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TEORIA

Karl Marx: tese de doutorado e mudança de planos (1841)

Este é o quinto texto de uma série sobre a vida de Karl Marx

Wesley Carvalho

diploma de doutorado de Marx

Em 1841, tendo o concluído o curso de Direito, Marx pretendia se tornar docente na universidade. Buscou o título de doutor em Filosofia através de uma tese que discutiu o pensamento de dois gregos antigos, Demócrito e Epicuro. O que se tem desta tese hoje é uma cópia feita a pedido de Marx posteriormente, e provavelmente com alterações de sua parte. Há, assim, alguma incerteza em relação às partes do texto que ele entregou ou não à universidade[1].

No trabalho calorosamente dedicado a seu sogro e amigo Ludwig von Westphalen, sem muita modéstia o jovem Karl afirmou fazer uma abordagem original e resolver um problema “até então insolúvel da história da filosofia grega.”. Ele compararia a visão dos pensadores promovendo uma nova conclusão.[2] Segundo o biógrafo Michael Heinrich, provavelmente Marx teve Epicuro como tema por conta da crítica que este tinha à religião: não chegava a contestar a existência dos deuses gregos, mas os entendia como vivendo em um mundo próprio, com desinteresse pelos humanos. Considerava também que a veneração e os sacrifícios aos deuses eram superstições nocivas[3].

A verve anti-religiosa de Marx se expressou também com sua inclusão no texto de versos de Ésquilo como aquele em que Prometeu diz: “Numa palavra, odeio todos os deuses.”[4] Seu amigo Bruno Bauer tentou demovê-lo da ideia destas inclusões para que não houvesse confrontos políticos desnecessários dentro da universidade[5]. Marx faria no apêndice da obra, intitulado “A relação entre o ser humano e Deus”, uma coletânea de textos de vários autores que aponta que a ideia de divindade incute terror na humanidade, e ataca a razão, muito embora a seção também destaque trechos positivos em relação a cultos a divindades. Discute filosoficamente ainda provas da existência de Deus e crítica os filósofos de seu tempo que pensavam que era na religião que se encontrava a forma máxima de autoconsciência[6]

Mas a tese também teve outro tema importante. Nela, Marx aponta que a principal diferença entre Demócrito e Epicuro é em relação ao determinismo: o primeiro nega o acaso, entendendo que o mundo é todo determinado. Para Demócrito, se assim não fosse, não haveria nenhum pensamento consistente. Já Epicuro, com quem Marx se identifica, entende que o acaso cumpre papel nos acontecimentos, além do livre-arbítrio. Marx apontava assim que Epicuro valorizava a liberdade, o tempo e a mudança, e o louva como o maior dos iluministas gregos.[7]

O diploma de Marx não é da universidade de Berlim, mas de Jena, onde ele não havia frequentado nenhum curso. E ele também obteve seu título de doutor sem precisar ir à cidade. Provavelmente, Marx optou por Jena porque suas taxas de inscrição para o doutorado eram bem menores que as de Berlim e também por não exigir a tradução da tese ao latim. No fim de maio de 1841, com seu certificado em mãos, Marx retornou a Tréveris onde estavam sua família e Jenny[8].

Karl teve momentos conflitivos com sua família (agora já sem o pai), o que envolvia a reprovação por sua recusa de seguir na carreira de Direito, e dificuldades de relacionamento de sua mãe com os Westphalen. Além disso, aparentemente, Marx pediu adiantamento de sua herança e se queixou que sua família, mesmo tendo condições, lhe punha obstáculos. Sentimentos amargos em relação à sua mãe ainda perdurariam por muitos anos[9]. Não receber a herança de forma adiantada significava também impossibilidade de se casar com Jenny, com quem já tinha um noivado então de 5 ou 6 anos[10].

Bruno Bauer

A expectativa profissional de Marx era fazer carreira universitária e é por isso que, em julho de 1841, foi para Bonn, onde estava Bruno Bauer, seu amigo, mentor e antigo professor de Teologia em Berlim. A ideia era de que ajudasse Marx a conseguir emprego como docente. Mas Bauer foi demitido por motivos políticos: ele vinha radicalizando seu discurso e colocando que só estaria satisfeito se pudesse ensinar publicamente o ateísmo. Sua demissão gerou bastante repercussão na Alemanha, mas não foi a única: outros intelectuais críticos tiveram destino similar. Com o afastamento de Bauer e o quadro geral repressivo, Marx teve bloqueadas suas chances de seguir uma carreira acadêmica. Foi então que ele e vários de seus colegas se voltaram para o trabalho na imprensa[11].

 

 

NOTAS

[1]             HEINRICH, Michael. Karl Marx  e o nascimento da sociedade moderna. Biografia e desenvolvimento de sua obra.Vol.1 (1818-1841). Tradução de Claudio Cardinali. São Paulo: Boitempo, 2018. pp. 374; 384.

[2]             MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo, Boitempo, 2018. pp. 21;34;36;45;53.

[3]               HEINRICH, Michael. Karl Marx…p. 368

[4]             MARX, Karl. Diferença…pp.23-4.

[5]             HEINRICH, Michael. Karl Marx…p.375. SPERBER, Jonathan. Karl Marx. A nineteenth century life. Londres: Liveright Publishing, 2013. p. 70.

[6]             MARX, Karl. Diferença…pp. 57-60; 129-34.

[7]             MARX, Karl. Diferença…pp.48-50; 101;120. HEINRICH, Michael. Karl Marx..p. 377; LUKÀCS, György. “O jovem Marx. Sua evolução filosófica de 1840 a 1844” IN: O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Tradução de José Paulo Netto e Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. pp. 128-9.

[8]             HEINRICH, Michael. Karl Marx  e o nascimento da sociedade moderna….pp 393-8.

[9]             JONES, Gareth Stedman. Karl Marx: greatness and illusion. Cambridge: Belknap Press, 2016. pp. 85-90.

[10]           SPERBER, Jonathan. Karl Marx…. p. 57.

[11]           JONES, Gareth. Karlm Marx…pp. 76;91.  SPERBER, Jonathan. Karl Marx… pp. 62-4; 70-1.

Marcado como:
Vida de Marx