O governador de SP, João Dória, e seu secretário da Educação, Rossieli Soares, talvez por nunca terem estado dentro de uma escola pública como professores, têm comprovado não conhecer a realidade vivida dentro das escolas da rede estadual. É preciso frisar isso porque, caso a conheçam, suas políticas implementadas tem se mostrado, no mínimo, levianas.
Vamos aos fatos. No dia 24 de junho, estes gestores apresentaram o que chamaram de “Plano de retorno à educação” em meio à pandemia do COVID-19. Pois bem, o governador iniciou seu discurso afirmando que o retorno terá como princípio a preocupação e zelo com a saúde e segurança de professoras, professores, estudantes, funcionárias e funcionários, nesse momento pensei: “Ora, somente agora com uma pandemia que já matou mais de 13.000 pessoas (na sua maioria pessoas da periferia) no estado seremos premiados com preocupação e zelo?”
Esse pensamento me veio porque é difícil compreender como garantir nossa saúde em escolas que são sucateadas por falta de investimento coerente com o contingente de estudantes; que chegam a aglomerar até 50 estudantes matriculados numa mesma sala de aula; que pagam menos de R$ 20,00 a hora aula para suas professoras e professores; que tem suas funcionárias e funcionários da limpeza sendo demitidos durante a pandemia por empresas terceirizadas com o aval da Secretaria Estadual da Educação (SEDUC); que na sua maioria (aproximadamente 4.766 escolas) não possuem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).
Que paga aos agentes de organização escolar o salário base de R$ 1.005,79 e deixou de pagar a estes mesmos agentes auxílio transporte aos que estão trabalhando presencialmente em regime de revezamento durante a pandemia e ainda, que mantem este quadro de funcionários incompleto há tempos, causando atrasos nos serviços administrativos das secretarias escolares, como processos de aposentadorias de professores e/ou emissão de documentos escolares ou ainda ausência de agentes em momentos cruciais da rotina escolar como intervalos e horários de entrada e saída dos períodos.
Diante de tantos (nem de longe listei todos) e antigos problemas, como acreditar que há preocupação com nossa saúde? Como não achar que esta é mais uma estratégia de gestores públicos que estão a serviço dos interesses de uma burguesia representada, dentre outros, por institutos como o Ayrton Senna e Fundação Leman, cujo dono Jorge Paulo Lemann possui uma fortuna de aproximadamente R$ 104,71 bilhões e no último dia 20 de março publicou no site de sua fundação uma carta com “ações para fortalecer a aprendizagem no contexto do COVID-19”, visando ampliar a atuação e comercialização de produtos para escolas públicas.
Como acreditar que a preocupação é com os filhos e filhas de trabalhadores quando a SEDUC oferece o auxílio MERENDA EM CASA de R$ 55,00 mensais a uma pequena parcela de estudantes, cujo acesso deve ser feito pelo aplicativo PIC PAY que, segundo a revista Forbes, “atingirá um volume de transações processadas superior a R$ 31 bilhões em 2020”?
Por fim, como esquecer das lives e vídeo conferências apresentadas com mansidão e afeto pelo secretário em que ele discursa em nome do diálogo e gestão democrática, contrastando com o velho e rotineiro discurso velado de intimidação a professores coordenadores, diretores e supervisores designados sob pena de cessação de suas designações, caso não cumpram quietos e felizes suas ordens?
Por falar em felicidade, me lembrei dos versos de Tom Zé em “Menina amanhã de manhã”, de 1976, escrita em tempos que, segundo ele próprio, “sobre nossa desgraça a gente não podia falar claramente” e, por isso, com ironia ele cantava “a felicidade vai, desabar sobre os homens, vai, desabar sobre os homens” imposta, pesada sobre nossos ombros, felicidade que “mete medo”, que “fecha a roda”.
O tempo é outro, mas a ameaça é a mesma, sejamos atentos para não “dormir no ponto”. “Segure o jogo, atenção!”
Link para assistir ao vídeo de Tom Zé.
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