“O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui.”
W. Shakespeare
A pandemia do Covid-19 não apenas acelerou as contradições econômicas da crise capitalista, igualmente amplificou tendências políticas que já haviam saído do submundo – as práticas neofascistas. Tais práticas emergiram desde do processo patrocinado pelas elites brasileiras, em associação com o grande capital internacional e que contou com a colaboração ativa dos três poderes da República e que culminou com o impeachment de Dilma. Aquilo que teve início na ante sala do golpe de 2016, o ovo da serpente, já deu crias (isso mesmo no plural) e, neste domingo, tomou as ruas mais uma vez pedindo o retorno da Ditadura.
As carreatas e “atos da morte”, como estão sendo chamados, tomaram as ruas desrespeitando às orientações de distanciamento social que estão inibindo a transmissão do Coronavírus. Os impropérios são tantos que ficaria difícil listá-los, o fundamental é que o clã dos Bolsonaros mantém a política que permitiu a eles sentarem nas cadeiras de presidentes (sim, igualmente o uso do plural se justifica, pois os filhos têm lugar e até gabinete no Palácio do Planalto); eles estão dobrando a aposta!
E os poderes estão perplexos com as ações irresponsáveis e todos sabem, criminosa, praticada pela família que diuturnamente divulga mensagens incentivando as mobilizações da morte.
Falam que estão preocupados com a economia, sabem eles que a economia, a produção, circulação e consumo de mercadorias depende da força de trabalho, mas vivem intensamente a ideologia – neste caso falsa consciência – de que o capital seria resultado do acúmulo de trabalho pretérito e que o Estado não pode interferir nas relações econômicas. No entanto, estão muito satisfeitos com as medidas que autorizam a retirada de direitos (redução de até 70% dos salários ou mesmo a interrupção dos contratos) e querem de todas as formas que os trabalhadores retomem ao trabalho mantendo seus lucros. Não esqueçam do volume de recursos já transferidos para o sistema financeiro, mais de R$ 1,2 trilhão injetado pelo governo Bolsonaro que teve como destinatários bancos e especuladores financeiros.
O que Bolsonaro e seus seguidores defendem é pura e simplesmente: salvar os lucros, mesmo que vidas tenham que ser sacrificadas. Esse raciocínio para os que assim pensam não causa nenhum constrangimento, pois dizem eles “todos os dias muitos já morrem e se não morrerem de Covid-19, morrerão de fome”. Acham um verdadeiro absurdo a adoção da renda mínima emergencial de R$ 600,00, pois continuam convictos que o programa irá incentivar a preguiça. Assumem as teses do pastor Malthus e aplicam uma boa dose de darwinismo social afirmando: os fortes se adaptarão e sobreviverão.
Muitos de nós estão perplexos com as atitudes de Bolsonaro e se perguntam por qual motivo esse ser desprezível ainda ocupa a cadeira da Presidência?
A resposta não é simples e não se resume ao apoio dos que pedem retorno da Ditadura e o amparo de setores militares que fazem parte de seu governo. As elites que colocaram Bolsonaro lá não têm acordo com a construção de saídas e alternativas. E parte desta elite doméstica ainda mantém apoio ao messias.
Por outro lado, na classe trabalhadora o discurso antissistêmico de Bolsonaro ainda têm seus adeptos. Mas a crise aberta com a pandemia abriu uma janela na fase regressiva que a classe trabalhadora está mergulhada. Não por acaso as organizações de esquerda estão, neste difícil momento, ainda mais desafiadas, pois é preciso aproveitar essa janela e encarar o enorme desafio: conquistar corações e mentes para as lutas em defesa dos direitos e das políticas sociais.
Estamos diante de uma tragédia anunciada. As ações do governo Bolsonaro têm um potencial destruidor. A chegada do coronavírus nas periferias dos grandes centros urbanos tem tudo para representar um desastre social e humanitário. As condições sanitárias, habitacionais e de uma forma geral de vida das populações nas favelas, por maior que possam ser os exemplos de solidariedade, tendem a beneficiar a transmissão do vírus de forma muito acelerada, daí o estrangulamento do sistema de saúde está bem próximo.
Em todos os lugares no mundo as respostas para enfrentar a crise sanitária têm sido a promoção de ações estatais, reforçando os serviços públicos de saúde e demais áreas sociais. Portanto, uma das tarefas que se coloca, para os que se identificam com a defesa da vida e contra os “atos da morte”, é a disputa política e ideológica em torno da ideia: é preciso salvar as vidas, para salvar a economia.
As saídas para a encruzilhada que nos encontramos não virá de outro lugar que não seja da luta social. Para exorcizar esses demônios é preciso luta de classes!
*Marcelo Sitcovsky é professor do Departamento de Serviço Social da UFPB.
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