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TEORIA

Derrapando na propaganda anti-socialista

Elton Rodrigues, do Rio de Janeiro, RJ
Oleg Magni / Pexels

Mesmo com o acesso quase imediato e irrestrito a informação, ainda encontramos espíritas progressistas com avaliações superficiais sobre o papel do socialismo na sociedade. Por consequência, esses acabam por ter um discurso muito próximo daqueles realizados pelos propagandistas refratários ao socialismo. Lenin, disse [1]: “Devo dizer que a primeira resposta e, ao que parece, a mais natural é que a União das Juventudes e, em geral, toda a juventude que quer passar ao comunismo tem de aprender o comunismo”. Ora, quem milita a favor de uma aproximação entre o espiritismo e as propostas socialistas precisa, de início, estudar tanto o socialismo quanto o espiritismo. Com o risco, se assim não o fizer, de oferecer armas aos que lutam pela manutenção do status quo. Não há problema algum debater esse ou aquele ponto, obviamente, mas para isso é necessário ter base, ter fundamentação teórica. E lembrem-se: há uma distância considerável entre ler um texto e estudá-lo.

Não só isso, mas uma questão fundamental voltou ao protagonismo nesses últimos anos: é possível ser socialista e espírita?

Essa dúvida – ou ataque, em muitos casos – não é nova. A igreja católica e, mais recentemente, as protestantes, além das instituições espíritas empenham-se nos discursos panfletários almejando um afastamento completo, de suas ovelhas, dessas “ideias das trevas”. “Ora essa”, elas dizem, “como podem ser cristãos e defender o materialismo? O aborto, o uso de drogas, o ‘homossexualismo’, a destruição dos costumes! Marx disse que a religião é o ópio do povo!”

James Connolly, líder nacionalista irlandês e revolucionário socialista, afirmou [2]:

“Talvez não haja outro ponto em que as doutrinas do socialismo sejam tão incompreendidas, e tão mal-representadas, do que na sua relação com a religião. Quando o inimigo é colocado contra a parede em qualquer outro ponto em discussão; economia, política, moralidade, a questão da religião invariavelmente forma a trincheira final para o inimigo do socialismo – especialmente na Irlanda.”

“Mas ele se opõe à religião!” essas são as últimas palavras, a última virada, dos apoiadores do capitalismo, que se dirigem a qualquer linha de defesa que lhes resta, se recusando a conceder de maneira teimosa. “Socialismo é ateísmo, e todos os socialistas são ateus”, ou “o seu socialismo não é nada senão um nome bonito para esconder seu ateísmo em seu ataque contra a Igreja”; é tão comum ouvir essas frases em qualquer discussão acerca dos méritos ou deméritos da doutrina socialista que é certo que não devemos nos desculpar por colocá-las aqui para apontar seu caráter ilógico”.

É tão sem fundamento a tentativa de afirmar que socialismo e ateísmo são sinônimos que chega a ser curioso as manobras textuais realizadas pelos defensores dessa ideia esdrúxula. Qualquer pesquisa simples mostrará a quantidade de espíritas e religiosos socialistas ao longo da história. Será que todos esses não compreendiam as filosofias morais que seguiam e o próprio socialismo? Que soberba!

Os espíritas progressistas, sem perceber, em suas análises superficiais, chegam a um discurso que possui ressonância com os falatórios promovidos, por exemplo, por figuras como o papa Bento XVI, Divaldo Pereira, Silas Malafaia. Esses dizem: o marxismo não é útil. Eles estão certos, na ignorância deles. O marxismo, ou melhor, a concepção que eles fazem do marxismo realmente não é útil. Eles fundamentam todas as suas críticas nos piores procedimentos realizados em nome do socialismo, do comunismo. Mesmo que algumas dessas análises sejam recheadas de informações equivocadas ou truncadas. Mas será que é correto identificar o catolicismo com a inquisição? Será que é razoável identificar o espiritismo com médiuns abusadores de mulheres? Por fim, será que é razoável identificar o protestantismo com pastores enganadores? Isso seria aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger, de Divaldo ou de Malafaia é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx.

Equitativamente, o catolicismo não pode ser identificado com a pedofilia, o espiritismo com médiuns mistificadores e o protestantismo com o estelionato e marxismo não se confunde com os marxistas equivocados ao longo da história. “Há que se voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que se retornar aos evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo” [3], afirma Frei Betto. Complementando, dizemos: há que se retornar a Kardec para saber o que é espiritismo.

“O socialismo moderno, na realidade, como ele é nas mentes de seus expoentes, e como é aplicado e levado a cabo por um número cada vez maior de adeptos por todo o mundo civilizado, tem uma fundação essencialmente material. Isso não significa que seus apoiadores sejam necessariamente materialistas no sentido vulgar e meramente anti-teológico, mas sim que eles não se baseiam o socialismo em nenhuma interpretação das Escrituras, nem que o baseiam nas intenções, reais ou não, de uma deidade” [2].

Camaradas, a luta por um mundo mais justo está para além das religiões.

Camaradas, a luta por um mundo mais justo está para além das religiões. Enquanto o socialismo se baseia nos fatos econômicos, os indivíduos são livres para a construção de seus ideais religiosos. Definitivamente não são práticas excludentes! Os objetos de estudo do marxismo e do espiritismo são diversos. Porém, complementares. Aí está a questão fundamental que é ignorada.

Quem tem fome não quer saber se temos, ou não temos, uma crença para além da matéria. Quem tem fome quer comida. Quem tem fome quer ter oportunidade para não mais sentir fome. Por que alguns têm tanto e outros nada? Essas são demandas reais. Como o espírita pode auxiliar no processo de transformação social? Como o espírita pode diminuir a desesperança que se abate no povo?

Lutemos pela implementação de uma sociedade mais justa para todos, tendo o cuidado para não derrapar nos discursos contrários ao que almejamos.

Estejamos atentos!

 

Notas

[1] Lenin, em As Tarefas Revolucionárias da Juventude, 1ª edição, 2015, EXPRESSÃO POPULAR, São Paulo

[2] James Connolly, Socialismo e Religião, 1ª edição, 2019, BAIONETA, São Paulo

[3] Frei Betto, O Marxismo ainda é útil?, 1ª edição, 2019, CORTEZ, São Paulo

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Religião