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EDITORIAL

Os perigos da conjuntura e a necessidade da luta

Editorial de 03 de junho de 2020
@piravilela / midia ninja

Trabalhador precário em protesto na Avenida Paulista, São Paulo, SP.

O Brasil se converteu no epicentro mundial da pandemia da covid-19. Para piorar, não há  qualquer controle da disseminação do vírus. Mesmo com a curva ascendente de contágios e óbitos, a ampla maioria dos governos estaduais e das prefeituras, pressionados pelo empresariado e pelo governo federal, adotou medidas de retomada de atividades econômicas não essenciais. Com isso, o mais provável é que ocorra o agravamento da pandemia no país nas próximas semanas.

Ao lado da crise de saúde pública, se aprofunda rapidamente a crise econômica. Estima-se que o PIB do país cairá entre 5 a 10% em 2020. Segundo dados do IBGE, cerca de 5 milhões de postos de trabalho foram eliminados nos últimos 3 meses — algo sem precedentes. E cerca de 60 milhões de pessoas estão recebendo auxílio emergencial.

Embora a situação social não seja ainda terminal em função do impacto da distribuição do auxílio emergencial, a crise social se agrava com o desemprego em massa, queda acentuada da renda familiar e falência de milhares de pequenas e médias empresas.

Sobre a base movediça dessa crise sanitária, econômica e social, se desenvolve uma grave crise política e institucional, que teve novos capítulos nas duas últimas semanas. A dinâmica da evolução da relação política de forças é de crescente debilitamento do governo Bolsonaro.

As pesquisas de opinião revelam que, por um lado, segue crescendo o segmento da população que rejeita o governo (que está hoje entre 43 a 50% da população, segundo as pesquisas); por outro, Bolsonaro vem tendo êxito em preservar uma significativa base social de apoio (entre 25 a 33% da população). Todas as evidências disponíveis corroboram à avaliação de que a dinâmica segue sendo de desgaste e enfraquecimento do governo na população.

Ante a ofensiva do STF e o enfraquecimento político do governo, Bolsonaro reage com explícitas ameaças golpistas, mobilização de sua base fascista e movimentos para controlar a Polícia Federal (PF) e a Procuradoria Geral da República (PGR). Portanto, a escalada golpista dos neofascistas não foi interrompida. Amparados em uma interpretação do artigo da Constituição, que admite a convocação das Forças Armadas pelo governo, em função da preservação da ordem social e política, já deixaram claro que procurarão uma legitimação legal do assalto ao poder. E contam com a possível cumplicidade do governo Trump.

A esquerda não pode desdenhar, subestimar ou desconsiderar a gravidade dessas ameaças. Devem ser levadas a sério e denunciadas, diariamente. Os neofascistas ameaçam para assustar, atemorizam para conter, intimidam para se defender. Ninguém sabe se Bolsonaro teria ou não apoio militar para uma aventura provocativa para impor uma manobra bonapartista. O significado do alinhamento das Forças Armadas com Bolsonaro para preservar o mandato não pode ser diminuído. As ameaças de uma provocação são, pelo menos, uma tentativa de blindagem. O fato de o governo estar na defensiva diante das pressões do STF e TSE não anula a possibilidade de tentarem um golpe, embora isso não seja o mais provável nesse momento.

A luta de classes

Vale notar que a burguesia ainda não se deslocou para a derrubada do governo. Há um setor da classe dominante que rompeu com Bolsonaro, mas ainda não fez um movimento para sua queda. Há outro setor significativo da burguesia que segue apoiando o governo. Nesse impasse, prevalece a linha de tentar controlar a crise política durante a fase mais aguda da pandemia e da crise econômica, rejeitando soluções extremas — a derrubada de Bolsonaro, de um lado, e, de outro, o golpe de Bolsonaro. A posição atual de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que falam de construir a “harmonia entre os poderes”, é a expressão política dessa posição intermediária, que por ora predomina na classe dominante.

Por sua vez, a classe trabalhadora segue em uma situação defensiva, tanto pelos brutais ataques econômicos e repressivos (ver a escalada do genocídio do povo negro) que está sofrendo quanto pelo limites impostos pelo isolamento social.

Porém, isso não impede que o desgaste do governo siga se ampliando em amplos setores do proletariado, especialmente na juventude, mulheres, negros, trabalhadores assalariados e funcionalismo público. Esse processo de desgaste também ocorre em um setor da classe média. Com isso, formou-se um segmento de massas que odeia cada vez mais esse governo e quer o seu fim. Essa raiva que está se acumulando em um amplo setor é o que dá base às ações progressivas de vanguarda que começam a ocorrer — atos dos trabalhadores da linha de frente, ações em comunidades, atos antifascistas e contra o genocídio do povo negro.

As ações explosivas de luta em vários países em meio à pandemia  — histórico levante antirracista nos Estados Unidos, mobilizações radicalizadas no Chile e importantes manifestações operárias na França e Itália — revelam que processos de mobilização à esquerda podem irromper mesmo no quadro de isolamento social. Os atos de enfermeiras e de outros setores da linha de frente, manifestações antifascistas e contra o genocídio do povo negro indicam isso.

A enorme repercussão do ato de torcidas na Avenida Paulista em São Paulo, nesse domingo (31), o ato antirracista no Rio de Janeiro, a manifestação da juventude pelo Fora Bolsonaro em Manaus, entre outros que começam a se espalhar pelo país, são demonstrações de ações que se conectam e animam o setor de massas que é contra o governo.

Não é possível, contudo, saber se esse processo inicial vai crescer ou ser contido; será preciso acompanhar sua evolução. Importa ressaltar que o levante antirracista nos EUA tem impacto em um amplo setor da vanguarda e no setores mais avançados e politizados das massas no Brasil, podendo influenciar positivamente na dinâmica de lutas aqui.

A armadilha da frente com a direita 

Do ponto de vista negativo, cresce uma perigosa pressão pela rendição da esquerda. O Manifesto “Juntos” é uma expressão disso. Sem nem ao menos pedir o impeachment de Bolsonaro, ou outra forma de interrupção do governo, a iniciativa juntou amplos setores (de dirigentes e parlamentares do PSOL a Luciano Huck, passando pelo PT e o PSDB) na defesa de um programa abstrato em defesa da “normalidade democrática” e da “responsabilidade econômica”. Não se posiciona, claramente, contra Bolsonaro, nem defende ação alguma contra o governo. Se fosse um manifesto que pedisse o impeachment seria correto a esquerda apoiá-lo, mesmo que não tivesse sequer uma linha contra a política econômica de Paulo Guedes. Mas não se trata, infelizmente, sequer de uma unidade de ação democrática contra o perigo de um autogolpe.

O manifesto Juntos é o desenho, o embrião de uma Frente Ampla em que a esquerda aceitaria ser força auxiliar do projeto de pressão para tutelar, conter, restringir Bolsonaro. Ou seja, uma tentativa de “normalizar” o governo de extrema direita diante da crise sanitária, econômica e política, para ver se ele pode cumprir o mandato, suspendendo as provocações. Não denuncia o perigo de golpe, nem defende a queda de Bolsonaro, porque seu objetivo é outro.

A Frente Única de Esquerda que surgiu em torno da plataforma das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, da campanha Salvar vidas, Fora Bolsonaro, e a iniciativa do pedido comum de impeachment, é o ponto de apoio para iniciar mobilizações contra Bolsonaro, apoiando ações nas ruas, com o máximo cuidado de preservação do distanciamento social.

No domingo (31), foi publicado outro manifesto, nomeado de “Basta”, organizado por personalidades do meio jurídico. Esse manifesto sustenta que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade e deve ser punido por isso. Os termos desse manifesto fazem com que seja correto que os nomes da esquerda no meio jurídico assinem ele.

Avançar na luta pelo Fora Bolsonaro, contra o fascismo e o racismo

Opinamos que segue sendo central manter a agitação das medidas para salvar vidas e de defesa da classe trabalhadora. Nesse momento, é muito importante denunciar fortemente os governantes que estão retomando as atividades em meio ao avanço da pandemia, reforçar a defesa do isolamento social e das medidas econômicas e sociais necessárias para que o povo trabalhador possa ficar em casa (como a prorrogação por tempo indeterminado e o aumento do valor do auxílio emergencial para 01 salário mínimo). Vale também destacar a defesa das categorias que estão na linha de frente e daquelas que estão sendo atacadas nessa pandemia, como o funcionalismo público e os professores.

Do mesmo modo, é preciso reforçar a campanha pelo Fora Bolsonaro, pelo impeachment, por novas eleições presidenciais livres e diretas antecipadas e contra a escalada golpista. Nesse sentido, nos parece positivo incorporar as hashtag “somos 70%” e “nós somos a maioria”, dado que elas ajudam na luta pela ampliação e fortalecimento da maioria social contra o governo.

Consideramos que os setores da esquerda que somaram ao manifesto “Juntos” devem retirar suas assinaturas o quanto antes. Seguimos defendendo a importância da unidade de ação democrática concreta (a mais ampla possível) para derrubar Bolsonaro e defender as liberdades democráticas, mas o “Juntos” não avança nesse sentido.

Nesse momento, consideramos fundamental a luta pela Frente Única (FU) da esquerda e dos movimentos sociais e sindicais. Afinal, a unidade na ação contra Bolsonaro não diminui a necessidade de uma Frente Única, ao contrário, exige. A sua construção passa pelo prosseguimento da campanha do pedido de impeachment unificado, por um plano de lutas conjunto, pela campanha unificada pelo “Para salvar vidas, Fora Bolsonaro”, pela defesa dos direitos dos trabalhadores e das medidas de isolamento social acompanhadas de condições de sociais e econômicas para a quarentena.

As entidades e movimentos da classe trabalhadora devem buscar ampliar os atos dos trabalhadores da linha de frente, respeitando o distanciamento social. São válidos e importantes também os atos de rua das comunidades periféricas e das favelas que não tem condições de isolamento social asseguradas pelo Estado.

Por fim, não menos importante, consideramos correto que a esquerda e os movimentos sociais e sindicais participem e convoquem os atos antifascistas e antirracistas, buscando articular uma frente ampla de esquerda para construí-los. É fundamental que esses atos respeitem as regras de distanciamento social, que todos usem máscaras e que ninguém do grupo risco (ou quem mora com alguém do grupo de risco) vá aos atos. Além disso, é fundamental evitar a ação de provocadores nas manifestações.

Inspirados pela revolta antirracista que incendeia os Estados Unidos, vamos à luta!

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Fora Bolsonaro