Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

26 anos sem Lélia Gonzalez

Breno Nascimento da Silva*, de Niterói, RJ
Wikipedia

Morria há 26 anos, em 10 de julho de 1994, Lélia Gonzalez, historiadora, filósofa, antropóloga e política pioneira do estudo interseccional do racismo e do sexismo no Brasil.

Nascida em 1935 em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi a décima sétima de 18 filhos de um ferroviário negro e uma emprega doméstica indígena, sendo que diante da dificuldade da população pobre negra em acessar o sistema escolar a mãe de Lélia apelaria aos patrões para que garantissem os estudos da filha. 

Na década de 1950 Lélia acompanhará seu irmão rumo ao Rio de Janeiro, tendo ele viajado por ter sido contratado como jogador do Flamengo, time do qual ela era torcedora. No Rio ela irá ingressar na Universidade Estadual da Guanabara (UEG – atual UERJ), onde irá se formar em História e Filosofia. Posteriormente completará o mestrado em comunicação social e o doutorado em antropologia política. Ganhará a vida como professora do Colégio de aplicação da UEG e como professora de algumas universidades particulares (Estácio, Gama Filho e PUC-Rio), que durante a ditadura militar se multiplicam. Fará parte dos primeiros ciclos psicanalíticos do Brasil na década de 1970 e em 1976 irá ministrar um dos primeiros cursos sobre cultura negra no Brasil na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. 

Em sua trajetória teve como elementos catalisadores de seu autorreconhecimento enquanto negra, que impulsionaria sua militância, o candomblé e o racismo da família branca de seu marido, que se negava a aceitar a relação interracial.

Em seu pensamento Lélia irá articular uma série de referências que vão desde o próprio candomblé, passando pela psicanálise de Freud e Lacan e uma abordagem marxista de extração althusseriana até o pensamento anti-colonial de Franz Fanon. Polemizando contra o mito da democracia racial de Gilberto Freyre irá mobilizar a categoria freudiana de denegação, que consiste no quadro em que um sujeito nega que determinado aspecto faça parte si, quando na verdade esse algo o constitui. Assim, a sociedade brasileira estaria calcada na denegação do racismo.

Como militante feminista e antirracista participaria do combate à ditadura militar se destacando na virada da década 1970 para a de 1980 nas criações do Movimento Negro Unificado, do Olodum, do Coletivo de Mulheres Negras Nzinga e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras. Se envolveu também com a política institucional se filiando ao PT em seus anos iniciais e concorrendo à deputada federal em 1982. Se desloca anos depois para o PDT onde concorrerá em 1986 à deputada estadual. Em ambas tentativas conseguirá apenas a suplência. Entre 1985 e 1989 se tornará em função de sua militância uma das dirigentes do Conselho Nacional do Direitos da Mulher.

Articulando raça, classe e gênero em sua análise do Brasil irá desenvolver uma militância crítica e autocrítica, não se eximindo de apontar o machismo no interior do próprio movimento negro.

Em tempos como esse que vivemos no Brasil, de franca  regressão democrática e acirramento do racismo, com um presidente que diz que negros se pesam em arrobas como animais, e com o crescimento do genocídio negro nas favelas endossado por governadores como Witzel que promete que a polícia vai “atirar na cabecinha”, se faz necessário resgatar figuras como Lélia Gonzalez e os apontamentos de sua obra crítica e militante.

Abaixo o racismo, o machismo e a exploração!

 

*Publicado originalmente na página da Casa de Resistência Rosa Luxemburgo