O Maranhão – um dos nove estados da região Nordeste – possui uma população estimada em cerca de 7.075.181 pessoas (IBGE, 2019), é governado por Flávio Dino (PCdoB), que está atualmente no seu segundo mandato e tem ganhado destaque na mídia nacional por suas duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro, mesmo antes da pandemia do novo corona vírus.
Um estado com profundas desigualdades sociais, figurando como o segundo estado com menor IDHM do país (1), ficando atrás apenas de Alagoas no período analisado (2016 – 2017) (IPEA, 2019). (2)
Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2018 (3), apontam que o Maranhão, antes da pandemia, possuía uma média de 1,12 leitos de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes. Quando considerados por tipos de rede (pública ou privada), temos: 0,59 leitos por 10 mil no SUS e 8,18 leitos por 10 mil na rede privada. No entanto, há que se observar que a ampla maioria da população utiliza da rede pública de saúde. Vale ressaltar, ainda, que em março já se verificava que nos países que àquela altura apresentavam-se como o epicentro da pandemia, estavam sendo necessários 2,4 leitos de UTI por 10 mil habitantes, de acordo com estudos da Associação Brasileira de Medicina Intensiva (ABIM).(4)
No início da pandemia, o Brasil possuía 47 mil leitos de UTI, com cerca de 2,2 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes, sendo que uma parcela significativa destes já estavam ocupados (95% no SUS e 80% na rede privada) antes mesmo da pandemia. O recomendável pela OMS é ter o mínimo de 1 leito para cada 10 mil habitantes em condições “normais”. No entanto, como estamos podendo observar desde a chegada do Sars Covi-2, o sistema de saúde brasileiro, seja a rede pública, seja a rede privada, tem operado em condições absolutamente anormais: quantidade grande de pacientes necessitando de tratamento de terapia intensiva, adoecimento em larga escala dos profissionais de saúde, tempo de ocupação dos leitos de UTI por um período superior ao que se estava acostumado a ver.(5)
Foi com este cenário preocupante que o governador do Maranhão, Flávio Dino, anunciou em 16 de março a suspensão das aulas nas redes pública e privada do estado. À época, o Maranhão não tinha nenhum caso confirmado e haviam 17 casos sob investigação da Secretaria de Estado de Saúde (SES).
A medida de fechamento das escolas, universidades e faculdades foi seguida por outras que visavam dar fôlego ao sistema de saúde a fim de garantir o atendimento dos casos mais graves de Covid-19 no Maranhão. Assim, tivemos a adoção de outras medidas que restringiam a circulação de pessoas, sobretudo, na Grande Ilha de São Luís (6) como o fechamento do comércio, adoção de lockdown (7) (que durou de 5 a 17 de maio) e rodízio de carros.
Vale dizer que com o lockdown esperava-se chegar a um isolamento de 70%, mas o que tivemos efetivamente foi uma taxa menor que 50%. Apesar disso, especialistas afirmam que o lockdown deu um fôlego ao sistema de saúde do estado, diminuindo a taxa de ocupação dos leitos de UTI que, antes do lockdown, passava de 90%.
Dados da Secretaria de Saúde do Maranhão divulgados no dia 01/06/2020 apontam que no estado existem 36.625 casos confirmados, destes temos: 24.155 ativos, 11.473 recuperados e 997 óbitos. Dos novos casos, 205 estão concentrados na Ilha de São Luís, 63 no município de Imperatriz (segundo maior do estado) e 1060 nas demais regiões. Este último dado reflete o processo de interiorização da pandemia no estado do Maranhão.
Apesar dos dados confirmarem que ainda estamos numa crescente da contaminação no Maranhão, desde o dia 25 de maio teve início um processo de relaxamento das medidas de isolamento social que, no primeiro momento, compreendeu a abertura de pequenas empresas exclusivamente familiares.
Na segunda fase do relaxamento – que teve início no dia 01 de junho – foram liberadas muitas outras atividades econômicas que envolvem o setor de comércio de móveis e variedades para o lar, serviços de informática e venda de celulares, imobiliárias e escritórios, construção civil, hotéis/pousadas, salões de beleza, autoescolas etc. O que ainda não pode funcionar: academias, shopping centers, cinemas, teatros, bares, casas noturnas, restaurantes e lanchonetes (com exceção de delivery e drive thru).
Também está previsto pelo decreto estadual a volta às aulas nas redes pública e privada a partir de 15 de junho, de maneira escalonada, iniciando pelas últimas séries do ensino médio e faculdades/universidades, desde que observadas as regras sanitárias. Segundo o governador Flávio Dino, todas estas medidas serão avaliadas semana após semana de acordo com os dados sobre como se comporta o sistema de saúde do Maranhão.
Por que relaxamento do isolamento social quando a curva de contaminação no Maranhão segue subindo?
Para justificar a abertura gradual das atividades econômicas não essenciais, o governador Flávio Dino toma como parâmetro a diminuição na taxa de contaminação no Maranhão que caiu para 1,5 (8) após a medida de lockdown. No início da pandemia, essa taxa estava em 3, o que significa que cada pessoa com Covid-19 contaminava outras três pessoas. Para fins de controle da pandemia e relaxamento do isolamento social, é fundamental que essa taxa de reprodução do vírus fique abaixo de 1 por pelo menos duas semanas para que se tenha a garantia de que não haverá um efeito platô e retomada do cenário anterior.
Estudos de pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (9) apontam que foi equivocada a posição do governador Flávio Dino de relaxamento das medidas de isolamento num momento em que ainda há uma crescente dos números de contaminação por Covid-19 no Maranhão.
De acordo com os professores do Departamento de Economia da UFMA, os estudos adotados como parâmetros por Dino levam em consideração apenas a taxa de letalidade, o que seria insuficiente para predizer tendências estatísticas de controle da pandemia do novo corona vírus no Maranhão. Os pesquisadores comparam os estudos adotados pelo governo com o modelo adotado em relatório pelo Imperial College (10) que tem por parâmetros: o número de infecções; o número de óbitos; e o número de reprodução (medida de intensidade da transmissão) (BRITO; PINTO; MASCARENHAS JÚNIOR, 2020) (11) . Nesse sentido, é preciso analisar estes fatores em correlação para que se possa pensar medidas de relaxamento social, caso o cenário seja favorável.
No Maranhão, temos assistido a um deslocamento do aumento dos casos para o interior do estado, o que é preocupante, tendo em vista as condições insuficientes do sistema público de saúde no estado em geral. Mesmo na capital e região metropolitana, não tivemos uma estagnação da situação pandêmica e apesar do aumento de leitos de UTI na rede pública, aquisição de respiradores, construção de hospitais de campanha (em São Luís, Açailândia e Santa Inês) o Maranhão ainda está numa situação considerada crítica, sendo um dos três estados do Nordeste com maior número de casos do novo coronavírus. (12)
No que tange à diminuição da taxa de letalidade, os pesquisadores do GRAMMA chamam a atenção para dois problemas: a subnotificação (que é algo recorrente em todo o país) e o fato de que uma parte significativa dos óbitos registrados estão subnotificados com outras causas (que podem estar relacionadas ao Covid 19, mas que não foram registradas como tal pela ausência de testes).
Diante deste cenário, causa espanto e preocupação as medidas de relaxamento do isolamento social tomadas pelo governador Flavio Dino. Considero muito importantes as medidas tomadas inicialmente pelo governo estadual, o que possibilitou um fôlego ao sistema de saúde, além da ampliação de leitos exclusivos para pacientes com Covid-19 (que inclui leitos clínicos e leitos de UTI) na rede pública do estado, que saltou de 232 em março deste ano para 1.640, até o presente momento. No entanto, parece ser suicídio afrouxar tais medidas quando ainda não há um controle efetivo da pandemia. Dados de 01/06/2020, fornecidos pela Secretaria de Saúde do Estado (SES) (13) , apontam para uma taxa de ocupação de 97,5% nos leitos de UTI exclusivos para o novo coronavírus. Ou seja, o fôlego que o sistema teve com o lockdown e a abertura de novos leitos está sendo rapidamente revertido, como demonstra o estudo do epidemiologista Antônio Augusto, da Universidade Federal do Maranhão, divulgado em 01/06, que aponta para um aumento de casos na Grande São Luís.
Considerando que a segunda fase do relaxamento das medidas de isolamento social teve início na última segunda-feira, dia 01/06 (14), quando então tivemos a abertura maior das atividades econômicas consideradas não essenciais, essa taxa de ocupação ainda não reflete essa segunda fase. Nesse sentido, considero extremamente equivocada a postura mais recente adotada pelo governador Flavio Dino que pode estar dando um tiro no pé e fazer ir por água abaixo todos os esforços até aqui empreendidos. O momento exige cautela e coragem. Cautela para não incorrer no erro de achar que a economia vale mais que a vida – sem vidas, não há economia! E coragem para enfrentar aqueles que querem apenas salvar seus lucros sem se importar com a vida de milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras.
* Assistente social, mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão, professora universitária e militante da Resistência/PSOL.
NOTAS
1 – O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que leva em conta o desenvolvimento humano nas distintas regiões brasileiras, compõe-se dos seguintes elementos: longevidade, educação e renda. Para mais informações, consultar o documento “Radar IDHM: evolução do IDHM e de seus índices componentes no período de 2012 a 2017”, disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/190416_rada_IDHM.pdf>.
2 – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA. Radar IDHM : evolução do IDHM e de seus índices componentes no período de 2012 a 2017. Brasília: IPEA, PNUD, FJP, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/190416_rada_IDHM.pdf. Acesso em 01 jun. 2020.
3 – Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/sus-nos-estados-nao-tem-leitos-de-uti-contra-o-coronavirus.shtml. Acesso em 01 jun. 2020.
4 – Informação obtida em Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/sus-nos-estados-nao-tem-leitos-de-uti-contra-o-coronavirus.shtml. Acesso em 01 jun. 2020.
5 – A média de tempo de tempo de ocupação de leitos de UTI que costumava ser de 7 dias, subiu para 14, podendo chegar até 21 dias em casos mais graves.
6 – A Grande Ilha compreende os municípios de São Luís (capital do estado), Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa.
7 – O lockdown adotado na região metropolitana de São Luís foi fruto de uma ação movida pelo Ministério Público Estadual, acatada pela Justiça do Maranhão.]
8 – Dado extraído do documento “As estimativas do Imperial College sobre o Covid-19 para o Maranhão”, elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Macroeconomia (GRAMMA), do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão.
9 – Estou aqui considerando as pesquisas elaboradas pelo GRAMMA e pelo professor epidemiologista da UFMA, Antonio Augusto.
10 – “O relatório é uma produção conjunta do Departamento de Epidemiologia de Doenças Infecciosas, do Departamento de Matemática, ambos do Imperial College London; do WHO Centro Colaborador da OMS para Modelagem de Doenças Infecciosas, do MRC Centro de Análise Global de Doenças Infecciosas, do Instituto Abdul Latif Jameel de Análise de Doenças e Emergências, também do Imperial College London, do Departamento de Estatística e do Departamento de Neurociências Clínicas, ambos da Universidade de Oxford” (BRITO; PINTO; MASCARENHAS JÚNIOR, 2020).
11 – BRITO, Alex; PINTO, Saulo; MASCARENHAS JÚNIOR, Francisco. As estimativas do Imperial College sobre o COVID-19 no Maranhão. São Luís: GRAMMA/UFMA, 2020.
12 – Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em 01/06 no Painel Corona Vírus, o Maranhão ocupa a segunda posição em números de casos de Covid-19, com 35.297 casos. No entanto, dados da Secretaria de Estado de Saúde divulgados na mesma data dão conta de 36.625 casos. Em primeiro lugar no nordeste, está o estado do Ceará com 50.504 casos e em terceiro vem o estado de Pernambuco com 34.900 casos, segundo o MS. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 02 jun. 2020.
13 – Disponível em: http://www.saude.ma.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/BOLETIM-01-06.pdf. Acesso em 02 jun. 2020.
14 – Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/06/01/estudo-mostra-que-o-coronavirus-ainda-nao-esta-controlado-na-grande-sao-luis.ghtml. Acesso em 02 jun. 2020.
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