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Esperar a ‘imunização de rebanho’ é insanidade

Travesti Socialista

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Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Estamos há vários meses do pico de contaminações por COVID-19. Como a política irresponsável e genocida do governo Bolsonaro é esperar a tal ‘imunização de rebanho’, então tal pico só será atingido quando mais da metade da população já tiver sido infectada, o que deve ocorrer em setembro, com dezenas de milhares de pessoas morrendo de COVID-19 por dia se o sistema de saúde não entrasse em colapso. É melhor rezar para que Bolsonaro seja derrubado e o governo mude de política antes que seja tarde demais.

A política que realmente funciona: testes em massa

A maioria dos países abandonou a política de esperar a ‘imunização de rebanho’ porque ela é simplesmente loucura. Nesses países, os governos estão aplicando a partir de ‘identificação e isolamento’, que consiste em identificar pessoas infectadas (a partir de testes em massa) e isolá-las, impedindo a transmissão da doença.

Essa política é muito simples, simples demais. Primeiro, deve-se testar todas as pessoas com sintomas – até mesmo aquelas que parecem estar com um simples resfriado. Segundo, para cada caso confirmado, deve-se testar as pessoas mais próximas: família, amigos próximos, colegas de trabalho ou de escola, enfim, todas as pessoas que podem ter sido infectadas. Ainda que se consiga identificar somente 60% das pessoas infectadas, isso já é o suficiente para conseguir diminuir o número de casos ativos.

Ao coletar os dados de números de testes fornecidos pelo Our World In Data [1] com o número de casos fornecidos pela Johns Hopkins University [2], é possível constatar que todos os países que conseguiram diminuir o número de casos ativos estão realizando testes em massa. No mínimo, nove testes para cada caso confirmado. Nenhum deles atingiu, nem de longe, a ‘imunização de rebanho’.

Um exemplo de sucesso da política de identificação e isolamento a partir de testes em massa é o Vietnã. Apesar de ser um país com um PIB per capita de apenas $2.567,00 (dado de 2018) e que tinha, em 2018, 95,5 milhões de habitantes, o Vietnã tem apenas 327 casos confirmados de COVID-19 e nenhuma morte. O segredo: esse país aplicou, em média, 798 testes para cada caso confirmado. Isso é cortar o mal pela raiz.

Já o Brasil tem um PIB per capita de $9.001,00 (2018), ou seja, 3,5 vezes o do Vietnã. Segundoo G1, até o dia 26 de maio, nosso país aplicou (sente-se, respire fundo e cuidado para não cair para trás) 1,6 teste para cada caso confirmado [3].

Na Estônia, o pico foi dia 2 de maio, com 1390 casos ativos. Até dia 26, este número caiu para 217. Neste país, foram feitos 41,6 testes para cada caso confirmado.

O Japão aplicou, em média, 16,2 testes para cada caso confirmado. Na última semana, o número de casos ativos nesse país diminuiu, em média, 13,9% ao dia.

Na Tunísia, havia, no dia 26, 74 casos ativos, número que vem diminuindo desde 19 de abril, quando haviam 798 casos ativos. Esse país aplicou 45,5 testes para cada caso confirmado.

Na Islândia, o pico de casos ativos foi no dia 6 de abril. Até o dia 26, havia apenas dois casos ativos. Eles aplicaram 33,6 testes para cada caso confirmado.

Quem esperou a tal ‘imunização de rebanho’?

Há outros países que, a princípio, estavam esperando a ‘imunização de rebanho’, mas perceberam que isso eram insano, caíram na real e mudaram de política.

Um desses países é a Itália. O pico de casos ativos foi há um mês, no dia 26 de abril, mas esse país nem sequer chegou perto da ‘imunização de rebanho’. Ao todo, 0,4% da população foi confirmada com a doença. Lá, foram realizados testes em massa (cerca de 9,4 testes para cada caso confirmado), por isso, a subnotificação é provavelmente muito baixa. Ainda que o número de infectados real na Itália fosse dez vezes maior (o que é improvável), isso significaria que ‘somente’ 4% da população italiana foi infectada pelo novo coronavírus. Ou seja, muito menos da metade. Ainda assim, o número de casos ativos diminuiu, em média, 2,8% por dia na última semana.

Outro exemplo é o do Reino Unido. Até final de abril, o país realizava somente 3,0 testes, em média, para cada caso confirmado (quase o dobro do que realiza o Brasil hoje!). Ao mesmo tempo, no dia 22 de abril, os casos ativos cresciam, em média, 3,4%. Isso eram 4 mil novos casos ativos por dia! Desde então, o número de testes vem crescendo, atingindo 8,4 testes por caso confirmado um mês depois. Em contrapartida, os casos ativos cresceram, em média, 0,8% por dia.

O Reino Unido também está longe da imunização de rebanho: 0,4% da população foi confirmada com a doença.

Wuhan, cidade chinesa onde a doença surgiu e se espalhou, também não chegou sequer perto da ‘imunização de rebanho’. Nessa cidade, após investigações recentes, o número total de mortes pela COVID-19 está estimado em 3.869 [4]. A cidade de São Paulo tem praticamente a mesma população de Wuhan e já tem 3.691 mortes confirmadas [5]. Entretanto, enquanto na China são feitos testes em massa, no Brasil a subnotificação é enorme. Segundo estimativa da UFPel, o número de pessoas infectadas em São Paulo é cerca de 12 vezes maior que o número de casos confirmados [6]. Por isso, já podemos dizer com segurança: São Paulo já está muito pior que Wuhan!

Se Wuhan tivesse atingido a ‘imunização de rebanho’, São Paulo também já teria, já que a população é praticamente a mesma. Entretanto, em São Paulo, apesar do isolamento social, cada pessoa doente infecta, em média, 2,1 pessoas [7].

Tic, tac, tic, tac…

No nosso país, o número básico de reprodução está em 2,3. A média mundial é de 1,5. Em relação à pandemia, o Brasil está um completo desastre.

Segundo pesquisa da UFPel, entre 2,8 e 3,4 milhões de pessoas já foram infectadas no Brasil [7]. Como, na última semana, o número de casos confirmados cresceu, em média, 4,8%, isso significa que são infectadas, por dia, entre 130 e 160 mil pessoas. 6 mil por hora. 100 por minuto. O relógio está correndo.

Nesse ritmo, em duas semanas, o número total de infectados será o dobro. Serão 12 mil pessoas infectadas por hora, 200 por minuto. Daqui um mês, o número praticamente será quatro vezes maior. Ou seja, entre 11 e 14 milhões de pessoas já terão sido infectadas, e serão 400 pessoas infectadas por minuto. O relógio está correndo.

Hoje, o sistema de saúde está praticamente lotado. Daqui um mês, ele estará quatro vezes lotado. E, veja, ainda estaremos longe da ‘imunização de rebanho’! Pois, daqui um mês, ‘somente’ 6% da população estará imunizada. Isso supondo que o vírus não sofra uma mutação e comece a infectar pessoas que já se recuperaram.

Bolsonaro precisa ser derrubado, não pra semana que vem, nem pra hoje, mas pra ontem! Cada dia de atraso será pago em sangue, com milhares de vidas. Para derrotar o Bolsonaro, não dá pra esperar as eleições desse ano. Aliás, que eleições? Pois, se continuarmos esperando a ‘imunização de rebanho’, no mês de outubro ainda haverá mais pessoas doentes do que daqui um mês. Quem está esperando as eleições não vive no planeta Terra.

Referências

[1] https://ourworldindata.org/coronavirus-testing 

[2] https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19 

[3] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/26/casos-de-coronavirus-e-numero-de-mortes-no-brasil-em-26-de-maio.ghtml 

[4] https://www.cnbc.com/2020/04/17/coronavirus-live-updates-singapore-new-record-high-china-numbers.html 

[5] https://brasil.io/covid19/SP/ 

[6] https://piaui.folha.uol.com.br/pesquisa-revela-12-vezes-mais-infectados-que-dados-oficiais/

[7] Este é o número básico de reprodução calculado a partir dos dados da última semana. O código-fonte utilizado para os cálculos encontra-se no meu GitHub: https://github.com/jessymilare/EndemicModel.jl 

 

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