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BRASIL

Covid-19 e os riscos do plano de retomada da economia no Ceará

Thayná Colares*, de Fortaleza, CE
José Wagner/Ascom Casa Civil CE

Governador Camilo Santana (PT) anuncia plano de retomada das atividades no Ceará

Fortaleza, até domingo, 31/05, um dia antes do retorno das atividades econômicas indicadas pela fase de transição do plano, possuía 23.613 casos confirmados do novo coronavírus. Esse número corresponde aproximadamente a 49% dos casos confirmados do estado e é o grande responsável pela análise de que o Ceará está estabilizando a curva de transmissão. Mas por que não é o momento de retomar as atividades econômicas?

Vamos aos números de novos casos confirmados por dia na capital nas últimas três semanas:

  • 16/05 – 584 casos
  • 23/05 – 248 casos
  • 30/05 – 234 casos

De fato os números estão estabilizando. Todavia, essa queda se deu unicamente pela adoção do lockdown na capital cearense.  Ainda que possamos visualizar uma redução dos casos, estes ainda são altos e oscilam. Por exemplo, na mesma semana, dia 24/05, o número de novos casos confirmados por dia chegou a 415. Isto significa que se afrouxarmos o isolamento social rígido neste momento a tendência é que o número de casos volte a subir.

Outro fator que nos aponta a instabilidade que ainda paira no estado, são os 7 municípios apontados pelo Governo do Estado que devem iniciar o lockdown no dia 01/06: Camocim (235 casos confirmados), Caucaia (1.678 casos confirmados), Maracanaú (1.553 casos confirmados), Itapipoca (960 casos confirmados), Itarema (555 casos confirmados), Acaraú (486 casos confirmados) e Sobral (2.147 casos confirmados).

Isso nos mostra que, ao passo que Fortaleza supostamente estabiliza a curva, o interior do estado está visualizando o crescimento no número de casos. Os 7 municípios estão, no momento, com uma taxa considerada de alta transmissibilidade. E se paramos para analisar com calma os outros municípios, eles não são os únicos.

Então pergunto, será que o plano de retomada da economia não coloca em risco e em maior situação de vulnerabilidade os interiores? Em abril, a Fiocruz lançou uma pesquisa apontando que menos de 5% dos municípios do Ceará possuem número aceitável de UTIs e equipamentos essenciais para atendimento de casos graves do novo coronavírus. Essa porcentagem corresponde a 8 municípios: Fortaleza, Crateús, Barbalha, Juazeiro do Norte, Iguatu, Sobral, Brejo Santo e Crato. A maioria dos Hospitais Campanha foram instalados na Capital e Região Metropolitana, ainda que o governo afirme ter aumentado o número de leitos no interior (informação não encontrada com precisão sobre quais municípios foram atendidos e o número de leitos).

Brevemente, irei me atentar ao município do interior que estou residindo durante o isolamento social, Icapuí. Localiza-se na fronteira com o Rio Grande do Norte e possui menos de 20 mil habitantes. Segundo a plataforma Integra SUS a cidade possui 69 casos confirmados, mas o boletim epidemiológico atualizado diariamente pela Prefeitura juntamente com a Secretaria Municipal de Saúde, aponta 75 confirmados. O que nos revela um pouco sobre o atraso nas informações por parte do Estado. Icapuí não possui Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e conta com um único hospital com quatro leitos. Essa não é uma realidade isolada deste município, mas algo que se repete em muitos outros no interior. Todavia, não é possível dar conta de todos esses números em um único texto.

Vamos aos números de Icapuí, nas últimas três semanas:

  • 17/05 – 33 casos confirmados
  • 24/05 – 49 casos confirmados
  • 31/05 – 75 casos confirmados

Além disso, o município possui 4 óbitos. Nem de longe enxerguem esses números como pequenos, os visualizem pelo seu crescimento e pela falta de estrutura que a cidade possui para lidar com agravamento de casos.

O que nos leva de volta a Fortaleza, pois, quando os interiores não têm a estrutura necessária, é preciso transferir os pacientes para a Capital. Fortaleza atualmente está com 88,71% dos leitos de UTI ocupados. Taxa considerada alta e que com uma nova crescente de casos, pode não comportar a demanda e pessoas ficarem sem os atendimentos necessários em casos de agravamento. Os dados utilizados nesse texto foram retirados da Plataforma Integra SUS, portal de Transparência da Saúde do Ceará, e atualizados até o dia 31 de maio. Até essa data, o estado ainda não tinha ultrapassado 50 mil casos confirmados. Em 2 de junho, esse número já subiu para 50.504 e 3.188 óbitos. Fortaleza agora possui 24.104 casos confirmados. Não podemos esquecer que há atrasos na atualização dos dados, principalmente dos óbitos, devido ao tempo necessário para coletar os exames, somente nas últimas 24h, 185 óbitos entraram no sistema. O que nos leva à última pergunta, os números de fato estão baixando ao ponto de estarmos seguros para uma retomada das atividades econômicas?

Vejam os números, vejam a ocupação de leitos. O Ceará possui 184 municípios e em todo o estado há casos confirmados ou suspeitos do novo coronavírus. Retomar as atividades econômicas neste momento é um equívoco que pode nos levar a um colapso, é colocar todo o estado em risco e retroceder no combate à pandemia. Ainda que o plano preveja que cada município possa adaptar o decreto para a sua realidade, lanço outra pergunta: vocês acreditam que todos os municípios podem contar com uma equipe técnica para analisar como ou se retomam as atividades? Em cidades pequenas a 1° fase do plano de retomada, ou até mesmo a fase de transição, consiste em basicamente retomar todas as atividades do município.

Não podemos esquecer o fator cultural. O fato de existir um plano de retomada da economia já é recebido com animosidade pela população, que toma o plano como uma certificação de “está tudo bem, podemos voltar às ruas”, o que não é verdade. Não é atoa que o primeiro dia da fase de transição foi marcado por aglomerações e congestionamentos, principalmente na capital. Não acredito que o governador, Camilo Santana, prossiga com o plano quando vir os números tornando a subir. Lembram que demoramos 3 dias para fechar os estabelecimentos e adotar o isolamento? Esses três dias foram o suficiente para assistirmos chocados os números dobrarem, triplicarem, quadruplicarem. A memória mais uma vez mostra sua importância nas mais variadas esferas da vida para guiar nossas ações e posicionamentos.

É momento de continuar atento, observando os números, aguardando mais altas e não de afrouxar isolamento e reabrir comércio. A Alemanha, país com maior número de testagem e menor taxa de óbitos do mundo, tentou reabrir o comércio devido a sua baixa taxa de transmissibilidade de Covid-19 e viu seus números tornarem a crescer, por que aqui seria diferente? O isolamento social é a melhor forma de evitar a propagação do novo coronavírus. Chega a ser contraditório o Governo do Estado afirmar que o isolamento continua, mas reabrir o comércio. A reabertura de alguns estabelecimentos neste momento aumenta categoricamente o risco de contração do vírus, ou seja, podemos assistir nos próximos dias um novo crescimento de casos do Covid-19 no estado.

* Estudante de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Fontes

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/so-oito-municipios-cearenses-tem-estrutura-para-atender-casos-graves-da-covid-19-aponta-estudo-1.2234918

https://indicadores.integrasus.saude.ce.gov.br/indicadores/indicadores-coronavirus