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OPRESSÕES

Linguagem não-binária, diálogo e consciência de classe

Travesti Socialista
Kye Rowan, Licença: Creative Commons CC0

Bandeira da visibilidade não-binária.

Nas redes sociais, tem fervilhado a discussão sobre o uso de uma linguagem neutra, principalmente em relação a pessoas não-binárias. Propõe-se que, por exemplos, usemos ‘linde’ em vez de ‘lindo’ ou ‘linda’ quando o objetivo é se referir a uma pessoa de gênero não-binário. Tenho evitado entrar nessa polêmica porque ainda não estudei (quase) nada sobre língua/linguagem/dialeto. É um problema muito complexo para se tirar conclusões tão rápidas com argumentos tão rasos, pouca reflexão e pouco estudo, como acontece em debates nas redes. Escrevo esse texto com algumas ponderações.

Recomendo também o texto “O papel e a função da linguagem não binária ou neutral no contexto das redes online” da Revista Movimento.

Ridicularização é uma forma de opressão

Muitas pessoas estão ridicularizando a defesa do uso de uma linguagem neutra. Ridicularizar, deslegitimar e rotular são formas de oprimir.

As discussões nas redes sociais estão cada vez mais se parecendo com o bullying que existe nas escolas. Já sabemos que o bullying quase sempre é uma forma de opressão pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, contra quem não se encaixa nos padrões de gênero ou de sexualidade, etc. Nas redes sociais, não é diferente.

Sobre o uso de dialetos, diálogo e “identitarismo”

Essa discussão tem de levar em conta que é comum que setores oprimidos tenham variações linguísticas próprias. As periferias têm dialetos próprios, as travestis têm o pajubá, existem gírias gays, gírias lésbicas, etc. Isso sem contar que o Brasil tem 12 dialetos regionais. Portanto, é ilógico acusar que o uso de termos distintos da linguagem popular impediriam o diálogo. Pelo contrário: travesti usa gíria na TV e vira meme.

Já usei adjetivos neutros nos meus textos e ninguém nunca reclamou: “Não entendi nada do que você escreveu porque você usou uma palavra terminada em ‘e’ ao invés de ‘a’ ou em ‘o’.”

[Isso me lembra uma assembleia popular em 2013 da qual participei, onde algumas pessoas disseram que nós, da esquerda, usamos uma linguagem muito complexa, acadêmica, que precisamos aprender a dialogar com pessoas da periferia. Um rapaz indignado pegou o microfone e disse: “Eu sou da periferia e estou entendendo tudo que vocês estão falando. Vocês pensam que quem mora na periferia é burro?”]

Lógico que existe um limite na relação entre o diálogo e o uso de um dialeto próprio. Mas ridicularizar, tirar sarro, deslegitimar o uso de adjetivos e pronomes neutros por não-bináries ou afirmar que isso é expressão do ‘identitarismo’, a única explicação lógica é que existe um preconceito velado, ou nem tão velado assim.

Propor alterações na linguagem seria falta de consciência de classe?

Existe uma expectativa de que toda a população aprenda e passe a usar o dialeto não-binário. Isso não é possível, exceto, talvez, a longo prazo (ênfase no talvez). Mas não há nenhum problema moral defender que essa mudança, seja a curto ou longo prazo. Pode ser equivocado, mas é legítimo.

Algumas pessoas têm acusado que essa proposta demonstra falta de consciência de classe. Isso é forçar a barra. A discussão que precisa ser feita de fato é como ocorrem mudanças na linguagem e com que velocidade. Dentro disso, entrariam questões como: diferença entre língua, linguagem e dialeto, que mudanças na linguagem ou no seu uso nós devemos promover, como, quando, onde, quais dessas mudanças são possíveis dentro do sistema capitalista e quais só seriam possíveis após uma revolução socialista, etc. Sobre tudo isso, ainda não tenho opinião formada, então essa discussão fica para o futuro.