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TEORIA

Em defesa da história: 75 anos atrás os comunistas derrotaram o nazismo

Gabriel Santos, de Maceió, AL

É conhecida a ideia de Marx e Engels, expressa em A ideologia alemã, de que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante. Podemos escrever esta frase de outro modo. É possível afirmar que a História dominante de uma época, é a História da classe dominante.

O ano de 2020 marca os 75 anos de um dos acontecimentos mais importante do período recente da humanidade, a derrota do nazifascismo. Em 1945 o mundo era, obviamente, muito diferente. Com a passagem do tempo, costumamos a ver os fatos históricos cada vez com mais distância. Olhamos para trás e vemos um fato passado que fica mais e mais longe, como uma árvore na estrada vai se afastando na medida em que o carro segue seu percurso.

O tempo é professor

Uma das vantagens da passagem do tempo é que o distanciamento pode gerar uma melhor leitura e análise sobre o fato em questão. Temos a vantagem de os próprios acontecimentos históricos já terem se realizado e engendrado outros novos. Assim, olhamos e vemos acertos e erros que foram cometidos e suas consequências. Fidel Castro costumava dizer que uma política errada ou oportunista, cedo ou tarde, se mostraria equivocada. O desenrolar da luta de classes mostra e resolve a questão. É conhecida, também, a metáfora de que ao examinar a História olhamos para trás como anões em ombros de gigantes. Podemos incorporar em nossa análise outras visões e leituras formuladas ao longo de todo o período decorrido entre o nosso objeto e o tempo presente.

Porém, o inverso do que foi dito acima também é verdade. O distanciamento temporal de um fato, pode gerar uma leitura falsa sobre ele, baseado na negação, falsificação e mudança do que aconteceu. Esta visão falsa pode até mesmo passar a ser aceita pela maioria das pessoas.

Um exemplo em que o decorrer do tempo foi positivo para o avanço na leitura sobre um evento pode ser a restauração do capitalismo ocorrido na antiga União Soviética e no Leste Europeu, no início dos anos 90. Quando o muro de Berlim caiu, em 1989, parte importante da esquerda revolucionária mundial comemorou o fato. Assim como na época, infelizmente, grupos trotskistas viam na Glasnost de Gorbachev uma vitória democrática, que levaria a uma Revolução Política, o que se provou um erro ao longo dos anos seguintes. Por isso, muitos fazerem uma importante e crucial autocrítica. Esse processo foi conduzido pelo aparato burocrático do Partido Comunista da União Soviética e gerou consequências imensas que são sentidas até hoje pelo movimento dos trabalhadores no mundo todo. Hoje, podemos afirmar essa análise. Mas, há trinta anos, ela era outra.

A negação da história, um casamento da extrema direita e dos liberais

Podemos apresentar também muitos exemplos sobre a falsificação da História que acontece com o passar do tempo. Hoje nós vemos diversos youtubers, digital influencers, e pensadores praticando o negacionismo histórico. Sua pauta preferida é a ditadura militar brasileira. Para eles, não foi bem uma ditadura.

Alguns desses negacionistas chegam a afirmar o absurdo de que o nazifascismo seria de esquerda. Esta visão, compartilhada por setores da extrema-direita brasileira, motivo, ao mesmo tempo, de chacota e de preocupação, não surge de um dia para o outro. Ela é fruto de um movimento que buscou aproximar as ideias nazistas do comunismo, afirmando serem dois lados da mesma moeda e, por isso, igualmente ruins. A visão foi desenvolvida e difundida no pós-guerra, a partir da necessidade dos países imperialistas de lutar contra a influência das ideias comunistas nos países coloniais e em seus próprios territórios.

Desta forma, os liberais foram os primeiros a distorcer a verdade, colocando sinal de igual entre as ideias do nazismo e seu principal inimigo, o movimento comunista. Foi um processo gradual de distorção e falsificação da história que abriu portas para os absurdos dos dias de hoje.

Atualmente, parte considerável de liberais brasileiros que são, felizmente, oposição a Bolsonaro, seguem fazendo propositalmente uma comparação atualizada e igualmente esdrúxula. Parcelas significativas de intelectuais que têm suas ideias difundidas nos meios de comunicação seguem colocando um sinal de igualando Bolsonaro e a esquerda. Afirmam que tanto Bolsonaro e suas ameaças de destruição os adversários e fechamento do regime, quanto as ideias de esquerda, por mais moderadas que sejam, são igualmente danosas à democracia. Para eles, a taxação das grandes fortunas e a ameaça de uma ditadura militar seriam dois lados opostos do extremo, e todo extremo seria perigoso. Muitos, ainda, comparam o governo Bolsonaro com Chávez, Maduro, ou Mao Tsé-Tung. Ou seja, esses liberais atualizam as ideias de associação do nazismo com o movimento comunista que foi feita no século passado.

Assim, aos poucos, de pedaço em pedaço, o rigor histórico e teórico para analisar fatos políticos são jogados fora. A História é modificada gradualmente, até que se chega a sua negação completa.

O apagamento da União Soviética na Segunda Guerra

Para desenvolver sua tese de igualdade entre a extrema direita nazista e o movimento comunista, os liberais atuaram sobre a memória popular que se tem sobre a Segunda Guerra. Quem controla a capacidade de dizer o que se deve relembrar sobre um fato histórico passa a definir a sua memória e a expressão no presente. Pois, afinal, quem controla o direito ao passado, controla o presente, e quem controla o presente está mais perto de exercer controle sobre o futuro.

Um revisionismo histórico para apagar o papel dos soviéticos (ou diminuí-lo) foi feito. Em contrapartida, a atuação dos Estados Unidos foi aumentada, moldando a narrativa de ascensão do país como maior potência do Ocidente. Os liberais norte-americanos, auxiliados da indústria cultural que se expande no pós-guerra, criam um mito sobre si mesmos. Os norte-americanos passam a se colocar como heróis através de inúmeros filmes, revistas em quadrinhos e outros meios. Na academia, diversos historiadores e jornalistas passam a produzir artigos, livros e materiais sobre a coragem norte-americana e o papel do país no conflito bélico. Constrói-se, assim, a história de que o país seria o ator principal e decisivo na derrota do Eixo.

Essa modificação “inocente”, feita em um processo crescente e ininterrupto há 75 anos, acabou por moldar a visão popular que a imensa maioria das pessoas tem sobre a Segunda Guerra.

O Brasil, como país localizado na periferia da ordem mundial entre Estados, sofre um processo de colonização permanente por parte do imperialismo, em especial dos Estados Unidos. Um dos aspectos desta colonização, se dá no campo cultural e ideológico. Dessa forma, a propaganda norte-americana também nos influencia, tanto por meio da cultura de massa, quanto pela submissão intelectual e política dos pensadores de nossas classes dominantes.

A vitória do Exército Vermelho e a derrota do nazismo

Era um domingo de verão na capital alemã. O clima tenso tomava conta da cidade.  Poucos dias antes, um tiro silencioso derrubava Hitler. O líder nazista se suicidara.  Era apenas uma questão de tempo até que as ruas fossem tomadas por barulhos de tiros. Já se aguardava a entrada das tropas soviéticas na cidade.

Aquele dois de maio de 1945 marcou a entrada do Exército Vermelho nas ruas de Berlim. Foi a confirmação da derrota do nazismo, iniciada dois anos antes na Batalha de Stalingrado. Dias depois da entrada dos batalhões soviéticos na capital, a Alemanha nazista assinava sua rendição. O horror do nazifascismo praticamente chegava ao fim.

Uma curiosidade marca este ato de rendição que entrou para a história. Quando Wihelm Keital, general nazista, assina o texto que concretizava a derrota do nazismo, o calendário marca o dia 08 de maio. Nas ruas da capital alemã, numa noite fria, os relógios batiam às 22:43. Entre o momento que o general rabiscava o documento e sua entrada em vigor alguns poucos minutos se passaram, dezesseis, para ser mais exato. Em Berlim, o relógio marcava 23:01. Porém, em Moscou, capital da União Soviética, devido à diferença no fuso horário, o dia no calendário já havia sido ultrapassado. O relógio na cidade soviética marcava 00:01 do dia 09 de maio. Por isso, o dia da derrota do nazismo é comemorado em datas diferentes em locais do mundo.

Um dos raros consensos entre historiadores e jornalistas de diversos países e posoções é a crueldade dos números da guerra para a União Soviética. Foram mais de 1500 cidades destruídas. O país foi o que mais sofreu no confronto com os nazistas, sendo também aquele que mais dedicou forças e esforços para combater as tropas de Hitler. Na União Soviética foram derrotas quatro vezes mais tropas alemãs do que na Europa Ocidental. 600 divisões nazistas tombaram em solo soviético e 150 no ocidente europeu.

Porém, o número mais cruel e discrepante foi o número de mortes. Esse é também um dado importante para interpretarmos o conflito. Ao todo, a Segunda Guerra foi o conflito bélico mais sanguinário que a humanidade produziu. Foram 60 milhões de pessoas mortas. Aquilo que conhecemos como Segunda Guerra, 1939 – 1945, foi, como apontou Ernest Mandel, um conjunto de 4 outras guerras, que tiveram dinâmicas próprias mas se entrelaçam entre si. Podemos dizer que foi um conflito das potências imperialistas entre si. Mas, também, uma guerra dos países e semicoloniais por sua liberação. Assim como foi a guerra dos povos da Europa contra a ocupação militar perpetuada pelo nazismo. E por fim, podemos elencar o conflito entre União Soviética e o nazismo. Este foi o mais sangrento e determinante do conjunto de conflitos ocorrido no intervalo de seis anos em que a Segunda Guerra se passa.

Ao todo, 26 milhões de soviéticos perderam a vida no conflito. Destes, 10 milhões eram soldados. O conjunto de Aliados teve um número muito inferior. Foram 665 mil, 380 mil e 417 mil, o número de vidas perdidas por França, Inglaterra e Estados Unidos, respectivamente.

Os números não deixam dúvidas. O nazismo apontou para a União Soviética seu poder bélico. O regime nazifascista e o movimento comunista se enfrentaram brutalmente no campo de batalha. Somente um sobreviveu para as décadas seguintes. Eles representam ideias e valores opostos e irreconciliáveis. Foram milhões de soviéticos que morreram nesse confronto. Homens e mulheres, camponeses e operários, heróis que são anônimos em seus rostos e nomes, mas que resolveram lutar pela libertação de seu país e em nome do movimento comunista e suas ideias de liberdade e igualdade entre os povos e a humanidade.

Justamente por isso, não podemos aceitar as falsificações históricas e mentiras fabricadas tanto pela extrema direita, quanto por liberais. Defender a história é também defender aquilo que temos de mais humano, que são os elos e ligações que mantemos com as gerações anteriores de mulheres e homens que passaram pela Terra. Nós não começamos do zero. O século XX não foi em vão, como diria Trotsky.

Nós temos a possibilidade de aprender com o passado, mas, para isso, ele não pode ser apagado ou modificado. Então, que mais uma vez fique registrado e seja lembrado. Quando os nazistas se renderam, no topo do Reichstag uma nova bandeira foi erguida no local. Ela era vermelha, carregando em sua cor o sangue dos communards franceses de 1848. Tinha uma foice e um martelo, exibindo a aliança operária e camponesa. E nas mãos daquele que a balançava, estava a força e a ideias de uma sociedade mais justa e igualitária. Ela era comunista.na