Desde que surgiu a Rússia Soviética, o Imperialismo declarou-lhe guerra de forma pública e desavergonhada. No início, o plano era enviar tropas e recursos ao Exército Branco na Guerra “Civil”. Ao ver seu exército favorito ser esmagado, o Imperialismo elaborou outros planos para derrubar a nação soviética — por fora. Para tentar salvar Stalin da culpa pelos assassinatos em massa, em particular de comunistas, Losurdo dirigiu um filme de ficção. Sente-se que já vai começar.
Primeiro texto: Stalinismo foi ditadura, sim!
Segundo texto: “Autofobia” e o argumento teológico de Losurdo.
Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante…
Uma nave pousa num planeta repleto de magma. A porta se abre, formando uma escada da qual desce Genrikh Kenobi.
— Você se deixou seduzir —, diz Kenobi, — e agora se tornou justamente o que jurou destruir.
— Dispenso o sermão, Genrikh —, responde Anakin Yezhov. — Eu descobri as mentiras dos agentes contrarrevolucionários. Eu não temo o Grande Expurgo como você! Eu trouxe a paz, a justiça e a segurança para o meu novo NKVD!
— Seu novo NKVD?
— Não me obrigue a matar você!
— Anakin, minha fidelidade é com a Galáxia Soviética, com o socialismo!
— Se você não está comigo, então é um espião Sith!
— Só um stalinista pensa de forma tão absoluta. Farei o que for necessário.
Anakin pega o sabre de luz de sua cintura e o aciona. Genrikh apalpa ao redor de seu cinto.
— Procurando por isso, Genrikh?
Yezhov tira outro objeto de suas costas com a mão esquerda. O sabre de Genrikh!
Nesse filme, os “perigosos” “vilões” não têm nem estilingue! Alerta de spoiler: haverá 681.692 execuções (documentadas) de Jedi no Grande Expurgo comandado por Anakin. Quase mil execuções por dia por dois longos anos! Isso são 85% de todas as execuções na Galáxia Soviética entre 1921 e 1953. No final, ele mesmo será executado como espião nazista, quer dizer, Sith.
Resumindo: o Grande Expurgo foi comandado pelos Sith. Quantas pessoas das quase 700 mil eram inocentes, então? Tudo isso foi ordem direta do Lorde Stalin.
O “estado de exceção permanente” ou “estado de guerra permanente”
Brincadeiras à parte. Losurdo afirma que a União Soviética, no período stalinista, estava em “estado de exceção permanente provocado pela intervenção e pelo cerco imperialista” [1]. Um texto do Jones Manoel aumenta a tese afirmando que a URSS estava “numa situação de estado de guerra permanente imposto pelo imperialismo” [2]. Por que Jones Manoel cita a teoria de “estado de exceção permanente” de Losurdo como sendo “estado de guerra”?
Onde está o rigor teórico?
Não havia nenhum “estado de guerra”. Não houve nenhuma guerra civil no período stalinista, portanto falar em “estado de guerra” é pura retórica. Já “estado de exceção” é outra coisa: trata-se de uma declaração formal do próprio governo que retira temporariamente a “normalidade institucional”, dando ao exército o poder de julgar e executar pessoas de maneira sumária.
Porém, o regime stalinista nunca fez tal declaração. Pelo contrário, o maior assassinato em massa pelo Estado Soviético foram execuções de comunistas que foram detidas, torturadas e levadas a julgamento. Se o Estado tivesse declarado “estado de exceção”, as execuções ocorreriam sem julgamento.
O problema é que não ocorreu nada que justificasse um “estado de exceção”. Só seria possível executar 681.692 comunistas com uma forte propaganda de que eles eram traidores e deveriam ser eliminados a qualquer custo, sem contar outras centenas de milhares condenados aos gulags. O único fato ocorrido foi o que deu estopim à insanidade foi o assassinato de Sergei Kirov. Na minha opinião, o maior suspeito é o próprio Stalin, mas mesmo que ele seja inocente, por acaso um assassinato justifica 681 692 execuções?
Segundo o discurso oficial, esses 681.692 executados eram ou agentes nazistas, ou trotskistas, ou sabotadores, ou traidores, ou, na maioria das vezes, tudo ao mesmo tempo. Ou seja, havia supostamente um exército nazista infiltrado dentro do partido comunista e que inclusive conseguiu formar a maioria dos delegados do XVII Congresso do Partido Comunista em 1934.
Quantas armas foram apreendidas? Bombas? Tanques? Nada. 681.692 agentes da contrarrevolução e nenhum atentado terrorista? Como comparação, um pequeno grupo de oficiais nazistas que se opunham a Hitler quase conseguiram assassiná-lo e tomar o poder na Operação Valquíria! Por acaso os espiões nazistas eram tão idiotas que, mesmo com uma maioria de contrarrevolucionários no congresso, não conseguiram derrubá-lo?
Tamanha ingenuidade dos neo-stalinos não cabe na minha cabeça. Ou seria desonestidade?
Referências
[1] LOSURDO, Domenico. Stalin: História crítica de uma lenda negra. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 121
[2] MANOEL, Jones. Autocrítica ou anticomunismo? Aportes teóricos para compreender a autofobia na esquerda brasileira. Revista Opera. Disponível em.
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