Pular para o conteúdo
BRASIL

A capilarização da política de morte de Bolsonaro: Uma análise das medidas de reabertura do comércio em Volta Redonda durante a pandemia

Aline Caldeira Lopes
Fernando Frazão/ Agência Brasil

“Entendo que o colapso que se aproxima não é apenas o da saúde, mas o financeiro também e devemos começar a programar a volta para a vida normal (…)”, disse Rodrigo Drable, prefeito de Barra Mansa.

A entrevista do prefeito da cidade de Barra Mansa (vizinha a Volta Redonda) dá o tom do cenário da pandemia de COVID 19 no sul do Estado do Rio de Janeiro e está em consonância com a orientação política do “E daí”, começando a se capilarizar em cidades por todo o país.

Há cerca de uma semana a cidade do interior fluminense reabriu seu comércio, a despeito das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em relação ao isolamento social como medida mais eficaz para a contenção do colapso do sistema de saúde.

No dia 04 de maio de 2020 foi a vez da cidade de Volta Redonda. A maior cidade do sul do Estado, que comporta o parque industrial da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e recebe grande fluxo de trabalhadores de outras cidades diariamente, iniciou a flexibilização das regras de isolamento social e reabriu seu comércio com previsão de escalonamento, de modo que após o dia 18 de maio os shoppings centers estarão abertos. A medida foi estabelecida a despeito da cidade ter contabilizado, no dia de 03 de maio de 2020, 496 casos de pessoas infectadas pela covid-19 e ter sido mencionada como o epicentro da pandemia no Sul do Estado.

Volta Redonda está situada há cerca de 130 km do Rio de Janeiro e tem recebido pacientes da já colapsada rede pública da capital por meio do Hospital Estadual Zilda Arns (80 UTI e 149 enfermaria). Ainda assim, o Município de Volta Redonda e o Ministério Público Estadual homologaram um acordo judicial de reabertura do comércio na cidade, às vésperas do Dia das Mães.

Segundo o referido acordo, caso o quadro da pandemia se agrave as medidas de flexibilização deverão ser suspensas:

(…) desde que verificada sua necessidade pelos órgãos sanitários municipais, em especial, caso ocorra a ocupação de 50% dos leitos de UTI das unidades hospitalares da rede pública municipal, a ocupação de 60% dos leitos do Hospital de Campanha localizado no Estádio Raulino de Oliveira ou no caso haja aumento do número de casos suspeitos em percentual acima de 5% (cinco por cento) por dois dias seguindo, sendo certo que o MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA EDITARÁ, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, novo decreto restringindo as atividades com o funcionamento estritamente das atividades essenciais, pelo prazo mínimo de 07 nos termos dos decretos atualmente vigentes.

O texto do acordo fundamenta a medida, inicialmente, no “Boletim Epidemiológico Especial sobre Corona Vírus” (Ministério da Saúde). O documento define critérios de distanciamento social e recomenda que municípios e estados que “não tiveram ultrapassado o percentual de 50% de ocupação dos serviços de saúde”, após a pandemia de coronavírus, possa migrar para um formato que somente alguns grupos sociais permaneçam em isolamento.

Nota-se que tal fundamento pressupõe já estarmos num momento pós- pandemia na região, quadro que nenhuma análise científica confirma. Além disso, a eficácia do isolamento restrito a alguns grupos sociais não é confirmada por nenhum estudo científico que goze de credibilidade.

Outro fundamento do acordo é a manutenção da “ordem econômica (…), nos termos do artigo 170 da Constituição Federal”, na linha do que vem sendo defendido pelo governo federal desde o início desta crise. A experiência de países que defenderem esta estratégia, no entanto, demonstra o colapso tanto econômico quanto do sistema de saúde, pelo simples fato de que não há que se falar em economia sem trabalhadores vivos.

Percebe-se, com base em ambos os fundamentos do acordo aqui analisado, quais sejam, o documento do Ministério da Saúde e a manutenção da ordem econômica, a forma como a política de morte de Bolsonaro vem se capilarizando por municípios e Estados do país, posicionando-se em sentido oposto às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Com suposto fundamento técnico, legitimado pelo poder simbólico do judiciário, o acordo descreve a atual situação de disponibilidade de leitos no município (com “25 leitos e UTI e/ou Sala Vermelha e 156 leitos de enfermaria destinados aos pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid-19”) como forma de enquadrar a cidade no critério de ociosidade da rede pública recomendada pelo Ministério da Saúde. No entanto, o documento não apresenta sequer uma linha sobre a disponibilidade de respiradores.

De acordo com o documento, portanto, a reabertura dos estabelecimentos não-essenciais deve estar de acordo com os seguintes parâmetros:

  1. O número de casos suspeitos de COVID-19 não aumento mais do que 5% por mais de 2 dias seguidos;
  2. O número de leitos ocupados no Hospital de Campanha localizado no Estádio Raulino de Oliveira não ultrapasse 60% de sua capacidade;
  3. O número de leitos ocupados de UTI/CTI municipais, destinados pelo município em seu Plano de Contingência especificamente ao tratamento de casos suspeitos ou confirmados da COVID19, não ultrapasse 50%;
  4. O decreto preveja a obrigatoriedade do uso de máscaras por todas as pessoas que saírem de suas residências/
  5. O decreto proíba a realização de qualquer evento ou funcionamento de qualquer atividade que cause a aglomeração de pessoas/
  6. Os shopping centers deverão permanecer fechados, no mínimo, até o dia 18 de maio de 2020 e, na hipótese de abertura, deve ser limitado o número de pessoas no interior de tais centros comerciais.

Tais parâmetros, que constituem o elemento central do acordo de reabertura, como já foi dito, simplesmente não dispõem sobre a necessidade de disponibilização de respiradores para a população, omitindo-se num aspecto fundamental para a garantia da diminuição da taxa de mortalidade da doença. 

De acordo com reportagem do dia 18 de abril de 2020, do G1, a rede pública de Volta Redonda só possuía, na ocasião, 18 aparelhos. O Secretário de Saúde, Alfredo Peixoto afirmou ainda que os leitos de terapia intensiva voltados para os pacientes infectados com coronavírus eram 15 na data: três no Hospital do Retiro, três no Santa Margarida e nove no São João Batista. Afirmou ainda que 20% desses espaços e equipamentos já estavam ocupados e “que o cobertor precisa ser maior”. Cerca de dez dias depois foi assinado o acordo de reabertura do comércio não essencial na cidade.

 

Aline Caldeira Lopes é Advogada de Direitos Humanos, Doutora em Teoria do Estado e Direito Constitucional (PUC-RJ) e Membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ.