O encontro de Moro e Bolsonaro, se não chega a ser fruto de um cuidadoso planejamento, também não é exatamente um acidente histórico. Bolsonaro, não sendo a escolha preferida da burguesia brasileira, apresentava a vantagem de encarnar, com muita desfaçatez, o discurso de ser um político “antissistema”. Nada mais falso, visto que a este pertence com tamanha afinidade que nenhuma contrapartida ofereceu ao povo brasileiro, nem mesmo à sua base mais antiga e fiel de apoiadores, nas suas décadas de “atividade” parlamentar (exceção feita às defesas das pautas corporativas dos militares). Sérgio Moro, este já com uma roupagem mais simpática aos setores golpistas da burguesia nacional e com afinidade estética com o grosso da classe média brasileira, já foi muito mais facilmente abraçado e incensado pela grande mídia. Mas, além da empatia pela cafonice e a realização do desejo infantil de transpor heróis dos quadrinhos para a realidade, o agora ex-juiz e ex-ministro mostrou uma característica fundamental para as pretensões golpistas que rondavam aquele Brasil do ocaso dos governos petistas: a disposição para burlar normas, leis e fazer o que fosse preciso para viabilizar a necessária interferência no processo eleitoral de 2018.
Feita a conversão de Bolsonaro, via Paulo Guedes, ao neoliberalismo, e verificada a adesão cada vez maior do ex-capitão entre as massas, a sua postura fascista declarada (e não velada, como preferiam as elites brasileiras) passou a ser tolerada. Sérgio Moro, herói por tirar o líder das pesquisas eleitorais do jogo, para a surpresa de ninguém deixa a magistratura e assume um ministério no novo governo. De lá pra cá, Bolsonaro e Moro dançam e jogam, são bailarinos e ao mesmo tempo enxadristas. Seguem exemplos:
1- Bolsonaro sabe que o arrivismo de Moro não tem no Ministério da Justiça seu fim. Há voos mais altos no Executivo ou no Judiciário. Um dos destinos desses voos, o STF, por enquanto está nas mãos de Bolsonaro;
2- Moro, mais popular que o próprio presidente, encampou, a despeito de tímidas resistências, a pauta do armamento e do tal “excludente de ilicitude”. Em nome do bom trânsito com o chefe, não se furtou a participar ativamente do projeto neofascista, o que tentará negar nos seus próximos movimentos políticos;
3- As revelações do The Intercept Brasil sobre os crimes cometidos por Sérgio Moro na Operação Lava-Jato invertem o jogo. De avalista do governo Bolsonaro, o ex-juiz passa a ser avalizado por este, o que muito agrada ao ex-capitão;
4- Passada a tempestade, a blindagem oferecida ao presidente por Moro começa a ficar cara. Os vínculos de Bolsonaro e família com o mundo do crime começam a ficar mais escancarados. A hora de pular do barco chegou e foi bem calculada. No bote salva-vidas microfones e holofotes, junto com uma boa dose de verniz democrático para contrastar com a amplificação do discurso autoritário do Planalto.
Isto posto, cabe reafirmar que, embora o desgaste do governo seja importante e sinalize algum grau de debilidade e fragilidade do projeto que o mesmo representa, não podemos criar nenhum tipo de ilusão sobre esta disputa. O Fora Bolsonaro ganha as redes e as varandas. Em breve terá também que ganhar as ruas. Sua queda, ainda no campo especulativo, precisa ocorrer por nossas mãos, impedindo o protagonismo daqueles que estão ao lado de Moro. Estes, servirão o mesmo prato: nós. Apenas querem uma mesa mais bem decorada.
*Mendel Aleluia é professor do Instituto Federal Fluminense.
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