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BRASIL

Na América do Sul, países com governos conservadores têm muito mais mortes por Covid-19

Gilberto Calil
Presidência do Chile / Fotos Públicas

O presidente do Chile, Sebastian Piñera

Os seis países sul americanos com maiores índices de mortes por milhão são governados por presidentes assumidamente de direita e que, de forma explícita ou não, priorizaram interesses econômicos imediatos dos grandes grupos capitalistas em detrimento da tomada de medidas mais efetivas para a contenção da progressão da pandemia. Incluem-se os governos de extrema-direita do Jair Bolsonaro no Brasil e Iván Duque na Colômbia; o governo ilegítimo de Jeanine Añes, instalado através de um golpe de Estado na Bolívia; o governo repressor de Sebastián Piñera no Chile, cuja ilegitimidade é expressa nas enormes manifestações em curso até o início da pandemia; o conservador presidente peruano Martin Cornejo, empossado após uma crise política; e o ultraneoliberal governo de Lenin Moreno no Equador que traiu as promessas reformistas de campanha.

Nestes países, a prioridade ao atendimento dos interesses imediatos do grande capital se associa aos efeitos das políticas neoliberais de desmantelamento dos equipamentos públicos, que fragilizam as políticas de contenção, associado a ações de explícito boicote às medidas de contenção, das quais certamente as mais explícitas são as recorrentes aparições de Bolsonaro em meio a aglomerações, sem máscara ou com ela usada no pescoço ou até pendurada na orelha.

Os quatro países com maior índice de mortes por milhão – Equador (211), Brasil (187), Peru (179) e Chile (130)  reúnem juntos 66.1% da população sul-americana, mas tem uma proporção muito maior de mortes, casos registrados e casos ativos: 95% do total de mortes, 92.4% do total de casos e 86.8% dos casos ativos. São igualmente os países sobre os quais pairam mais denúncias relativas a ocultamento de informações, subnotificação, baixa testagem (em especial Brasil e Equador) e atribuição de parte dos óbitos a outras causas, como Síndrome Respiratória Aguda Grave ou infarto.

Certamente o desastre brasileiro impacta fortemente nestes números. Com 49.4% da população da América do Sul, o Brasil concentra sozinho 72.8% das mortes, 61,2% dos casos e 60.6% dos casos ativos. O país tem também o terceiro maior ritmo de crescimento do número de mortes nas últimas cinco semanas, depois de Chile e Bolívia, que apresentavam no início da série números baixos e fortemente subnotificado.

Enquanto há uniformidade de perfil político dos governos dos países em piores situações, nos países que obtiveram melhores resultados, há governos de perfis mais diversos, incluindo países menos populosos com governos conservadores (Uruguai, Suriname, Guiana). As três experiência que se pode considerar até o momento mais bem sucedidas tem governos com diferentes perfis ideológicos: Paraguai, Argentina e Venezuela. O Paraguai tem um governo conservador, mas que adotou medidas de contenção bastante precoces e tem conseguido obter excelentes resultados, com pouquíssimas mortes, inclusive contrariando pressões empresariais, como dos comerciantes que reivindicam reabertura da fronteira com o Brasil. A Argentina tem um governo de centro-esquerda que estabeleceu medidas bastante intensas de isolamento social e com isto consegue ser o 6º país em número de mortes mesmo sendo o 3º em população. Ao mesmo tempo, nos últimos dias, vem enfrentando crescentes pressões de grupos de direita que querem acelerar o retorno de forma imprudente. A Venezuela tem o menor número de mortes por milhão dentre todos os países do continente. O governo Maduro é de difícil qualificação ideológica, pois reivindica o progressismo chavista, mas com mesclado com aspectos autoritários e conservadores. Os dados apresentados pelo governo  são criticados por uma suposta subnotificação e manipulação. Mas ainda que os números reais sejam maiores do que os divulgados, parece inegável que a pandemia se encontra sob controle e que as políticas de contenção têm sido bastante efetivas, para o que certamente a expansão dos serviços de saúde pública dos últimos anos tem efeito relevante. Um elemento de destaque é o altíssimo número de testes realizados, o que permite monitoramento real e contenção da expansão da pandemia.

A esta altura, quando já está razoavelmente bem estabelecido o percentual de letalidade – que varia entre 0,7% e 1,2%, desde que seja possível prover atendimento médico adequado a todos os pacientes que necessitem, torna-se inadmissível prosseguir na perspectiva da “imunização do rebanho”, que propugnava contaminação geral para que se pudesse rapidamente superar a pandemia e “retornar à normalidade”. A contaminação de 70% da população da América Latina implicaria em praticamente 300 milhões de contaminados, e produziria a morte de pelo menos 3 milhões, sem considerar o adicional decorrente do inevitável colapso dos sistemas de saúde (tanto de pacientes excedentes por Covid cuja morte seria evitável quanto das mais variadas outras causas que iriam a óbito por não ter atendimento disponível). Descartada esta possibilidade, a única alternativa que resta é o estabelecimento de políticas de contenção suficientemente rigorosas para que os países deixem de ter transmissão comunitária, aumentem a testagem a ponto de conseguir identificar e monitorar todos os casos ativos e só então possam iniciar processos gradativos de retomada econômica, mantendo situação de alerta até que a ciência produza uma alternativa definitiva, provavelmente na forma de vacina .