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De qual geladeira Paulo Guedes está falando?

Em defesa dos servidores públicos

Marcelo Sitcovsky, de João Pessoa, PB.
Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Paulo Guedes, ministro da Economia, que acusou os servidores públicos de “estarem em casa, com as geladeiras cheias”

Se há algo obsessivo no Ministério da Economia, certamente é o ataque aos direitos de servidores públicos. Pelas mãos de Paulo Guedes somos alçados ao posto de inimigo número 1: em todas as oportunidades a resposta é sempre a mesma, a culpa são os servidores públicos.

Nunca é demasiado lembrar que a “reforma” da Previdência, aprovada no ano passado, mirou em cheio nos direitos previdenciários de servidores públicos federais, estaduais e municipais. Os resultados de curto, médio e longo prazos são devastadores, basta recordar que a “reforma” fará com que o conjunto dos(as) trabalhadores(as) trabalhe mais e receba menos no futuro, isso se vierem a se aposentar algum dia. Entre tantos efeitos perversos, destacamos o confisco salarial, resultado do aumento das alíquotas de contribuição para a previdência que passaram a ser descontados no mês de março. Combine este confisco salarial com a política de aumento zero praticada nos dois últimos anos e com a situação das perdas salariais acumuladas em 33%, de acordo com as entidades nacionais de servidores públicos federais, baseadas em estudos e dados do Dieese. Portanto, a geladeira dos servidores não está cheia, Senhor Ministro.

A obtusa obsessão do ministro Paulo Guedes em reduzir o tamanho do Estado, destruindo as políticas sociais, promovendo privatizações, retirando direitos e, entre eles, os salários de servidores públicos federais deixa, propositalmente, de fora dos cálculos de gastos – para alcançar a tão sonhada austeridade fiscal – a sangria de recursos dos cofres públicos destinada ao sistema financeiro (bancos e especuladores). 

Em outras oportunidades já destacamos o assalto ao fundo público, praticado no país há vários anos, operado pela política econômica que privilegia o pagamento de uma dívida que sequer se permite uma auditoria cidadã. Ano após ano, bilhões e até mesmo trilhões de reais são desviados do Estado que poderiam estar sendo utilizados em políticas sociais, mas na verdade enchem as geladeiras de especuladores financeiros. Os estudos e pesquisas nesta área são inúmeros e estão repletos de dados e análises que comprovam o desastre social que a adoção desta política representa para a população brasileira, ampliando dramaticamente as desigualdades sociais. 

A adoção da agenda ultraneoliberal de Paulo Guedes apenas reforçou isso, basta pegar um exemplo recente. Em meio às medidas do governo frente à pandemia do Coronavírus, a geladeira do sistema financeiro foi abastecida com R$ 1,2 trilhão. Em contrapartida, os bancos assumiriam o compromisso de disponibilizarem recursos para empresas e famílias brasileiras, através da concessão de empréstimos, ou seja, fazendo aquilo que sempre fazem e ainda recebendo do Estado brasileiro condições especiais de risco zero, por meio da emissão de papéis muito bem renumerados pelo Banco Central.

Trata-se de um grande negócio patrocinado pelo Estado brasileiro, uma verdadeira farra com os recursos públicos que são arrecadados através de impostos e contribuições. Mas então quem se alimenta desta política econômica? Quais as geladeiras cheias? 

Segundo estudo de Rodrigo Ávila (2019), o governo, alegando sigilo bancário, tem se negado a fornecer os nomes dos beneficiários dos títulos da dívida. A figura acima “[…]mostra a distribuição dos tipos de detentores de títulos da dívida federal, sem as omissões constantes nos dados comumente divulgados pelo Tesouro Nacional. Verifica-se que os bancos, investidores estrangeiros e as seguradoras (que possuem grande ligação com bancos) já respondem pela maioria do estoque da dívida interna”. Sobre os 19% que estão nas mãos de Fundos de Pensão, Ávila esclarece que, “com a chamada “Previdência Aberta”, ou seja, onde qualquer pessoa – inclusive milionários e banqueiros – podem colocar suas economias” não é possível identificar quem são os detentores dos títulos. Ainda de acordo com Rodrigo Ávila, “[…] a única forma de tentar estimar a participação dos Fundos de Pensão na dívida interna federal é por meio do ‘Informativo Mensal da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar’, onde se diz que os Fundos de Pensão aplicavam (em novembro de 2017) R$ 430,2 bilhões em investimentos de ‘Renda Fixa’, dentro os quais se incluem títulos da dívida interna federal” (idem). Conclui-se, então, na esteira da argumentação de Ávila, que os detentores dos títulos, aqueles que estão com as geladeiras cheias, que se beneficiam dos bilhões de reais são os grandes bancos e especuladores financeiros.

Outro dado importantíssimo quando estamos diante de mais um ataque aos assalariados, desta vez os servidores públicos, sob a justificativa de ser oferecida uma cota parte para o enfrentamento da pandemia e dos seus desdobramentos econômicos, é retomar a questão sobre a taxação das grandes fortunas. De acordo com os dados disponíveis no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), da ONU, o 1% mais rico do Brasil concentra 28,3% da renda total do país.

O Índice de Desenvolvimento Humano que é um indicador dos vários disponíveis, passível inclusive de críticas sobre aspectos metodológicos, permite-nos uma aproximação sobre a realidade do Brasil e ainda estabelecer comparações entre países. O índice considera três dimensões: renda, saúde e educação. Nestes aspectos o país figura entre os países mais desiguais do mundo. O relatório intitulado, Além do rendimento, além das médias, além do presente: Desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI, destaca os altos índices de desigualdade no Brasil. Segundo relatório, as pesquisas domiciliares no Brasil mostraram que os 10% mais ricos receberam mais de 40% da renda total do país em 2015. Quando consideradas todas as formas de renda, não apenas as reportadas nas pesquisas domiciliares, as estimativas sugerem que os 10% mais ricos de fato concentram 55% do total da renda do país.

Há, neste momento, uma campanha que envolve as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, além de centrais sindicais e partidos de esquerda, defendendo a taxação das grandes fortunas. É possível ler no documento de divulgação da campanha que, “[…]Precisamos taxar quem ganha mais e diminuir de quem ganha menos, dos mais pobres. De cada mil contribuintes, apenas 8 contam com uma renda mensal de mais de 80 salários mínimos. Essa elite responde sozinha por um terço de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros, sendo que metade dessas pessoas chega a ganhar em média 4 milhões de reais por mês!”

No mês de março, quando o Congresso Nacional foi decidir sobre as medidas que deveriam ser adotadas no enfrentamento da Covid-19 e como ajustar o orçamento federal, a tese da redução da despesa com pessoal foi acionada. Naquela oportunidade destacamos que, Paulo Guedes, Bolsonaro, Maia e seus associados nunca abandonaram o programa de destruição dos serviços públicos e estavam se aproveitando da crise sanitária para empurrar a todo custo as medidas da “reforma administrativa”. Mais uma vez cabe retomar nosso argumento, a despesa com pessoal em 2019 foi de R$ 180,41 bilhões, diante de um Orçamento de cerca de R$ 3 trilhões. As necessidades orçamentárias, frente a pandemia e seus efeitos econômicos, exigem mudança de rumo na economia política praticada no país. É preciso gastar, promover investimentos sociais que permitam gerar empregos, garantir direitos e dinamizar as economias locais. Cortar, reduzir ou congelar salários de servidores, além de injusto e desumano, não ajuda na recuperação da economia. O mesmo serve como argumento sobre as criminosas medidas de redução salarial dos trabalhadores em geral.  

As geladeiras abarrotadas são as das pouquíssimas famílias de banqueiros e especuladores financeiros, que promovem banquetes com os recursos drenados do fundo público brasileiro e que alimentam a opulência dos milionários brasileiros. Taxar 0,3% da população brasileira pode salvar 70% mais pobres!

 

Referências

ÁVILA, Rodrigo. Mentiras e verdades sobre a dívida pública. 2019. (disponível em https://www.cadtm.org)

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Além do rendimento, além das médias, além do presente: Desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI. Relatório do Desenvolvimento Humano, 1 UN Plaza, New York, NY 10017 USA, 2019.

 

 

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