Os Estados Unidos estão em chamas. Os protestos começaram em Minneapolis depois da morte de George Floyd, um homem negro que jogando ao chão e imobilizado por três policiais foi sufocado até a morte por um quarto policial branco supremacista, que esmagou seu pescoço contra o solo durante agonizantes nove minutos.
O assassinato foi filmado por uma jovem que presenciou a cena. Floyd por algumas vezes disse aos policiais que não conseguia respirar e pediu para não o matarem, mas nada disso mudou a postura dos policiais assassinos. Ele morreu pelo simples fato de ser negro.
Read this text in english The antiracist uprising inflames America
Com a divulgação do vídeo, manifestações e protestos contra o assassinato de George Floyd e contra a violência policial racista tomaram conta da cidade. Organizados inicialmente por grupos como Black Lives Matter, os protestos logo se tornaram multitudinários e se espalharam por todo o país, assumindo características de atos espontâneos. Aos manifestantes negros se somaram outros grupos raciais oprimidos como os latinos, árabes, judeus e asiáticos, além de grande número de jovens brancos formado de filhos da classe trabalhadora.
Importa registrar que ajudou a inflamar a revolta a incompetência criminosa do governo Trump perante a pandemia que já tirou mais de 100 mil vidas nos Estados Unidos, atingindo desproporcionalmente a população negra, a falência da saúde sucateada e privatizada e a crise econômica sem paralelo em muitas décadas, que já colocou cerca de 40 milhões de trabalhadores no desemprego.
Os protestos iniciados pelo povo em Minneapolis se espalharam por todos o país, alcançando Milwaukee, Detroit, Chicago, Nova Iorque, Filadélfia, Washington, Cleveland, Dallas, Atlanta, Louisville, Los Angeles, Seattle, Miami, Indianapolis, Pittsburgh e muitas outras, já totalizando 75 cidades. Em todas elas, o mesmo cenário se repete, com barricadas nas ruas, manifestações gigantescas, confronto entre os manifestantes e as forças policiais, saques de grandes lojas e fogo.
Este não é o primeiro levante negro que acontece na história dos Estados Unidos. O maior deles, mas não o primeiro, teve início como reação ao assassinato do pastor batista e líder do Movimento pelos Direitos Civis, Martin Luther King, em 4 de abril de 1968, durou 7 dias, alcançou 125 cidades e gerou um saldo de pelo menos 46 mortos e 2.600 pessoas feridas, grande parte disso devido à repressão levada a cabo pela 82ª Divisão Aerotransportada do Exército. Depois dele, outros grandes levantes aconteceram. Em maio de 1980, o levante durou três dias e ficou restrito a Miami. Em abril de 1992, ele durou 2 dias e foi iniciado em Los Angeles, tendo se propagado para Las Vegas, Atlanta e Nova York. Aconteceu em abril de 2001, em Cicinnatti, estado de Ohio. E, em agosto de 2014, aconteceu o levante mais conhecido da atual geração que está ocupando as ruas das cidades norte-americanas e recordista em números de dias de ação nas ruas. Por dez dias a comunidade negra de Ferguson, no estado do Missouri, se levantou contra a morte do jovem negro Michael Brown, de 18 anos.
Os três últimos levantes tiveram como estopim atos de violência policial, dois dos quais levaram à morte de jovens negros. Sofrer violências e assassinatos pelo simples fato de ser negro tem sido uma constante da experiência vivida pelo povo afro-americano. Segundo levantamento realizado pelo Equal Justice Initiative, entre os anos de 1877 e 1968, nada menos que 4.084 afro-americanos foram linchados (assassinados) por grupos de supremacistas brancos como a Ku Klux Klan. Malcolm X tinha razão ao dizer que “para o negro o sonho americano mais parece um pesadelo”. Na história norte-americana, os levantes negros têm expressado o grito revolucionário, o desejo do povo afro-americano de se libertar de uma vida de opressão, terror e exploração. Vida que que lhe é imposta pela estrutura racial capitalista do sistema de dominação e exploração controlado pelas elites brancas que falam em nome do grande capital. Razão pela qual Malcolm X também dizia que “não existe capitalismo sem racismo”.
Os liberais e democratas das classes médias e de setores das elites brancas dizem compreender as razões dos protestos, mas condenam os saques, as depredações e a “violência” como atos selvagens, irracionais, animalescos. Os mesmos estereótipos presentes nas lentes por meio das quais os nazistas e supremacistas brancos utilizam para identificar o negro e afiar sua superioridade racial. Quanto a isso, a jovem negra Tamika D. Mallory, que está na frente de combate em Minnesota, retruca:
“Façam valer o que vocês dizem que este país deveria ser. A terra da liberdade para todos. Pois não tem havido liberdade para o povo negro e estamos cansados. Não nos fale sobre saques. Vocês são os saqueadores. Os Estados Unidos saquearam o povo negro. Os Estados Unidos saquearam os nativos americanos quando chegaram aqui. Então, saquear é o que vocês fazem. Nós aprendemos isso com vocês. Nós aprendemos violência com vocês. A violência foi o que aprendemos de vocês. Se vocês querem que façamos melhor, façam vocês melhor, porra!”
Os protestos confrontam a paz dos senhores do capital. Essa paz, que representa guerra contra o povo preto. O levante se coloca em marcha por um mundo de direito à vida, à liberdade, à justiça e ao reconhecimento equitativo da humanidade para todos. Como essa luta se confronta com um sistema político e econômico que, ao longo de sua história, se mostrou incapaz de garantir isso, o protesto se encontra na inescapável posição de levar aos senhores e às classes médias brancas a experiência imposta às comunidades negras de se viver em permanente estado de emergência, violência e guerra.
A justa revolta dos manifestantes se dirige especialmente contra as polícias e forças de segurança do estado, responsáveis por impor a “paz” que os manifestantes cansaram de seguir admitindo. Não é direcionada apenas contra os policiais racistas que assassinaram George Floyd, mas contra a instituição racista que é a polícia norte-americana. Um dos momentos que mostra o tamanho da fúria e da radicalização do levante negro foi o incêndio da delegacia da cidade de Minneapolis pelos manifestantes. Algo deste tipo não acontece no país há, no mínimo, 70 anos.
Com a radicalização dos protestos em Washington, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi levado para um bunker na Casa Branca na última sexta-feira (29), segundo informações do jornal “The New York Times”.
Donald Trump colocou o Exército à disposição do governador do estado de Minnesota, Tim Walz, e concluiu que “quando o saque começar, o tiroteio começará”, estimulando, com isso, a reação armada de grupos supremacistas aos protestos. O governador do estado de Minnesota declarou estado de emergência e mobilizou toda a Guarda Nacional do estado, espécie de força militar de reserva, para atuar na repressão aos protestos em reforço às forças policiais não militarizadas. O mesmo foi feito por governadores de 11 outros estados e no Distrito de Columbia. Muitas cidades declararam toque de recolher. Em todo o país, 1.669 pessoas, a maioria jovens, foram presas. Pelo menos três pessoas morreram, sendo uma delas um policial.
É importante apontarmos que, além da radicalidade do movimento, que se desenvolve majoritariamente de forma espontânea, começam a se desenvolver pequenas medidas organizacionais. Os saques das grandes lojas passam a serem distribuídos nas comunidades carentes, e templos religiosos servem como abrigo e ponto de apoio aos manifestantes.
A dor pela morte de George Floyd e de outros negros é uma dor que nós conhecemos bem no Brasil. Em nosso país a violência racial é uma presença constante. João Vitor, João Pedro, Cláudia, entre tantos outros, foram assassinados e seus assassinos seguem impunes. No Brasil nós podemos aprender com as lutas de Minneapolis. É preciso organizar nossa dor e transformá-la em chamas. Nossas vidas importam, a de supremacistas brancos não.
É preciso, também, construir uma campanha internacional contra a repressão e o uso das Forças Armadas que Trump quer impor. A revolta antirracista incendeia a América e ilumina os caminhos da luta em todo mundo.
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