Pular para o conteúdo
MUNDO

A “nova normalidade” e a repressão do governo chileno

Raul Devia Ilabaca e Graciela Zavala Prado, San Antonio (Chile)*. Tradução: Ge Souza

O Governo do Chile aproveitou a pandemia do coronavírus em dois aspectos: por um lado, aprofundou o modelo econômico neoliberal com leis e decretos governamentais que procuram responder às necessidades da população através de mais subsídios estatais, como o Bônus Covid de 60 dólares (R$ 360,00) para as famílias mais vulneráveis, e um complemento para o salário mínimo, também de 60 dólares, pago pelo governo aos trabalhadores e trabalhadoras que recebem um salário mínimo, isto é, o estado paga a estes trabalhadores, em vez das empresas o fazerem para que sigam trabalhando.

LEA EN ESPAÑOL

Por outro lado, precariza as condições dos trabalhadores através da promulgação da chamada “Lei do teletrabalho”, ao mesmo tempo que protege as empresas com a “Lei de proteção ao emprego”, que permite aos empresários suspender as relações trabalhistas por até 6 meses, ou ainda reducir a jornada de trabalho em até 50%, liberando o empregador de pagar o salário total ou parcial, de acordo com cada caso.

Quem paga pela crise? Cada trabalhador (a) deve ir na administração dos fundos de indenização1, para requerer, do seu fundo, que lhe seja pago mensalmente um percentual do salário que começa em 70%, e vai sendo reduzido até chegar a 45%. A crise no Chile está sendo paga pelos trabalhadores e trabalhadoras, com nossas próprias economias, para serem usadas em caso de demissão, e com a redução de nossos salários.

Em mais uma amostra dos privilégios que gozam as elites econômicas no Chile, esta Lei, ao não diferenciar as empresas pequenas, médias e grandes, permite a poucos grupos como Cencosud2, de Horts Paulmann, acumular riqueza através da distribuição de lucros multimilionários, em níveis superiores aos permitidos legalmente, em vez de pagar os salários de seus trabalhadores, enquanto tentam permanecer vivos para continuar desfrutando da própria riqueza.

Por outro lado, desde o início da crise social no Chile, em outubro de 2019, o governo tem respondido com medidas autoritárias, estado de exceção e repressão massiva contra quem se manifesta nas ruas do Chile, deixando um rastro de morte, mutilados e presos, que já são 2.500 companheiros e companheiras, que se encontram detidos nos diversos presídios do País.

Após o fim do verão, no início de março, começou uma onde de manifestações que teve seu ápice no 8M, com uma histórica participação em nosso País, e que foi destaque em todo o mundo. No dia 18 de março foi decretado o estado de exceção no País, por causa da pandemia mundial. O primeiro ato do governo, foi decretar o toque de recolher entre as 22h e as 05 horas da manhã, com a presença dos militares nas ruas, para garantir o cumprimento desta medida autoritária, como nos melhores tempos da ditadura de Pinochet. Sem dúvida, a pandemia nos obrigou a fazer quarentena, mas o isolamento foi parcial em algumas cidades. O governo, nestes dois meses achou que tinha controlado a pandemia, e chamou a volta a “Nova Normalidade” ou ao “Retorno Seguro”, propondo abrir escolas, o comércio, além de bares.

Dessa forma, chegamos a segunda-feira, 27 de abril, dia do 93º aniversário dos “Carabineros do Chile”, uma instituição policial, que nos últimos anos revelou a corrupção existente no seu alto comando, através do roubo de 30 milhões dos cofres públicos, com vários de seus generais sendo afastados e processados por isto, e que também tem uma lista extensa de mortes, mutilações e presos políticos, nos últimos 6 meses.

Por esta razão, um grupo de companheiras e companheiros, queríamos lembrar as vítimas da violência policial com uma vigília em frente ao quartel dos carabineiros. Neste dia a polícia agiu da mesma maneira que vem agindo há seis meses, com repressão, resultando na prisão de 13 manifestantes, entre eles, dois companheiros de rádios comunitárias, um da Radio en Acción, Milko Caracciolo, e outro da Radio la Base, Iván Guzmán, que ficaram presos por cerca de 5 horas, antes de serem liberados.

Posteriormente, na comemoração do 1º de Maio, data de grande importância para os e as trabalhadoras e suas lutas, a Mesa de Unidade Social de San Antonio convocou uma caravana, conjuntamente com o Sindicato da Construção da província de San Antonio, na Praça da cidade, às 12 horas, no dia 1º de maio.

No dia do ato, reunimos cerca de 40 pessoas, todas usando máscaras, luvas e mantendo distanciamento, de acordo com as normas sanitárias vigentes. A pesar de todos esses cuidados, quando o grupo tentou avançar, alguns caminhando e outros em seus carros, não conseguimos andar nem duas quadras, e fomos interrompidos pela polícia, fomos reprimidos, e alguns ativistas foram detidos, quando gravávamos a ação das forças policiais e militares, ação esta claramente seletiva, que acabou prendendo Milko Caracciolo, da Radio en Acción.

Eu mesmo, Raul, fui perseguido por vários efetivos policiais até que conseguiram me deter, em mais um exemplo da seletividade da polícia, que com isso quer amedrontar e calar os que lutam e registram as ações policiais, apoiados pela Intendência Regional, que abriu um processo contra nós.

Mas, seguimos firmes em nossas convicções, e vamos continuar nos manifestando sempre que seja necessário, tomando todas as medidas de segurança necessárias, para não arriscar nossas vidas (e as dos outros) pelo coronavírus, bem como tomar cuidados com a repressão. A luta continua.

 

*Raul Devia Ilabaca é Dirigente Regional do Partido Comunes de San Antonio e Graciela Zavalo Prado é Conselheira regional do Partido Comunes de San Antonio

NOTAS

1 NT: corresponde ao Fundo de Garantia que temos no Brasil, só que no Chile são administrados por empresas privadas.

2 Cencosud – Centros Comerciales Sudamericanos S.A é um consórcio empresarial multinacional chileno, que atua em vários países da América do Sul, principalmente no setor varejista.

LEA EN ESPAÑOL

Marcado como:
chile / repressão