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TEORIA

Karl Marx e a democracia (1843)

Este é o oitavo texto de uma série sobre a vida de Karl Marx

Wesley Carvalho, de Niterói, RJ

Na pequena cidade balneária de Kreuznach, vivendo sua vida de recém-casado ainda na casa de sua sogra, enquanto não era concretizado o novo jornal de que seria editor, Marx dedicou-se a estudar. Um de seus principais empreendimentos foi refletir sobre a obra de Hegel, filósofo falecido em 1831 e principal influência política entre os pensadores alemães críticos das décadas de 1830 e 1840. Marx redigiu nesse período a “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, chamada também “Manuscritos de Kreuznach”, “Manuscritos de 1843”, entre outros nomes, um texto que só foi publicado postumamente. São notas de um estudo inconcluso e um registro das perspectivas políticas e do início de uma forma diferente de pensar que o jovem de 25 anos estava desenvolvendo. (1)

Enquanto atuava na Gazeta Renana (1842-1843), como vimos anteriormente, Marx entendia que os problemas sociais (ausência de liberdade, miséria, injustiças) poderiam ser resolvidos pelo Estado (ainda que este não estivesse eventualmente atuando corretamente). Partia da caracterização de que a sociedade civil (2) era a esfera das atividades e dos interesses pessoais e corporativos, enquanto o Estado era visto como a sede das atividades e interesses humanos universais (isto é, aquilo que teria a ver com o benefício de todos). O horizonte político de Marx era então, assim como de muitos pensadores críticos de seu tempo, que o Estado agisse de forma racional e ética. Era esta a instância que poderia contrariar os interesses particulares e fazer valer o interesse comum, organizando e melhorando a sociedade. Hegel era a principal fonte de influência filosófica para esta concepção política (muito embora fossem diversas as interpretações que já à época se faziam de sua obra) (3).  

Vejamos este filósofo a partir dos comentários tecidos por Marx em seu estudo de 1843. (4) Para Hegel, haveria um processo em que as diferentes vontades surgidas no âmbito da família e da sociedade civil (que é um “…campo de batalha do interesse privado individual de todos contra todos…” (5)) se canalizariam no Estado, esfera da universalidade (6) (e também da liberdade e da razão (7)). Seria do Estado monárquico constitucional, em contraponto à sociedade civil, esta capacidade de atuar em função do bem de todos, trazendo, de cima, mudanças graduais. (8) Assim, Hegel contempla uma oposição entre Estado e sociedade civil, mas também vislumbra a construção de uma  harmonia entre ambas as esferas. (9)

O monarca é a figura que personificaria este aspecto universalizante do Estado. Como evidência da difusão desta perspectiva hegeliana sobre o Estado e o monarca, temos que mesmo um pensador radical e crítico a Hegel como Ludwig Feuerbach, pensaria algo semelhante: “O soberano deve representar indistintamente todos os estamentos [isto é, diferentes grupos sociais], já que, diante dele, todos são igualmente necessários e todos têm os mesmos direitos. O soberano é o representante do homem universal.” (10) Marx sublinha que Hegel apresenta o monarca como “homem-Deus”, inclusive, como lembra Lukács, apontando haver até mesmo uma apologia biológica da posição do soberano: (11) “O rei compartilha isto com o cavalo: assim como este último nasce cavalo, o rei nasce rei”. (12) Marx também é levado a concluir que “O ato constitucional mais elevado do rei é, portanto, sua atividade sexual, pois por meio dela ele faz um rei e dá continuidade a seu corpo.” (13)

Hegel enxergava na burocracia estatal a classe capaz de conciliar a vida social e pôr-se a serviço do interesse universal. Caberia à burocracia defender o “espiritualismo” do Estado contra o “materialismo” existente no interior da sociedade civil. (14) Vários elementos explicam esta possibilidade da burocracia, entre eles, a de que esta é encarregada de um dever objetivo, e encontra no Estado sua proteção e seu salário. Impediriam a burocracia de cometer abusos a formação ética  de seus membros, além da própria hierarquia em que estaria inserida. Na verdade, todos poderiam se resguardar do abuso de poder do Estado através da hierarquia, já que um superior poderia corrigir um inferior que tivesse cometido o erro. (15)

A argumentação de Hegel contempla dois espaços diferentes do legislativo: a “câmara dos pares”, que Marx associa à Idade Média e é o espaço da nobreza hereditária. E a “câmara dos deputados”, menos restrita e qualificada por Marx como “representante da existência política moderna”. (16) A presença de nobres proprietários de terra na câmara dos pares garantiria a defesa, através do Estado, dos interesses universais contra os diversos particularismos da sociedade civil. Isto por conta do morgadio: entre esta nobreza, toda herança é passada para o filho mais velho, que por sua vez não pode se desfazer da terra a fim de repassá-la a seu filho mais velho. Isto lhes daria uma condição material que os tornaria, então, isentos para cuidar dos assuntos estatais, permanecendo equidistantes tanto do favor do governo quanto do favor da multidão. Estariam a salvo da tentação de enriquecimento por meio do aparelho estatal, ao contrário da “indústria” (os burgueses), marcados pela insegurança econômica. Deputados deste grupo social também seriam marcados pela cupidez e pela falta de senso de autoridade. (17)

Apesar da confiança que tem na posição legislativa da nobreza fundada no morgadio, Hegel é contra a livre atuação de deputados da sociedade civil, entendendo que suas atuações seriam provavelmente irresponsáveis. A participação ampla nas deliberações do governo seria um elemento democrático sem forma racional introduzido no Estado. (18) Para Hegel, a representação no legislativo é inferior à atuação da burocracia. (19)

Nestes seus manuscritos de 1843, os comentários de Marx contra Hegel foram muitas vezes ásperos. “Tolo” e “servil” foram alguns adjetivos atribuídos ao maior filósofo alemão de seu tempo, que por vezes nem mereceria ser chamado de filósofo. (20) Para Marx, a universalidade que Hegel via no Estado era ilusória. A burocracia estatal não cumpria a mediação de conflitos, nem era especialmente capaz para uma função universal, mas era apenas uma outra classe com interesses particulares, marcada pelo carreirismo e que mobilizava para tanto o Estado como sua propriedade privada. (21) A burocracia em realidade representa-se a si mesma, defende seus privilégios e transforma seus próprios fins em fins do Estado. Enquanto Hegel aponta que através da hierarquia poderia haver um controle para que não houvesse abuso de poder sobre o povo, a posição de Marx é que a hierarquia em si já era abusiva. (22) Esta discussão era especialmente importante na Prússia, onde a burocracia tinha muito poder: os funcionários estatais não eram apenas correias de transmissão do monarca, mas exerciam de fato o governo. (23)

Para Marx, é uma “mentira legal” pensar que os membros do legislativo (definidos de acordo com suas posições sociais, isto é, os estamentos) representem a causa do povo ou que eles expressem realmente a sociedade civil: “Na verdade, o interesse privado é seu assunto universal, e não o assunto universal seu interesse privado.” Para Hegel, a presença dos estamentos no Estado marcaria o fim da contradição entre Estado e sociedade civil, quando para nosso jovem escritor ali nem o Estado é interesse do povo, e nem o povo é interesse do Estado. Em muitas páginas, Marx se dedicou bastante a demonstrar com argumentos lógicos (24) que é falsa a harmonia que Hegel entenderia haver, no seu arranjo político, entre sociedade civil e Estado.(25)

Se para Hegel, a nobreza fundiária, por condição do morgadio, atuaria junto ao Estado em benefício do conjunto da sociedade civil, para Marx, esta posição da nobreza significa na verdade o poder da propriedade privada sobre o Estado. Onde Hegel vê que a propriedade existe em função do Estado (dando base para que a nobreza aja universalmente), Marx coloca que o Estado é que está determinado pela propriedade. A “… “propriedade privada real” não é, pois, apenas o “sustentáculo da constituição”, mas “a constituição mesma””. Marx sublinha também o poder sobre o próprio proprietário: ele não está, como ator no Estado, em condição de liberdade pela propriedade que possui. Ao contrário, ele é como um objeto desta sua propriedade. Nos manuscritos de Kreuznach, é condenada a “ilusão” com que o Estado é visto: “Em toda parte, Hegel cai de seu espiritualismo político no mais crasso materialismo.”, acabando até por legitimar as posições obtidas por nascimento. (26)

Hegel é um monarquista constitucional e Marx é um democrata referenciado no povo (ele ainda não opera em 1843 com o conceito de classe social). Para o primeiro, o monarca expressaria a soberania do povo, como se a monarquia fosse a real expressão da democracia. (27) Mas para Marx isto não faria sentido: a soberania ou pertence ao povo ou pertence ao monarca. (28) Admira-se com o fato de Hegel tratar a consciência pública com desprezo. (29)

Inspirado na Revolução Francesa (que estudou muito apoiado na ótima biblioteca da cidade de Kreuznach) (30), Marx sublinhou que o poder legislativo combateu o poder governamental, representante da vontade particular, do arbítrio subjetivo. Diferenciando-se de Hegel, que procura  ver conciliação, e cujo esquema político é considerado um avanço pequeno em relação à política medieval, para Marx o poder legislativo é a “contradição tornada manifesta”, é a “revolta posta”. (31)

Mas o ideal político de Marx em 1843 está além de projetar um espaço legislativo combativo. Seu horizonte é aquilo que chamou de “verdadeira democracia”. (32) Não se trata de um regime específico, mas de um princípio político. A “verdadeira democracia” seria a total realização da sociedade civil no Estado. (33) Mesmo em uma república, diz Marx, a sociedade civil não se expressa plenamente no Estado: ainda que a sociedade civil tenha eleito representantes, estes representantes não são a sociedade civil, e ela e o Estado se mantém separados. (34) A “verdadeira democracia” seria uma superação deste problema, no qual não apenas a sociedade civil se torna um sujeito e se livra da tutela do Estado, mas, ao se colocar plenamente no plano político, põe fim ao próprio Estado transformando-se em corpo político. Trata-se de uma concepção abstrata de democracia, que Marx desenvolveu de forma bastante insuficiente neste texto de 1843. (35)

Entretanto, Marx tem um apontamento concreto que é a reforma eleitoral e a “máxima generalização possível da eleição”. É no sufrágio universal que o Marx de 1843 encontra um programa prático. 

Na Europa, naquele início da década de 1840 eram escassos os espaços do republicanismo e da democracia liberal. Os únicos governos republicanos que havia cobriam áreas bem pequenas: cantões suíços e algumas cidades na região da Alemanha. A monarquia era o principal regime. Parte destas monarquias eram constitucionais, como era o caso da França. Nelas, no geral, havia garantias bem pouco sólidas a respeito de liberdade de expressão, religião e associação. Havia também algum delineamento e separação das competências do executivo, do legislativo e do judiciário. O legislativo geralmente era composto por duas câmaras: uma ocupada pela nobreza e outra eleita, mas restrita a proprietários. Em nenhum lugar o sufrágio masculino universal era uma realidade. Na França, por exemplo, os que tinham propriedade suficiente para ter direito ao voto para deputado eram apenas 5% dos homens adultos do país. 

Marx vivia sob um regime mais restritivo que esse: o reino da Prússia era uma monarquia absolutista, onde nem mesmo havia constituição, e onde as liberdades civis eram ainda menores. Nas monarquias absolutistas, também poderia haver espaços legislativos. Nem sempre podiam fazer leis ou consentir sobre impostos e, onde tinham este poder, eram limitados a decidir sobre suas províncias. Essas legislaturas, como já vimos pela discussão de Hegel e Marx, eram definidas pela categoria social de acordo com o nascimento (os estamentos): nobreza, clero, citadinos (representantes das cidades) e campesinato. Esta representação não era proporcional à população, e a nobreza era sempre maioria. (36)

É neste contexto então que Marx se apresenta, em 1843, como um democrata radical (Marx ainda não é um comunista). O avanço político se daria através da ampliação do direito do voto. Mas seu ideal de democracia está para além disso: a “verdadeira democracia” seria a preponderância da sociedade civil frente ao Estado, o que significaria o fim do Estado. Seus manuscritos de 1843 não nos colocam como isto seria ou poderia se efetivar concretamente. É fundamental notar também que Marx não propõe nenhuma mudança no interior da sociedade civil: apesar de a propriedade privada ser algo que chame a sua atenção, ele tende a ver a sociedade civil como algo homogêneo que estaria como um todo em contraponto ao Estado. (37) Ele não pensa a sociedade civil marcada pela divisão em classes. Em 1843, o marxismo ainda não tinha nascido nem como teoria nem como projeto político.

De qualquer forma, 1843 é um ano de mudança no pensamento político de Marx. Assim como outros intelectuais que conhecia (38), dada a onda reacionária do rei Frederico Guilherme IV, ele abandona a concepção que tinha de que o Estado da Prússia poderia seguir o caminho do esclarecimento e da liberdade. Suas fichas agora estão sobre a autodeterminação da sociedade civil, que não tem possibilidade de se conciliar com o Estado (como quer Hegel). 

Além desta nova perspectiva política, 1843 também é um ano de importantes mudanças teóricas, que iremos abordar em um próximo texto.

NOTAS

1 – Não confundir a “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” com a “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução”, que viria ser lançada em Paris. A “Introdução”, escrita posteriormente, traria elementos novos ao pensamento de Marx. Por isso mesmo, a edição brasileira de 2010 da “Crítica…” teve o cuidado de pôr a “Introdução” no final e não no começo do livro. MARX, Karl, Crítica da filosofia do direito de Hegel, São Paulo: Boitempo, 2005.

2 – Do alemão, “sociedade civil” também pode ser traduzida como “sociedade burguesa” ou “sociedade civil-burguesa”. Ver NETTO, José Paulo. “Marx em Paris” IN: MARX, Karl, Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844, [s.l.]: Expressão Popular, 2015, p. 124.

3 – FREDERICO, Celso, O jovem Marx 1843-44: as origens da ontologia do ser social, São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 50.. Ver também nosso texto anterior, “Karl Marx na imprensa (1842-1843)”.

4 – A caracterização que virá de Hegel a seguir é baseada em elementos levantados por Marx em seu manuscrito. Não há portanto a intenção em nosso texto de apresentar o filósofo alemão em sua complexidade, ou de avaliar se Marx fez ou não justiça a suas ideias, mas sim de observar aspectos que interessaram a Marx e estimularam sua crítica tal como ele pôs nas suas notas de estudo. Sobre um possível erro de avaliação de Marx sobre Hegel, ver Ibid., p. 22. Para as diferentes e contrapostas leituras sobre Hegel que existiam naquela época, ver: HEINRICH, Michael, Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna: Biografia e desenvolvimento de sua obra. 1818 1841, Edição: 1. [s.l.]: Boitempo, 2018, p. 334–42. MCLELLAN, David, Karl Marx: his life and thought, London: Palgrave Macmillan UK, 1973, p. 70. E FREDERICO, O jovem Marx, p. 19–25. Para um contraponto à leitura bastante difundida de Hegel como ideólogo do Estado prussiano, ver HEINRICH, Karl Marx, p. 181–91.. Apenas para rapidamente evidenciar diferentes significados políticos do filósofo temos que, se sua posição na universidade de Berlim indicava congruência política com o Estado prussiano, poucos anos depois de sua morte a intenção do governo foi extirpar a “semente de dragão” do hegelianismo entre a intelectualidade. JONES, Gareth Stedman, Karl Marx – Greatness and Illusion, Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016, p. 116.

5 – MARX, Crítica, p. 61.

6 – Sumarizando, José Paulo Netto diz que, para Hegel, “…a sociedade civil é o reino do privatismo, é o reino do individualismo, é o reino do particularismo estreito […] a sociedade civil é o reino da miséria física e moral. Só se transcende essa limitação da sociedade civil se o que passar a fundá-la e lhe atribuir racionalidade é [for] o Estado, que é o princípio e o agente da universalidade. Para Hegel, […] é o Estado que expressa a dimensão universal de que é carente a sociedade civil” “Aula 2 DVD 1 Curso O Método em Marx com José Paulo Netto” Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mvNjhpcWDic&list=PLDA073072E8011665&index=2  Acessado em junho de 2020. Há, entretanto, complexidades na argumentação de Hegel: o universal se realiza, ainda que parcialmente, na família e na sociedade civil. FREDERICO, O jovem Marx, p. 56; 80. Estas duas instâncias também seriam de alguma forma partes e funções de Estado. MARX, Crítica, p. 29. A questão da particularidade e universalidade na família, sociedade civil e Estado foi assim sumarizada por Frederico: “De fato, a família surge para Hegel como a figura inicial, a manifestação ainda indeterminada e natural da vida de um povo, do espírito comunitário. No momento seguinte, entretanto, essa totalidade natural se aliena, fazendo romper a harmonia pela irrupção das vontades particulares. A sociedade civil é, pois, inicialmente, o momento da dilaceração causada pela explosão dos conflitantes interesses individuais. No instante seguinte, entretanto, insinua-se a universalidade por intermédio da formação dos interesses comuns que se cristalizam nas corporações e nas classes sociais. Com isso, o terreno fica preparado para a aparição do Estado político que reintegra, em sua universalidade, os interesses até então díspares e antagônicos da sociedade civil, em que a vontade geral se torna consciente e se reconhece na figura do monarca. O Estado, portanto, é o local onde predominam os interesses universais encarnados em um indivíduo singular.” FREDERICO, O jovem Marx, p. 56–7.

7 – MARX, Crítica, p. 74.

8 – Ibid., p. 75. DRAPER, Hal, Karl Marx’s theory of revolution 1 state and bureaucracy., New York: Monthly Review Press, 1977, p. 91..

9 – Diz Marx, “A identidade, por ele construída, entre sociedade civil e Estado, é a identidade de dois exércitos inimigos…” MARX, Crítica, p. 68–9. Sobre oposição e harmonia entre Estado e sociedade civil, bem como a crítica de Marx a esta operação lógica de Hegel, ver também Ibid., p. 85; 91.

10 – LUKÁCS, György, O jovem Marx e outros escritos de Filosofia, Rio de Janeiro: UFRJ, 2007, p. 144. Mas a concepção de Estado em Feuerbach é diferente da de Hegel. A este respeito, ver FREDERICO, O jovem Marx, p. 78–9.

11 –

FREDERICO, O jovem Marx, p. 56.LUKÁCS, O jovem Marx e outros escritos de Filosofia, p. 152. MARX, Crítica, p. 44. “Hegel transforma todos os atributos do monarca constitucional na Europa atual em autodeterminações absolutas da vontade. Ele não diz: a vontade do monarca é a decisão última, mas a decisão última da vontade é… o monarca.” Ibid., p. 45.

12 – MARX, Crítica, p. 111.

13 – Ibid., p. 60.

14 – FREDERICO, O jovem Marx, p. 67. 

15 – MARX, Crítica, p. 61–3; 71. Outro elemento que possibilitaria este papel da burocracia seria sua relação com as corporações (que são um elemento da sociedade civil) Ibid., p. 63–4.

16 – MARX, Crítica, p. 127–8.  Sobre a crítica de Marx à representação medieval e moderna de Hegel, ver também Ibid., p. 112.

17 – MARX, Crítica, p. 92; 113–4. FREDERICO, O jovem Marx, p. 71–2. DRAPER, Karl Marx’s theory, p. 94.

18 – MARX, Crítica, p. 130.

19 – “Portanto, o saber e a vontade dos estamentos são em parte supérfluos, em parte suspeitos. O povo não sabe o que quer. Os estamentos não possuem a ciência do Estado na mesma medida dos funcionários [a burocracia], dos quais ela é monopólio. Os estamentos são supérfluos para a realização do “assunto universal”. Os funcionários podem realizá-lo sem os estamentos; com efeito, eles devem fazer o bem, apesar dos estamentos. Quanto ao conteúdo, os estamentos são puro luxo. Sua existência é, por isso, no sentido mais literal, uma mera forma.Ibid., p. 81. Contraditoriamente, entretanto, como aponta criticamente Marx, Hegel quer encontrar no “elemento estamental” um agente do “assunto universal”, sendo que “…ele próprio não deixa de ressaltar quão deplorável e contraditória é essa existência. Em seguida, ele ainda censura a consciência comum por ela não se contentar com essa satisfação lógica, por ela não querer ver a realidade resolvida na lógica mediante uma abstração arbitrária… Ibid., p. 82.. Na mesma página, diz Marx: “Hegel quer o luxo do elemento estamental apenas por amor à lógica.”

20 – MARX, Crítica, p. 63; 138–9.

21 – Ibid., p. 66–7. DRAPER, Karl Marx’s theory, p. 81–3. MCLELLAN, Karl Marx, p. 72–3.

22 – MARX, Crítica, p. 71. DRAPER, Karl Marx’s theory, p. 83.  FREDERICO, O jovem Marx, p. 70.

23 – SPERBER, Jonathan, The European Revolutions, 1848–1851, Cambridge : New York: Cambridge University Press, 2005, p. 57.

24 – Como veremos em nosso próximo texto, em 1843 Marx critica Hegel porque sua abordagem se limita a um construto lógico, sem referência empírica. Mas em paralelo a isso, Marx também vê defeitos lógicos na lógica de Hegel.

25 – MARX, Crítica, p. 80–5.“O mais profundo em Hegel é que ele percebe a separação da sociedade civil e da sociedade política como uma contradição. Mas o que há de falso é que ele se contenta com a aparência dessa solução.” Ibid., p. 93..DE DEUS, Leonardo Gomes, Soberania popular e sufrágio universal: o pensamento político de Marx na Crítica de 43, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001, p. 54.

26 – MARX, Crítica, p. 114–7; 121; 126.: “… e aquilo que Hegel apresenta como o fim, como o determinante, como a prima causa do morgadio, é, antes, um efeito, uma consequência, o poder da propriedade privada abstrata sobre o Estado político, ao passo que Hegel descreve o morgadio como o poder do Estado político sobre a propriedade privada. Ele faz da causa o efeito, e do efeito a causa, do determinante o determinado e do determinado o determinante […] Qual é, então, o poder do Estado político sobre a propriedade privada? O próprio poder da propriedade privada, sua essência trazida à existência. O que resta ao Estado político, em oposição a essa essência? A ilusão de que ele determina, onde ele é determinado […] A propriedade não é mais, aqui, na medida em que “eu ponha nela minha vontade”, mas minha vontade é, “na medida em que esteja posta na propriedade”. Aqui, minha vontade não possui, mas é possuída.” Para Frederico, a elucubração de Marx sobre propriedade privada é dissonante em relação ao restante de seu texto: naquela parte, o Estado é visto como essência alienada da propriedade privada, enquanto que no geral o Estado é entendido como essência alienada da sociedade civil. FREDERICO, O jovem Marx, p. 73–6. DE DEUS, Soberania popular, p. 89–90.

27 – Daí, uma das colocações famosas deste texto: “A democracia é a verdade da monarquia, a monarquia não é a verdade da democracia.”  E ainda: “..todas as formas de Estado têm como sua verdade a democracia e, por isso, não são verdadeiras se não são a democracia.” MARX, Crítica, p. 49; 51.

28 – “Se o príncipe é a “soberania real do Estado”, então “o príncipe” pode, também externamente, valer como o “Estado autônomo”, mesmo sem o povo. Mas se ele é soberano porque representa a unidade do povo, então ele é apenas representante, símbolo da soberania popular. A soberania popular não existe por meio dele, mas ele por meio dela. [….] Certamente: se a soberania existe no monarca, é uma estupidez falar em uma soberania oposta existente no povo, pois é próprio do conceito de soberania que ela não possa ter uma existência dupla, e muito menos oposta.” Ibid., p. 48–9.

29 – DE DEUS, Soberania popular, p. 49.

30 – NETTO, José Paulo. “Marx em Paris” IN: MARX, Cadernos de Paris & Manuscritos, p. 29. SPERBER, Jonathan, Karl Marx: A Nineteenth-Century Life, Edição: 1. [s.l.]: Liveright Publishing Corporation, 2014, p. 98.

31 – MARX, Crítica, p. 75–6; 107; 127–8.

32 – Também por conta do caráter inconcluso do texto de 1843, há divergências na literatura sobre o que seria a “verdadeira democracia”. Löwy destaca que há uma conclusão implícita no texto de Marx, qual seja, a de que a “verdadeira democracia” teria como pressuposto a divisão igualitária da propriedade privada. Hal Draper segue este pensamento. Para nós, esta interpretação carece de maior fundamento. Conforme explica De Deus, Marx em 1843 critica a função política da propriedade privada, mas não a soberania da propriedade privada no interior da sociedade civil. Salienta este autor que a “verdadeira democracia” não seria uma superação da sociedade burguesa, mas a superação da soberania política da propriedade privada e principalmente da alienação política. DE DEUS, Soberania popular, p. 132–2.  DRAPER, Karl Marx’s theory, p. 91. LÖWY, Michael, A teoria da revolução no jovem Marx, Petrópolis: Vozes, 2002, p. 81. Um outro debate é se Marx criticaria apenas a representação estamental (tal como existia na Prússia naquele momento) e não a representatividade dos Estados modernos. Ver DE DEUS, Soberania popular, p. 137. O ensaio de Lukács restringe-se a apontar que a crítica política de Marx se dá contra as instituições feudais no Estado moderno. LUKÁCS, O jovem Marx e outros escritos de Filosofia, p. 152; 154.

33 – A ideia de democracia de Marx significa uma espécie de espelhamento da sociedade civil no Estado. É isto que faz Marx dizer que na Idade Média havia democracia (muito embora fosse uma democracia da não-liberdade). As posições na sociedade eram como que repetidas no Estado: “Na Idade Média, a vida do povo e a vida política são idênticas.”MARX, Crítica, p. 52. DE DEUS, Soberania popular, p. 38.

34 – Aliás, longe de ser uma solução para a alienação entre as esferas, “…a participação da sociedade civil no Estado político mediante deputados é precisamente a expressão de sua separação.” MARX, Crítica, p. 133.  A representatividade na política contemporânea seria um avanço em relação aos estamentos medievais porque põem francamente, de forma não falseada, a contradição entre Estado e sociedade civil. DE DEUS, Soberania popular, p. 60; 110; 149.

35 – FREDERICO, O jovem Marx, p. 84–8; 107. MARX, Crítica, p. 134–5. DRAPER, Karl Marx’s theory, p. 88–93.  MCLELLAN, Karl Marx, p. 74–5. Para Frederico, a forma com que Marx encaminha sua solução democrática significa que o jovem autor rejeitava compreender mediações entre sociedade civil e Estado. A sociedade civil, portanto, não seria contemplada com complexidade, mas apenas como o espaço do “povo” portador do universal. Isso significaria a recusa de uma abordagem dialética a favor de uma empirista.FREDERICO, O jovem Marx, p. 89. Também enfatizando o afastamento de Marx em relação à dialética, ver DE DEUS, Soberania popular, p. 144.

36 – SPERBER, The European Revolutions, p. 56–9.

37 – FREDERICO, O jovem Marx, p. 83. Sobre a falta de desenvolvimento na ideia de verdadeira democracia, diz Frederico “Parece que o Estado, à semelhança do universo onírico da religião, é aniquilado, sem mais, pela força da consciência crítica dos homens redimidos, como se a máquina estatal não tivesse uma existência real e uma capacidade de retaliação feroz às pretensões emancipatórias dessas consciências rebeladas […] O Estado, num passe de mágica, parece que desaparecerá, ou, melhor dizendo, será reapropriado pela consciência humana desejosa de recuperar sua essência extraviada.” Apud PALU, Marco Aurélio, Estado, democracia e gênero humano: A Crítica de 1843 e a fundação do pensamento marxiano, UFMG, Belo Horizonte, 2019, p. 141.

38 – HEINRICH, Karl Marx, p. 331.

Marcado como:
Vida de Marx