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BRASIL

Retorno às aulas em São Paulo: um exemplo da política genocida para o país

Sirlene Maciel, de São Paulo, SP
Rovena Rosa | Agência Brasil

São Paulo – Escola Estadual Diadema ocupada por estudantes contra a reorganização escolar que será implantada em janeiro de 2016 pela Secretaria de Educação (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Mas chega sempre uma hora na história em que aquele que ousa dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte. (…) E a questão não é saber qual é a recompensa ou castigo que espera esse raciocínio. A questão é saber se dois e dois são quatro. Quanto aos nossos concidadãos que arriscavam a vida, tinham de decidir se estavam ou não na peste e se era ou não necessário lutar contra ela.

Albert Camus em A Peste

  

O Secretário da Educação de São Paulo, Rosielli Soares, anunciou, em transmissão ao vivo, que as aulas das redes estadual e municipal retornarão assim que todo o estado se encontrar na fase amarela por 28 dias, a partir de 8 de setembro, prevendo o retorno gradual de até 35% dos estudantes nessa primeira fase. Seguindo o que consta no Decreto Estadual n°65.061, de 13 de julho de 2020, para as Universidades e Escolas Técnicas, a proposta é retornar, ainda mais cedo, em agosto, pois o documento prevê que para cumprir a parte técnica e aulas em laboratórios são precisos apenas 14 dias em fase amarela nas regiões.

O país, quando escrevemos esse texto, está na casa de 82 mil mortes, no estado de São Paulo o número de mortes já ultrapassa os 20 mil e está estabilizado com a taxa de mais de 350 mortes por dia! Esse número é assustador, é como o próprio Dimas Covas que faz parte do Centro de Contingência do governo, e é diretor do Instituto Butantan, afirmou, em debate entre a Fapesp e o Instituto, no mês passado: “Estamos tendo a explosão de um Boeing 747 por dia e pode ser que isso se prolongue até o ano que vem”. Como podemos perceber esse tipo de estabilidade não significa que a situação é boa.

Ao contrário, segue sem controle e o retorno pode agravá-la. É o que podemos notar na matéria publicada no site G1, em 22 de julho, em que a Fiocruz afirma: “o retorno de alunos às aulas deverá colocar 9,3 milhões de idosos e adultos com problemas de saúde em risco”, aponta ainda que  no estado de São Paulo está o grande problema e calcula  que serão colocadas em situação de risco cerca de 2,1 milhões de pessoas.

Apesar dos números, o governador João Doria insiste no retorno. Vejamos o exemplo da autarquia estadual Centro Paula Souza (Ceeteps), que administra as Escolas Técnicas (Etecs) e Faculdade de Tecnologia (Fatecs), tendo uma comunidade escolar que conta com mais de 300 mil alunos e mais de 20 mil funcionários administrativos e docentes. O Centro, seguindo as orientações do governo e da Secretaria  Estadual de Educação(Seduc), anunciou o retorno a partir de agosto para os cursos técnicos  e integrais nos 3°s módulos ou anos para cumprirem a parte técnica em laboratórios, isso representará 10% do número dos matriculados, estamos falando em 30 mil estudantes expostos a riscos; depois em setembro retornam até 35% dos alunos dos 2°s e 1°s módulos, isto é cerca de 105 mil estudantes. Se somarmos os números da rede estadual ultrapassará 1 milhão de estudantes, isso sem contar os municípios.

Essa decisão conta com um protocolo publicado que depende de uma estrutura que comporte o distanciamento social, equipamentos de proteção individual, limpeza, álcool em gel, entres outros. O problema é que nem o mínimo de segurança o Ceeteps quer garantir aos estudantes, professoras, professores e administrativos. Publicou no site que todos devem levar a sua própria máscara e trocá-la a cada duas horas. Oras, nem a máscara facial, item básico de proteção contra a Covid-19, será distribuída pela instituição! Também não haverá óculos protetores e os docentes que quiserem usar quadro branco ou lousa devem arcar com seu próprio material. Tudo isso somado ao sucateamento de anos, falta de funcionários administrativos, estrutura da limpeza escassa, pois foi toda terceirizada e atualmente conta com quadro reduzido, falta de itens básicos de limpeza e higiene, salas lotadas, revela o problema estrutural do sistema público de ensino.

A precariedade é enorme, pois há anos está em curso o desmonte das escolas públicas. Esses fatores somados ao risco do contato social trazem à tona o problema que será essa volta às aulas. O descaso é tanto que a superintendência do Centro passou a decisão de verificar se é possível retornar às aulas para os diretores, são eles que devem assumir o risco. Deixar para as unidades decidirem se tem condições de retornar ou não, parece democrático, mas não é, pois sabemos de toda a pressão existente para cumprir as orientações governamentais e inclusive a falta de acompanhamento de laudo técnico para cada unidade.

É uma grande irresponsabilidade que está em curso, pressionados pelos tubarões do ensino que querem o retorno das aulas imediatamente, Doria e sua equipe não escuta a comunidade escolar, não leva a sério os dados apontados por especialistas. Essa é a cartilha do negacionismo de Bolsonaro que aposta em negar a pandemia promovendo um verdadeiro genocídio que atinge ainda mais as camadas em situação de vulnerabilidade econômica, as periferias e as favelas do país. Como na epígrafe não podemos ser punidos por saber e confirmar que “dois e dois são quatro”. Temos de lutar contra essa política que nega a ciência e quer impor retrocessos ideológicos e pretende atacar a vida humana.

Não aceitamos! Enquanto não existir vacina devemos manter e ampliar o isolamento social, os governos devem garantir políticas públicas como a renda básica para todos que necessitem e garantir o retorno às aulas apenas quando existir segurança. Toda a educação no país precisa se unir para barrar essa irresponsabilidade dos governos de retorno às aulas das redes públicas e privadas.

Neste sentido é preciso uma unidade nacional que unifique todos os sindicatos da educação, as federações, entidades nacionais, centrais sindicais, os grêmios estudantis, as associações de bairros e movimentos sociais para um amplo movimento contra essa política genocida em curso. Se não recuarem temos que organizar no segundo semestre uma greve nacional da educação para barrar esse ataque! Aprendizado se recupera, a vida humana não!

 

*Sirlene Maciel é professora no Centro Paula Souza e faz parte da Secretaria Executiva Nacional da Csp-Conlutas e da Coordenação Nacional do Fórum Sindical, Popular e de Juventudes pelos direitos e liberdades democráticas.

 

 

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