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Governo Bolsonaro: entre a burguesia e a burocracia militar

Marcos Correa/PR

Andar de cima

Acompanhamento sistemático da ação organizativa, política, social e ideológica das classes dominantes no Brasil, a partir de uma leitura marxista e gramsciana realizada no GTO, sob coordenação de Virgínia Fontes. Coluna organizada por Rejane Hoeveler.

por: Anderson Tavares*, do Rio de Janeiro, RJ

O coronavírus agudizou tensões que já estavam em curso adicionando um ingrediente  profundamente destrutivo no cenário político e econômico. O esgarçamento das instituições burguesas ocorre, pelo menos, desde o golpe de 2016 quando as classes dominantes resolveram por fim ao mandato constitucional de Dilma Rousseff. Antes disso, a paralisia institucional fora imposta pelos derrotados das eleições de 2014 e demais gangsteres da política, outrora aliados do petismo. Nas campanhas pela destituição da presidente, um setor de extrema-direita ganhou forma política, produziu líderes e se expressou politicamente na candidatura de Jair Bolsonaro, em 2018.

A crise econômica, agravada pela crise política, afundou o PIB do país em 2015 e 2016. Uma fraca recuperação ocorreu entre 2017 e 2019, mas ainda longe de retomar o auge do ciclo anterior à crise. As classes dominantes apresentaram as reformas como ponto central para saída da crise, em especial a reforma trabalhista e da previdência. A primeira entregue por Temer e a segunda por Bolsonaro.

Porém, já nos primeiros meses de 2020, o cenário externo ruim (conflito comercial EUA/China, guerra de preços do petróleo) não contribuía para melhora na atividade econômica interna, ao contrário do anunciado por Paulo Guedes. A acelerada piora da economia mundial, já sob reflexo do efeito do coronavírus sobre Ásia, Europa e EUA, e a necessidade de ampliação do orçamento federal para o combate à pandemia levou à inédita suspensão dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal desde a sua criação em 2000 .

Nesse cenário, as movimentações do governo com medidas emergenciais, em princípio, apontavam apenas para o resgate do empresariado. As medidas de flexibilização trabalhista se confirmaram com as MP’s 927 e 936 permitindo a suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salário, em negociação individual sem garantia de participação dos sindicatos. Logo em seguida, a medida que criou o auxílio aos informais fixada em R$ 200 e, depois das críticas, ampliada a R$ 600 e R$ 1.200, dependendo do caso.

A cruzada de Bolsonaro pela sua sobrevivência política, durante e depois da pandemia, define o padrão político do cenário atual. Apesar das críticas de diferentes setores às posições de Bolsonaro contra o isolamento social, na prática, ele está sinalizando ao empresariado e a sua base social mais orgânica. Parece um cálculo estreito, no qual cativa o apoio de setores fundamentais para sua sobrevivência política. Nunca é demais lembrar que o impeachment contra Dilma só decolou depois do apoio da FIESP e CNI. A oscilação entre o avanço e a moderação, nas ações de Bolsonaro, remete a um constante jogo de forças frente a militares, empresários e bolsonaristas mais orgânicos.

a) Apoio da grande burguesia monopolista

Os diferentes segmentos industriais têm pressionado o governo a garantir que suas atividades não sofram com o isolamento social, sendo garantidas as condições de funcionamento e de transportes para insumos e produção. Em suma, cada segmento da produção olhando pro seu próprio umbigo. A CNI defende a tese do isolamento vertical e testagem em massa na indústria, algo que é difícil de ser aplicado pela falta de testes e de capacidade de processamento dos mesmos.

A afinidade entre empresariado e governo pôde ser observada na conferência virtual realizada no dia 20 de março, entre o governo e um conjunto de grandes empresários, mediada por Paulo Skaf (FIESP). Dentre as reivindicações  destacam-se as realizadas pelo presidente da General Motors na América do Sul, Carlos Zarlenga, que pediu a garantia de liquidez e “muita flexibilidade no campo trabalhista” (1). Não coincidentemente, no dia 22 de março de 2020, foi baixada a MP 927 (2) que, dentre outras medidas, permite a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses.

O atendimento da solicitação pelo governo funciona como combustível de sustentação do governo junto à grande burguesia monopolista. Não se trata apenas de segmentos menores da burguesia, mas da conversão de partes de seu núcleo hegemônico, o grande capital monopolista, à defesa aberta de aspectos da política da barbárie, de defesa de seus lucros a qualquer custo contra a saúde da população. Isso se reflete na posição ambígua quanto à adesão ao isolamento social, com uma parte significativa se posicionando de forma contrária e defendendo o isolamento vertical, como demonstrado por Bortone e Hoeveler. Bolsonaro tem uma base nada pequena no conjunto do empresariado e diante da necessidade que o Estado atue tais segmentos reforçam seu apoio mediante o atendimento de suas demandas. Por outro lado, ainda há o segmento mais reacionário de empresários bolsonaristas que continuam promovendo as “carreatas da morte”.

b) As divisões no campo da direita

O bloco protofascista (igrejas, milícias, forças armadas/polícias, setores empresariais bolsonaristas), principal base social do atual governo, não está atuando unificado em relação ao corona vírus. No Rio, por exemplo, o governador Wilson Witzel disputa as mesmas bases e tem uma política deliberada de adesão aos protocolos de isolamento, assim como João Dória em São Paulo.

O Congresso, sob a liderança de Rodrigo Maia, atua como contraponto a Bolsonaro. Nesse sentido, é a alternativa de poder institucional de curto prazo diante das irrupções do presidente. Mantendo a aparência de estabilidade, Rodrigo Maia é projetado como liderança consequente em meio à crise institucional. O papel de Maia aumenta diante do virtual “governo por decreto”, via Medidas Provisórias, que estamos submetidos.

A crítica da mídia corporativa ao governo e às frequentes manifestações pela saída de Bolsonaro deve ser vista pela ótica de que este setor perdeu recursos significativos com esse governo em termos de propaganda oficial e tem se constituído como polo pensante das classes dominantes.

c) Militares: Golpe ou Autogolpe?

O mês de março foi marcado pelas insinuações golpistas do campo político de Bolsonaro: o motim da PM do Ceará, as manifestações convocadas no 15 de março, a aproximação do 31/3 (tragicamente comemorados por militares saudosistas dos anos de chumbo) com convocação para a porta dos quartéis. Havia, até então, o cenário para uma aventura golpista de Bolsonaro, como bem analisado por Mauro Iasi.

Porém, a chegada da pandemia do coronavírus no ocidente e no Brasil promoveu um fracionamento do cenário com a possibilidade do impeachment do presidente em favor de seu vice o General Mourão e a mais recente tutela militar sobre seu governo. Essa última movimentação promoveu uma mudança no cenário que foi o reposicionamento das figuras ligadas às Forças Armadas. A notícia de que o General Braga Netto assumiu o “Estado-Maior do Planalto”, endossada por alguns e contestada por outros , admite observar com cuidado as movimentações recentes do Planalto a partir das suas próprias demonstrações públicas. O formato da entrevista coletiva diária passou a contar com o conjunto da equipe ministerial envolvida, sendo mediada pelo General Braga Netto. Ex-chefe do Comando Militar do Leste, esteve à frente da mais importante ação do Exército nos últimos anos, a intervenção militar no Rio de Janeiro.

O tom moderado do pronunciamento presidencial do dia 31/3 também é uma indicação que vai no mesmo sentido das movimentações internas que envolve as Forças Armadas. O uso dos mesmos termos utilizados pelo Comandante do Exército, General Edson Pujol, considerando o coronavírus um dos “maiores desafios da nossa geração”, sinaliza esse arranjo. De quebra ganha a sinalização positiva do editorial de O Globo, de 02/04/2020.

Considerando que a eleição de Bolsonaro não foi um resultado apenas de sua própria iniciativa, mas da coordenação de importantes figuras das Forças Armadas como o General Villas Bôas, por exemplo, o predomínio desse segmento sobre o governo pode, ou não, passar pela manutenção de Bolsonaro no governo. Ainda que Mourão possa ser alternativa a médio prazo para certos segmentos das classes dominantes incomodadas com as ações de Bolsonaro, as movimentações recentes reposicionam as peças de apoio militar em torno da presidência e, mais que isso, defendendo certa estabilidade, pois não parece haver disposição entre militares para uma aventura golpista.

Numa sociedade de classes, na qual o Estado possui autonomia relativa, não é possível compreender as instituições estatais apenas pelos conflitos entre os “Poderes” ou entre as diferentes agências de Estado. O elemento decisivo nesses momentos em que a crise econômica se instala é  a luta de classes. As disputas no seio das classes dominantes, a qual se acrescenta o papel da burocracia militar, garante o equilíbrio momentâneo de forças. O governo conta com o apoio da grande burguesia monopolista que, apesar de reticente, não abandonou o barco e segue atendida pelas principais medidas de resgate do setor financeiro e de flexibilização das leis trabalhistas.

 

* Anderson é professor de História; militante do PCB e da Unidade Classista; doutorando em História (PPGH-UFF) e membro do Grupo de Trabalho e Orientado (GTO), coordenado pela Professora Virgínia Fontes.

Este texto foi publicado originalmente no site do Partido Comunista Brasileiro, dia 13 de abril de 2020: <https://pcb.org.br/portal2/25329/entre-a-burguesia-e-a-burocracia-militar/>

 

NOTAS

1 – Vídeo da conferência disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HjI8BX86r04>. A fala de Carlos Zarlenga começa em 49:45.

2 – A medida permite a suspensão do contrato de trabalho sem a garantia de manutenção do salário aos trabalhadores ou obrigação de manutenção do emprego. Sofreu fortes criticas, inclusive de Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Apesar da sinalização de que iria retirar a medida, ela ainda continua em vigor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm> Acesso em: 10/04/2020.

 

 

Referências bibliográficas 

João Roberto Martins Filho. Ordem desunida: Militares e política no governo Bolsonaro. Perseu, n. 18, 2019. http://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/320.

Mauro Iasi. “Análise de Conjuntura”. <https://www.youtube.com/watch?v=eIsXM7Y-blg>

Pedro Bado. “Quem poderá dar o golpe no Brasil?”. <https://pcb.org.br/portal2/25267/quem-podera-dar-o-golpe-no-brasil/>