O presidente da República, as forças armadas, o STF, os parlamentares, os empresários, a grande mídia, todos os ditos “cidadãos de bem” que zelam pela “democracia” e que dizem jurar a defesa da Constituição Federal, teoricamente estão também jurando defender esse artigo da carta magna aprovada em 1988:
“ Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;”
Vamos nos apegar a esse parágrafo que trata do salário mínimo, mas vale lembrar que o artigo 7º tem vários outros parágrafos com outros direitos e garantias, que no caso dos entregadores de APP também não são considerados. Pois bem, o valor do salário mínimo para atender as necessidades vitais básicas que constam no texto da constituição federal, está calculado pelo DIEESE no valor aproximado de R$ 4.360,00 levando em consideração uma família de quatro pessoas. Isso significa que se um entregador trabalhar 26 dias no mês, folgando somente uma vez na semana, essa trabalhadora ou trabalhador, seja de moto ou bicicleta, terá que fazer R$ 170,00 por dia aproximadamente.
Para conseguir alcançar esse valor, uma entregadora precisa trabalhar de 10 a 12 horas diárias em média. São números aproximados, mas para quem trabalha no ramo, sabe muito bem que não estamos cometendo nenhum exagero ou injustiça com esses dados. Nesse caso, a jornada de trabalho semanal de uma entregadora ou entregador, que deseja atingir o salário mínimo que consta no texto da constituição federal pode variar de 60 a 72 horas semanais. Mas os cretinos cidadãos de bem logo se apressam a gritar: “Ora! Não gosta de trabalhar? Então é só desligar o aplicativo e ficar em casa”. Sim, o entregador pode fazer a metade dessa carga horaria se quiser, mas receberá também a metade, o que obviamente não será suficiente para pagar suas contas e sustentar a sua família. Ou se submete a longas e desumanas jornadas de trabalho ou passa fome!
Lembrando que só será possível atingir essa meta se não ficar doente, não tiver um acidente, se o seu celular não for roubado, se não perder algum dia levando filhos ao posto de saúde e etc… E não podemos deixar de também somar a essa realidade o fato de não existir férias, décimo-terceiro, horas extras, licença maternidade, fundo de garantia, benefícios como auxílio alimentação, adicionais de insalubridade, periculosidade e etc…
Isso se deve porque as plataformas de aplicativo com a benção dos poderes da República conseguiram convencer o mundo que entregador de aplicativo não é trabalhador, mas sim, empreendedor. E por isso, não gera vínculo empregatício! E com essa mentira institucionalizada o valor do trabalho de um entregador retrocede a realidade do século XIX. E como já temos uma escala de milhões de pessoas trabalhando nessa condição no país, esse contingente já se tornou uma força de tração que atua na diminuição do valor do trabalho nos mais variados tipos de profissão.
As grandes corporações financeiras multinacionais donas das plataformas de APP, só conseguem faturar bilhões e seguir expandindo seus negócios, por conta dessa mão de obra quase de graça. Enquanto milhões de pessoas arriscam suas vidas no trânsito pesado das grandes cidades todos os dias para conseguir sobreviver… Garrafas de bebidas caríssimas, são abertas em algum Iate ou Jatinho em horário comercial por algum homem de “sucesso” que faz pose para o fotógrafo da revista de fofocas.
De volta ao século XIX…
Uma operária da industria têxtil dos países europeus que vivia no século dezenove trabalhava sob jornadas de 12 horas ou mais, não tinha nenhum direito garantido na legislação, se acidentava constantemente, ganhava salários injustos e tinham uma expectativa de vida muito baixa. Essa classe operária que surgia e se organizava como produto da revolução industrial e do desenvolvimento do próprio capitalismo foi brutalmente reprimida, assassinada, humilhada, torturada todas as vezes que ousou a se rebelar contra essa realidade.
O 1º de maio que conhecemos hoje como Dia Internacional do Trabalhador, foi convencionado assim mundialmente pela OIT, por conta da greve geral dos trabalhadores de Chicago em 1886, no qual a repressão prendeu e assassinou muitos trabalhadores. A historia do 8 de março – Dia Internacional da Mulher, também está relacionada com lutas por melhores condições de trabalho, salários, direitos sociais e democráticos.
Mas foi essa resistência no século XIX que preparou grandes ascensos de mobilizações titânicas no século XX, que se desdobraram em revoluções proletárias que expropriaram um terço da burguesia mundial. E mesmo nos países onde as revoluções não triunfaram a força de pressão foi tão intensa, que suas burguesias tiveram que dar os anéis para não perder os dedos. O que significou aceitar incluir na legislação e no arcabouço jurídico de vários países a institucionalização de direitos e garantias para os trabalhadores, foi assim que na OIT em 1919, mais de 50 países assinaram o compromisso de instituir a jornada máxima de trabalho de 8 horas diárias, variando de 45 a 48 horas semanais. É exatamente por isso que a propaganda contra os comunistas é tão forte e agressiva até hoje. O século XX foi um verdadeiro pesadelo para os donos do capital, que tiveram que aceitar a divisão do mundo entre capitalismo e socialismo. Agora que se encontram numa correlação de forças mais favorável por conta do fim dos estados operários no leste europeu, estão dizendo para a classe trabalhadora: “Devolvam os anéis!”.
Greve do dia 1 de julho
A greve das trabalhadoras e trabalhadores de plataformas de aplicativo marcada para o dia 1 de julho é uma data histórica, é a primeira vez que essa jovem categoria de trabalhadores ganha destaque nacional por conta de sua mobilização em meio a uma pandemia mundial. A vitoria ou derrota dessa luta será decisivo para alterar para melhor ou pior a correlação de forças da luta de classes no país.
É obrigação de todos os sindicatos, movimentos sociais, organizações de juventude apoiar e fortalecer a luta desses trabalhadores ultra precarizados. Trata-se de uma batalha em vários terrenos, não só econômico, no que tange a reivindicação por melhores salários, mas também é uma luta ideológica violentíssima. Eles querem convencer que a vida sofrida e humilhante de uma trabalhadora ou trabalhador é culpa dele mesmo, é produto do seu próprio mérito. E pagam caro para a grande mídia, as grandes igrejas e as redes sociais martelarem todos os dias essa ideologia na cabeça de milhões de pessoas…
Mas a verdade é que toda riqueza produzida nesse país é obra dos trabalhadores que não precisam de patrão, gestor ou empresários para gerar essa riqueza. São eles que precisam dos trabalhadores para viver no luxo e na ostentação. E quando essa compreensão começa a ganhar corações e mentes de mulheres e homens que estão revoltados com suas condições de vida, uma onda poderosa poderá se formar como foi recentemente no Chile e nos EUA… “Sem justiça, sem paz!”. Quem sabe esses ventos podem também chegar ao Brasil…
Há lutas importantes ocorrendo no país além da categoria de trabalhadores de APPs. Os profissionais da saúde estão denunciando todos os dias as péssimas condições de trabalho e a negligencia de Bolsonaro e governos estaduais, os trabalhadores do transporte publico, metroviários, rodoviários também preparam grandes enfrentamentos com possibilidade de greve no metro de São Paulo também no dia 1 de julho.
Todas essas lutas precisam se unificar, em defesa de direitos sociais e democráticos, agitando o Fora Bolsonaro, exigindo o seu impeachment! E todo esse processo precisa estar nos marcos de uma frente única formada pelo movimento social organizado em torno de pontos comuns que expressem a urgência das reivindicações mais imediatas e sentidas de uma classe que vive a ofensiva do capital para diminuir o valor do trabalho em meio a uma pandemia que já matou mais de 50 mil pessoas no Brasil.
Como apoiar?
Nesse dia primeiro de julho, não use as plataformas de APP, manifeste o seu apoio nas redes sociais, os sindicatos e movimentos sociais precisam estender a mão aos entregadores, com apoio político e material. As campanhas de solidariedade precisam ter esses trabalhadores como público especial, e o mais importante, precisamos ajudar esse movimento a ganhar repercussão e articulação internacional!
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