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MUNDO

A revolta de Seattle e as eleições americanas

Raphael Mota, Rio de janeiro (RJ)

#SeattleAutonomousZone

No último dia 8 de junho os manifestantes da cidade de Seattle ocuparam um bairro central da cidade, o Capitol Hill, criando a “Capitol Hill Autonomous Zone” (Zona Autônoma de Capitol Hill), CHAZ, ou “Seattle Autonomous Zone”. Inspirada no movimento Ocupe Wall Street, a ocupação surgiu na onda de manifestações contra o Racismo e a Violência policial que tomou os EUA após o brutal assassinato do George Floyd, em 25 de maio deste ano.

Os membros da CHAZ criaram tendas de comércio, postos de saúde, fazem a segurança coletiva da região, já que expulsaram a polícia da zona ocupada. Aliás, tudo começou após a polícia da cidade ter abandonado o prédio da delegacia do bairro por causa das manifestações. A comuna se tornou o centro político da cidade organizando diversos debates sobre a violência policial, política e principalmente sobre o Black Lives Matter.

No dia 10 de junho os manifestantes da CHAZ ocuparam a câmara de vereadores de Seattle com as seguintes reivindicações: Redução do orçamento da polícia, fim do uso de armas químicas e taxar a Amazon para construir com estes recursos casas e investir em geração de empregos (AmazonTAX) e por último, o impeachment da prefeita Durkan. Cabe destacar o papel que a vereadora socialista Kshama Sawant (Socialist Alternative – ISA) teve neste episódio. Ela apoiou o movimento e ocupou o parlamento com os manifestantes.

O futuro do movimento de Seattle ainda é incerto, mas ele pode estar construindo uma nova etapa para as manifestações do Black Lives Matter que dominaram os EUA nessa última quinzena. Não é por acaso que a CHAZ já atrai as atenções de Trump que publicou em seu Twitter no dia 11 de junho “Terroristas domésticos tomaram Seattle, movidos por Democratas de Extrema Esquerda, claro. LEI & ORDEM!”.

Ele tem ameaçado acabar com a CHAZ com o uso de tropas federais, caso a prefeita de Seattle e o governador de Washington não desmantelem a Zona Autônoma. A prefeita que é do Partido Democrata está seguindo a linha do seu partido e negociando com os manifestantes. O Partido Democrata tem tipo uma postura mais branda com as manifestações, dando pequenos sinais para o movimento em algumas cidades administradas por eles e principalmente a partir da presidente da câmara de deputados, a democrata Nancy Pelosi.

Sobre as eleições

A disputa eleitoral dos EUA vem tendo um ano conturbado. Nenhum analista político poderia imaginar que uma pandemia e um levante antirracista surgiriam no ano da eleição. Sem dúvida quem mais vem perdendo com estes acontecimentos é o presidente Trump, por causa dos seus erros e seu cretinismo.

Trump tem muito a perder com as manifestações antirracistas que dominam os EUA, este será um dos principais temas das eleições do fim do ano. Não é toa que ele vem lançando Fake News contra as manifestações e chamando os manifestantes do movimento Antifascista e de Seattle de terroristas internos.

Tentando reverter a perda de popularidade, Trump vai retomar a sua campanha eleitoral que estava parada por causa da pandemia. Este tema não passará despercebido nas eleições. Alias, é possível que a pandemia ainda esteja em curso em novembro nos EUA, não há como prever.

Contudo, mesmo que ela esteja controlada a morte de mais de 100 mil pessoas (em sua grande maioria negra e latina) tem em Trump seu principal responsável. Cabe lembrar que ele teve inicialmente uma postura negacionista, como Bolsonaro, mas abandonou o negacionismo com o aumento das mortes e dos casos de COVID.

Talvez o único ganho para Trump nessa conjuntura é que a crise econômica que se avistava nos EUA e que ele tentava adiar para após as eleições, terá outro culpado, o Covid-19 e a pandemia.

O Partido Democrata e Bernie Sanders

Bernie Sanders deixou a pré-campanha em 8 de abril de 2020, no início da crise provocada pelo do COVID-19 nos EUA, na véspera do país se tornar o epicentro da doença no Mundo. E apesar das poucas chances de se recuperar na corrida pelos delegados do Partido Democrata, era fundamental que Sanders se mantivesse na corrida eleitoral e que utilizasse esse espaço para disputar os rumos da crise nos EUA e também no resto do globo, que carece de uma solução à esquerda para a Pandemia.

Mais uma vez Bernie Sanders não rompe com o sistema político americano e se mantem dentro das regras do Partido Democrata. BS deixa (de novo) órfãos centenas de ativistas estadunidenses que depositaram nesta pré-campanha suas esperanças em construir uma luta anticapitalista dentro do coração do capitalismo mundial. Atrasando o projeto da criação de um partido dos trabalhadores dos EUA, talvez no melhor momento para isso, onde além da crise da saúde, e da economia, o país vive o levante antirracista.

Em relação ao levante antirracista Sanders tem se posicionado e pedido justiça por George Floyd e denunciado o racismo nos EUA, mas perdeu totalmente o espaço na mídia e nas discussões políticas, que hoje estão nas mãos do Joe Biden, que já anunciou que terá uma vice-presidente negra. Ou seja, o Partido Democrata ainda está muito distante de dar uma resposta ao movimento antirracista dos EUA, contudo, devem capitanear todos os votos que virão do movimento por causa do sistema eleitoral fechado dos Estados Unidos.

Os revolucionários dos EUA

O Sistema eleitoral estadunidense é um exemplo de como as eleições burguesas podem ter uma cara democrática, mas serem totalmente excludentes. São quase nulas as chances de um partido que represente interesses de fora do establishment capitalista norte-americano assumir algum cargo relevante ou até mesmo de se eleger.

Bernier Sanders sabe disso e por isso construiu sua carreira dentro do partido Democrata, e apesar do discurso sobre o socialismo ele nunca ousou romper o establishment de fato. Cabe ressaltar que o socialismo defendido por BS parece mais com os governos sociais-democratas da Europa do que com o socialismo de fato. Mesmo assim é muito progressivo o avanço do debate sobre o socialismo promovido pelas duas pré-campanhas dele. Aliás, foi nestas duas últimas pré-campanhas onde ele ousou mais, aumentando o tom e colocando medidas que caberiam em um programa de transição. Entretanto, na hora “H” não rompeu com o Partido Democrata, impulsionando a luta dos trabalhadores do EUA.

A grande tarefa da esquerda revolucionária deste país hoje é salvar vidas, seja combatendo o COVID ou lutando contra o racismo para salvar vidas negras. É tarefa dos revolucionários apontar que o grau elevado de mortes é culpa do sistema capitalista e que não há capitalismo sem racismo, como dizia Malcon X. Não é coincidência que os dados apontados pela mídia demonstram que a maioria dos casos de mortes provocada pelo COVID nos EUA é de negros e imigrantes pobres. Isso é resultado da falta de um sistema de saúde público e da exploração dos negros e latinos que sofrem com a precarização e subemprego.

Há uma avenida de tarefas para os revolucionários, como apontar soluções para a crise da saúde que sem dúvida passa pela criação de um “SUS Americano”; exigir punição ao assassino de George Floyd, a criação de leis mais severas contra os racistas, cotas e outras medidas para superar o racismo; a criação de um partido dos trabalhadores que possa ser uma ferramenta para aglutinar as diversas lutas dos trabalhadores norte-americanos. Sem dúvida suas vitórias ecoarão aqui também do mesmo jeito que o levante antirracista tem sacudido o mundo.