A saída de Moro do Ministério se revelou um verdadeiro terremoto político, com potencial de dividir a base de apoio do governo, que já vinha se enfraquecendo, e, por si só, aumenta a temperatura da atual crise política e institucional. A intensificação da crise política se combina também com o crescimento significativo do número de infectados e mortos pela pandemia da Covid-19 no Brasil. A situação começa a ganhar contornos de uma enorme tragédia humana e social. Pelos números oficiais, na última sexta-feira o Brasil atingiu a marca de 3.600 mortos e mais de 50 mil infectados. Em apenas 48 horas se somaram mais de 750 mortes. Isso sem levar em conta a grande sub-notificação e a ausência de testes existente em nosso país.
Ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro acusou diretamente Bolsonaro de buscar uma ingerência ainda mais direta na Polícia Federal (PF). Segundo Moro, o objetivo de Bolsonaro era mudar o Diretor Geral (DG) da PF, Maurício Valeixo, além de outros superintendentes da instituição, para interferir em inquéritos abertos. Como já é público, Bolsonaro já queria mudar o DG da PF desde o ano passado.
A fala do ex-juiz aponta também que o presidente quer ter acesso direto a informações privilegiadas e reservadas disponíveis na PF, por isso a necessidade de indicar uma chefia total e diretamente subordinada a ele. Ainda segundo o agora ex-ministro, na mira do atual presidente havia uma preocupação específica, o controle sobre dois inquéritos abertos: um sobre as Fake News e outro, mais recente, sobre os protestos golpistas do último domingo. Ou seja, ele pratica um vale tudo para proteger ele, seus filhos e aliados políticos.
Moro diz ter alertado a Bolsonaro que a imposição da mudança na chefia da PF era uma interferência política na Instituição e o atual presidente disse que era isso mesmo. Fato que novamente é confirmado pelo próprio pronunciamento de Bolsonaro. Ele disse ainda que não concordou formalmente com a demissão de Valeixo, e que soube dela pela própria publicação no Diário Oficial. Portanto, sua assinatura na referida demissão ocorreu sem a sua autorização prévia.
Somam-se mais alguns itens importantes na já longa lista de crimes de políticos do atual presidente. A postura ultra autoritária de Bolsonaro ficou ainda mais evidente na sua fala arrogante, ao lado de seus ministros e outros apoiadores.
De fato, Bolsonaro demonstra mais uma vez seu objetivo de aprofundar a sua estratégia de fechamento do regime político atual, impondo ainda mais ataques às liberdades democráticas. A defesa da Ditadura está no DNA do bolsonarismo e da elite das Forças Armadas, que hoje dominam cada vez mais o atual governo.
Moro, um aliado do golpe e do bolsonarismo
Sérgio Moro não é inocente, longe disso. Foi figura central no conluio da Lava Jato, um dos principais combustíveis reacionários para o golpe parlamentar do Impeachment da ex-presidenta Dilma e foi também o responsável direto pelo impedimento da candidatura presidencial de Lula em 2018.
Como foi nitidamente demonstrado pelo The Intercept Brasil, suas ações como Juiz da Lava Jato acabaram por interferir diretamente no resultado das eleições de 2018, sempre a favor da vitória de um candidato afinado com o golpe de 2016.
Por isso, foi retribuído pelo atual presidente com o convite para o Ministério da Justiça, cargo que começou a ser negociado ainda durante o segundo turno, quando Moro ainda tomava decisões judiciais contra a campanha de Haddad.
Moro não é independente, nem luta de fato contra a corrupção na política brasileira e muito menos defenda as liberdades democráticas. Por isso, não teve nenhuma dificuldade de se aliar ao bolsonarismo. Afinal, ele próprio é um representante de uma extrema direita ultra-reacionária que ganhou peso em nosso país nos últimos anos.
Ao contrário do que falou Bolsonaro no seu pronunciamento, o ex-Ministro da Justiça atuou várias vezes para proteger a família Bolsonaro e o próprio presidente, colocando empecilhos para o prosseguimento de algumas investigações importantes.
Exemplos não faltam, como na questão das investigações sobre o envolvimento da Família Bolsonaro no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes – uma preocupação recorrente de Bolsonaro; sobre as estreitas relações do seu clã com as milícias do RJ; sobre as irregularidades financeiras no mandato de Flávio Bolsonaro através do esquema chefiado por Fabrício Queiroz na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, entre outros fatos.
O fato de Moro ter sido um aliado fiel do bolsonarismo o transforma em um acusador insuspeito. É inadiável e ainda mais importante uma apuração transparente e profunda de todas as acusações que ele apresentou diretamente contra o presidente da República.
Ampliar a campanha pelo ‘Fora Bolsonaro’
A situação atual já passou de todos os limites. O STF deveria incluir diretamente o nome de Bolsonaro, seus filhos e aliados políticos nas investigações sobre os atos neofascistas e golpistas do dia 19 de abril. E o Congresso Nacional, especialmente o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), deveria abrir imediatamente uma investigação sobre os já inúmeros crimes de responsabilidades do atual presidente.
A PGR pediu para o STF a abertura de uma investigação sobre as acusações de Moro a Bolsonaro. Entretanto, não devemos ter ilusões. Não virá destes setores da velha direita e da maioria destas instituições uma atitude firme para fazer parar a escalada autoritária e, principalmente, este governo neofascista.
O momento exige a construção e o fortalecimento de uma verdadeira frente única dos explorados, dos oprimidos e da esquerda, para combinar a defesa da vida, dos direitos sociais e das liberdades democráticas, com a luta consciente para criar as condições necessárias para a derrubada deste governo.
Bolsonaro vem perdendo popularidade e está cada vez mais isolado politicamente. Mas, ele não é uma “carta fora do baralho”, porque mantém o apoio de parcelas importantes da população – apesar de toda a sua irresponsabilidade e seus crimes políticos, de setores importantes das grandes empresas e está sustentado pela elite das Forças Armadas, especialmente do Exército. Portanto, vamos precisar de muita luta para termos condições de derrubá-lo.
Os movimentos sociais e os partidos de esquerda devem se unir em torno da defesa da bandeira do Fora Bolsonaro e, não, apoiar a posse do general e vice-presidente Hamilton Mourão, cúmplice direto do atual presidente em todos os crimes deste governo contra a vida da maioria e às liberdades democráticas. Nossa saída deve ser oposta, apresentando a proposta da convocação de novas eleições presidenciais, realmente livres e democráticas.
Comentários