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O capitão e o carrasco: Quem é o “major Curió”?

Curió, no garimpo de Serra Pelada

Andar de cima

Acompanhamento sistemático da ação organizativa, política, social e ideológica das classes dominantes no Brasil, a partir de uma leitura marxista e gramsciana realizada no GTO, sob coordenação de Virgínia Fontes. Coluna organizada por Rejane Hoeveler.

Ana Carolina Reginatto

Em outro artigo publicado na coluna “Andar de cima”, mencionamos os vínculos da família Bolsonaro com o garimpo e como o “major Curió” se propôs a ser uma espécie de padrinho político de Jair Bolsonaro. Mas, afinal, quem é Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Curió? E por que o presidente da República o recebeu no Palácio do Planalto?

Nascido em São Sebastião do Paraíso (MG), Curió frequentou o curso de Formação de Oficiais do Exército na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Na década de 1970, como agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), participou das campanhas militares empreendidas contra a guerrilha do Araguaia.

O êxito dos serviços prestados o levou a ser nomeado interventor do maior garimpo a céu aberto do mundo, em Serra Pelada (PA), em 1980. Sua atuação na região acabou sendo “homenageada” com o batismo de uma pequena cidade como Curionópolis. Paralelamente aos trabalhos de interventor, Curió seria enviado ainda ao Rio Grande do Sul para organizar a repressão a um acampamento de famílias sem terra – em uma região conhecida como Encruzilhada Natalino. A coerção, no entanto, acabou fracassando e o acampamento foi um dos polos embrionários da organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em 1982, Otávio Medeiros e Newton Cruz, respectivamente, ministro-chefe e chefe da Agência Central do SNI, articularam a candidatura de Curió como deputado federal. No pleito de novembro daquele ano, o interventor consagrou-se vitorioso, representando o estado do Pará na legenda do Partido Democrático Social (PDS). Curió permaneceu no Congresso até o final da legislatura, em 1987.

Jair Bolsonaro seria eleito, pela primeira vez, como deputado federal dois anos depois e, segundo reportagem do The Intercept, apesar de não terem se esbarrado pelos corredores da Câmara, Curió e o futuro presidente passariam a compartilhar momentos de lazer em Brasília.

Em 1997, o ex-interventor foi eleito presidente da Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada – cargo que ocupou até 1999. Naquele mesmo ano, foi acusado de ter feito incursões na região do Araguaia para localizar ossadas dos militantes assassinados na guerrilha e, assim, evitar a identificação dos corpos pela então Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça.

Em 2009, depois de ter sido afastado de seu segundo mandato na prefeitura de Curionópolis, foi condenado por improbidade administrativa e teve seus direitos políticos cassados. Nesse ano, o “major” acabaria reconhecendo os crimes praticados no Araguaia e mostrando documentos para uma reportagem do Estadão. Segundo Curió, dos 67 integrantes da guerrilha, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam mais nenhum risco aos agentes da repressão. Em suas palavras: “a ordem de cima era de que só sairíamos quando pegássemos o último”.

No entanto, durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2011-2014), Curió não compareceu a nenhuma das três convocações para prestar depoimento, alegando problemas de saúde. Enquanto a Comissão seguia com suas funções, Bolsonaro fez questão de pendurar na entrada de seu gabinete na Câmara uma frase de Curió: “quem procura osso é cachorro”.

Desde 2012 o Ministério Público Federal (MPF) já ofereceu nove denúncias contra Curió, sob o argumento de que suas ações no Araguaia trataram-se de crimes de lesa-humanidade e, portanto, não são passíveis de prescrição ou anistia.

Assim como o antigo interventor de Serra Pelada, Bolsonaro também usufruiu de uma base eleitoral junto aos garimpeiros.  É bom lembrar que durante a campanha eleitoral de 2018, Curionópolis tornou-se um verdadeiro curral bolsonarista. Moradores de um bairro realizaram uma “vaquinha” para instalar um outdoor em apoio a Bolsonaro e algumas montagens na internet alteraram o nome da cidade para “Bolsonópolis”. O escárnio com a memória dos mortos e desaparecidos da ditadura é outro ponto que une o capitão ao carrasco do Araguaia. Ao receber Curió no Palácio do Planalto, um dia após se reunir com manifestantes que pediam intervenção militar, Bolsonaro atiça seus “fiéis” ensandecidos e continua a provocar o que ainda resta da democracia brasileira.

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