadora através das greves.
No final de semana, os manifestantes se reuniram novamente em Minsk e outras cidades da Bielorrússia exigindo que Lukashenko deixasse o cargo, após a marcha feminina de sábado. No início das manifestações, o tom do discurso de Lukashenko foi novamente intensificado e, se por várias semanas a polícia reduziu um pouco seu ritmo, agora as prisões estão generalizadas. Mais de 440 manifestantes foram detidos no fim de semana, com a polícia e veículos do exército mobilizados em todo o país. Durante a última semana, gangues de ‘tikhari’, bandidos à paisana e mascarados da KGB e da polícia percorreram as ruas, atacando com porretes qualquer grupo que se reunisse para protestar.
Novos métodos de luta estão surgindo. Em vários espaços, estão ocorrendo treinamento para fornecer autodefesa para as manifestações. Agora, grupos de manifestantes são frequentemente vistos com jovens na frente de braços dados. Nos protestos de sábado, as mulheres se defenderam dando os braços em frente a shopping centers, enquanto a tropa de choque tentava desesperadamente arrastar os presos para fora.
Tanto o ‘tikhari’ quanto os ‘cosmonautas’ – a tropa de choque com armadura e uniforme completos – são fortes apenas em seu anonimato. Os manifestantes agora tentam rasgar as máscaras da polícia quando são atacados. Um veículo de mídia divulgou um banco de dados da polícia de choque com nomes e endereços, o que já havia ameaçado fazer se a violência policial não cessasse.
A maior virada na luta foi quando, uma após a outra, trabalhadores em todo o país entraram em greve, alguns por uma hora, outras por um dia exigindo que Lukashenko renunciasse. O regime foi forçado a recuar, cessando a violência policial e a tortura dentro das prisões.
A classe trabalhadora demonstrou que tinha o poder de parar o país. Comitês de greve foram anunciados em algumas empresas, mas por enquanto esse movimento não atingiu sua conclusão lógica – a remoção de Lukashenko e sua camarilha do poder e o estabelecimento de um novo governo defendendo os interesses da classe trabalhadora.
Tem havido casos de desfiliação em massa de sindicatos patrocinados pelo estado, mas as estruturas dos comitês de greve são muito nebulosas, apresentando demandas que mal tem se distinguido da oposição geral. Isso permitiu que a liderança da oposição, o não eleito ‘Comitê de Coordenação’, usasse a classe trabalhadora para promover suas demandas sem permitir que ela desenvolvesse um papel independente.
Os sindicatos independentes que existem são influenciados pela burocracia sindical internacional. Eles dizem que os sindicatos devem participar em projetos de “parceria social” e entrar em negociações com Lukashenko. Mesmo em conferências que ocorreram durante este movimento crucial, os organizadores dos sindicatos independentes discutem suas tarefas como preparação para a futura organização, ao invés de apresentar demandas claras para a mobilização hoje.
Quando os trabalhadores voltaram à produção, eles enfrentaram repressão massiva nos locais de trabalho. Como um deles comentou: “As pessoas são obrigadas a trabalhar sob ameaças. Os mais ativos foram demitidos. Eles até ameaçam com violência física contra as famílias daqueles que falaram em apoio à greve, eles nos pressionaram enquanto tanto pela gerência como pelos sindicatos … eles não têm mais nenhuma moral. Mas eles não podem escapar impunes. Não é preciso que toda a fábrica pare de trabalhar para que uma greve surta efeito”.
Na refinaria de açúcar Zhlobin, a administração demitiu três trabalhadores, que por acaso eram responsáveis por iniciar os processadores, de modo que toda a fábrica não poderia funcionar. Quando foram substituídos, de repente o equipamento começou a quebrar. Dez foram demitidos da fábrica de automóveis de Minsk e o transportador parou. Então o atomizador para o sistema de pulverização quebrou e os carros tiveram que ser pintados à mão. Agora leva uma semana para produzir a mesma quantidade de carros produzida no dia anterior. Quanto mais pressionam os trabalhadores, mais as esteiras quebram ou as subestações de eletricidade pegam fogo. Nas minas na Bielorrússia Ocidental, os trabalhadores estão indo para o subsolo, mas de alguma forma os planos de produção não são alcançados e os contratos não são cumpridos. Um mineiro, Yuri, tornou-se um herói nacional quando desceu ao subsolo e se algemou ao equipamento. Agora, outros trabalhadores estão seguindo seu exemplo.
Este é o paradoxo da situação atual. As massas estão preparadas em larga escala para assumir grandes riscos, enfrentando prisões, espancamentos, torturas e a perda de seus empregos para protestar contra o regime autoritário de Lukashenko. Muitos argumentam que a espontaneidade e a auto-organização são características positivas do movimento, o que é fato. Na verdade, as redes sociais estão repletas de grupos de blocos individuais de apartamentos organizando sua participação nos próximos atos. Mas isso deixa o movimento sem uma estratégia de vitória ou um plano para o que fazer após a derrubada de Lukashenko.
O ‘Conselho de Coordenação‘ lançado por Svetlana Tikhanovskaya, a candidata que concorreu e venceu Lukashenko, apoiada por autonomeados empresários, consultores de mídia e ex-ministros do governo afirma que é o ‘único órgão representativo da sociedade bielorrussa … estabelecido com o objetivo de superar a crise política e assegurar o acordo social, bem como proteger a soberania e a independência da Bielorrússia ”. No entanto, esse órgão não foi eleito e as suas figuras principais foram presas ou fugiram para o exílio. Muitos manifestantes, se perguntados, apoiariam Tikhanovskaya como presidente, mas eles não olham para ela, ou para o Conselho de Coordenação como um todo, como sua liderança.
Seu principal trabalho agora é fazer lobby para obter apoio dos interesses ocidentais. Os três Estados bálticos que fazem fronteira com a Bielorrússia declararam sanções contra Lukashenko e seus apoiadores. Em parte, isso foi para pressionar a UE a tomar medidas mais firmes. O plano da UE era excluir o próprio Lukashenko das sanções, na esperança de dialogar com ele e por medo de alienar a Rússia ainda mais do que esta já está. Embora – em uma votação não vinculativa – o Parlamento Europeu tenha pedido sanções, o Chipre bloqueou a decisão até que a UE concorde em sancionar também as autoridades turcas.
Lukashenko buscou um apoio mais firme da Rússia. Em uma reunião com Vladimir Putin em Sochi, a Rússia concordou em resgatar a Bielorrússia com USD 1,5 bilhão, insuficiente para cobrir a dívida de USD 8 bilhões do país, e conduzir exercícios militares conjuntos na Bielorrússia. Outras partes do acordo estão sendo mantidas em segredo, mas provavelmente significam que a Rússia tenha participação do programa de privatizações. Após anos de prevaricação, Lukashenko parece agora aceitar um “acordo de união” mais robusto entre os dois estados, dando efetivamente à Rússia um grau mais alto de controle.
A Rússia deseja desesperadamente manter a Bielorrússia como uma nação amiga para atuar como uma barreira entre ela e a UE e a OTAN. Ao mesmo tempo, se os protestos na Bielorrússia continuarem, eles podem inspirar o crescente sentimento de oposição dentro da própria Rússia. No entanto, ela deseja evitar, se possível, uma repressão brutal por parte de Lukashenko, pois isso levaria a um maior isolamento dos dois países.
Entretanto, uma coisa são os planos, e outra coisa é o que realmente acontece. O nível de agressão usado por Lukashenko contra a oposição está crescendo. A oposição sublinhou que os protestos não são nem “pró-UE” nem “anti-Rússia”. O povo bielorrusso sempre esteve próximo dos russos, um desgaste nas relações só apareceu quando a Rússia interveio na Ucrânia. Lukashenko viu isso como uma ameaça à soberania bielorrussa. Dessa forma, durante os protestos, bandeiras da UE ou da Rússia raramente aparecem.
Mas agora muitos bielorrussos pensam que a Rússia está apoiando o impopular ditador. Tikhinovskaya advertiu abertamente que, se ela estivesse no poder, o acordo entre Putin e Lukashenko seria ignorado. Embora ela seja uma líder acidental da oposição, ela reflete o humor das massas com mais precisão do que as figuras abertamente pró-capitalistas, apoiadas pela UE. Enquanto eles defendem negociações com Lukashenko, até permitindo eleições com sua participação, Tikhonovskaya argumenta que o objetivo dos protestos é se livrar completamente de Lukashenko e de sua camarilha.
Se houver uma grande escalada da agressão de Lukashenko com o apoio da Rússia, o clima pró-UE no país poderá crescer rapidamente. O nacionalismo de extrema direita não encontrou uma base forte na Bielorrússia, mas nesta situação, usando os esquadrões de autodefesa como base, ele poderia se desenvolver.
Uma alternativa de esquerda forte intervindo com demandas adequadas e uma estratégia para vencer é necessária para preencher o enorme vácuo político que existe no momento. O fato de tantas pessoas terem demonstrado que já não têm medo, encorajou muitas outras, que durante anos sofreram repressão e discriminação em silêncio, a aderir ao movimento de massas. Vítimas de violência doméstica se juntaram em grupos de apoio a mulheres, grupos bem organizados de ativistas LGBT participaram dos protestos. Mas as formas de organização existentes estão ficando sobrecarregadas.
A chamada esquerda nem mesmo tenta intervir. Aqueles em torno dos grupos neosstalinistas argumentam que Lukashenko manteve um grande elemento de propriedade estatal e que o país quase prosperou sob uma forma de capitalismo estatal. Deixando de lado que os salários médios na Bielo-Rússia são cerca de metade dos da vizinha Ucrânia ou um quarto dos da Polônia, os trabalhadores sofreram enquanto Lukashenko conduzia um programa de privatização em massa usando ‘golden shares‘ (ações douradas, em tradução livre) para manter o controle do Estado, introduzia brutais reformas previdenciárias e impostos sobre os desempregados e os trabalhadores com contratos anuais precários. Agora, após seu acordo com Putin, a privatização será mais brutal e com o capital russo assumindo o controle.
A esquerda não stalinista, que afirma ter apoiadores tanto no Partido “Mundo Justo” e no “Partido Verde”, argumenta que é muito perigoso intervir nesses movimentos. Ambos os grupos começaram a buscar a Rússia para resolver a situação.
Mas existem bons ativistas procurando um caminho a seguir. É necessária organização nas manifestações para levantar um perfil socialista claro.
A autodefesa deve ser coordenada em uma base internacionalista, defendendo o direito de autodeterminação da Bielorrússia, enquanto se opõe às tentativas de dividir as pessoas em linhas nacionalistas. É preciso construir vínculos com coletivos de local de trabalho e grupos universitários. O atual impasse só pode ser rompido em benefício da população se houver um retorno à ação independente da classe trabalhadora por meio de greves.
Os apelos à saída de Lukashenko e à libertação de todos os presos políticos têm de estar associados às exigências de fim da privatização, e das reformas do sistema de contratos e da previdência, bem como à restauração de cuidados de saúde e educação gratuitos e de qualidade. A classe trabalhadora deve colocar-se à frente desta luta, estabelecendo uma coordenação de greve nacional democrática e responsável. Isso forneceria a base para a formação de um partido de trabalhadores de massa com um programa socialista, apresentando candidatos nas próximas eleições, bem como convocando uma assembleia constituinte na qual representantes eleitos de todos os trabalhadores poderiam decidir como a Bielorrússia deve ser governada democraticamente no interesse da classe trabalhadora, uma Bielorrússia democrática, independente e socialista como parte de uma federação mais ampla de estados socialistas democráticos.
* Texto original em inglês, publicado em 21 de setembro de 2020 no site da ISA (https://internationalsocialist.net/en/2020/09/belarus )
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