Recentemente, o governador João Doria, do PSDB de São Paulo, autorizou a Polícia Militar reprimir e prender quem sair para as ruas enquanto houver quarentena. Uma evidente medida autoritária com intenção de evitar aglomerações durante a pandemia de Covid-19. Mas, quem a polícia vai agredir e prender?
Estado aparece com autoritarismo e repressão
Medidas autoritárias e de repressão já são postas à mesa para garantir isolamento e distanciamento social durante a pandemia, em vez de amplo investimento em campanhas de conscientização e políticas de assistência e distribuição de renda para todos, principalmente os mais pobres.
João Doria é um bom exemplo de governador reconhecidamente autoritário e orientado para os empresários que deu um giro de 180º graus durante a pandemia: declarou quarentena estadual, defendeu que pessoas fiquem em casa, chegou até mesmo a falar “vidas estão acima dos lucros”, para rebater as falas do presidente Jair Bolsonaro, que é contrário às medidas de distanciamento total e isolamento.
Mas logo no começo da pandemia, Doria deixou sua crueldade a céu aberto para quem quisesse ver: suspendeu contratos de serviços terceirizados nas escolas estaduais, fazendo com que merendeiras e motoristas de van escolar ficassem sem emprego; está implantando um improvisado ensino a distância nas escolas com amplo apoio do setor privado, ignorando servidores da educação para participar da decisão do processo.
E recentemente deu autorização para a Polícia Militar agir quando houver aglomerações de pessoas nas ruas, indicando que podem ir de orientações à repressão física e até mesmo prisão:
“Eu tenho convicção de que as pessoas seguirão a orientação. Até porque se não o fizerem, a segunda etapa será a de medidas coercitivas, podendo penalizar essas pessoas com as penas previstas em lei, que vão inclusive à prisão”. (Declaração de João Doria no dia 06 de abril de 2020)
Doria tem dito com frequência se apoiar na ciência, mas parece estar bastante inspirado com medidas autoritárias já implantadas em alguns países.
O primeiro-ministro ultranacionalista da Hungria, Viktor Orbán, que é admirado pelo clã da família Bolsonaro, instalou uma mudança de regime aprovada pelo parlamento do país, que concedeu-lhe plenos poderes para governar por meio de decretos e estabeleceu cinco anos de prisão para quem divulgar notícias falsas e críticas ao governo.
Outro terrível exemplo é do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que, embora tenha apoiado medidas de distanciamento como quarentena, num país de bilhões de pessoas, também implantou bloqueios com arame farpado nas vias urbanas e autorizou polícias a agredirem pessoas que saírem às ruas. Não bastasse castigo físico, essas agressões ocorrem com uso do constrangimento e tortura como procedimento: batem com longos tacos, parecidos com bambu, e ordenam pessoas a se agacharem entre os bloqueios de arame para apanhar. Até jornalistas foram alvo de agressão policial no país.
Periferias representam abandono do Estado
Notícias de mortes por Covid-19 nas periferias de São Paulo fizeram aumentar mais ainda preocupações e exigências de políticas públicas pela preservação das vidas na pandemia, porque comunidades periféricas são prova viva da permanente desigualdade do Brasil.
São Paulo é o estado mais rico do país e também onde, segundo dados da PNAD/IBGE, centenas de milhares de pessoas, de maioria negra, vivem com menos de R$ 20,00 por dia, aglomeram-se em casas pequenas, com precárias condições de vida e de moradia: em barrancos, morros, à beira de córregos, casas de madeirite, sem energia elétrica e cozinhando à lenha. Muitas pessoas adultas com pouca escolarização, indo até ensino fundamental, quando muito ensino médio.
Condições precárias de vida da população subalterna fazem com que haja mais risco de contágio e propagação de infecções respiratórias. Ao mesmo tempo, revelam um abandono histórico do Estado em garantir direitos para superar a desigualdade.
A atual pandemia do coronavírus está em larga expansão no estado de São Paulo, já com muitas mortes nas regiões periféricas das cidades do estado. A nível de Brasil, pessoas negras estão morrendo em maior proporção do que pessoas brancas, e ainda não há testes massivos para confirmar mortes por infecção de Covid-19.
De todo modo, disparidades econômicas entre os 1% e os 99%, junto com demarcações raciais e recentes políticas de cortes em orçamento de direitos sociais básicos, deixam explícitos que o Estado nega seu dever de garantir medidas de assistência social como direito das populações mais pobres.
Mas nas periferias o Estado está se propondo a aparecer com força de repressão policial, utilizando a pandemia para manter em prática um projeto de violência contra pobres e negros.
Repressão não salva vidas
A pandemia de Covid-19 é o assunto mais falado. Traz preocupação a cada dia sobre nossa sobrevivência, de adaptações da vida e já estamos lidando com mortes de pessoas próximas. Isso não deve ser justificativa para criar campanhas autoritárias de medo e terror.
Governos deveriam tomar medidas concretas de preservação da vida com investimentos em saúde para testes em massa, contratação de profissionais, aumento de quantidade de leitos, construção de hospitais e postos de atendimento de assistência social e psicológica para todas as pessoas, com prioridade para pessoas mais vulneráveis.
É urgente um programa de renda básica complementar do estado de São Paulo, pois é o estado com maior PIB do país. O Estado não pode deixar que os mais pobres, sem emprego ou trabalhadores de contrato informal morram de fome.
Junto com essas medidas de preservação de vidas dos mais pobres, Doria tem que multar empresas que não fornecem serviços essenciais que estão funcionando normalmente. Tem que implementar um plano emergencial no transporte público, em especial no metrô, que deve funcionar para transportar apenas quem precisa ser atendido pelo sistema de saúde e quem trabalha em serviços essenciais, como tem sido brilhantemente encampado pelo Sindicato dos Metroviários de SP.
É visível que medidas de distanciamento e isolamento sugeridas por equipes científicas e sociedades científicas da saúde são tomadas como norte das decisões políticas dos governos, mas é verdade que há uma crise de diferentes planos sobre o que fazer para garantir que as pessoas fiquem vivas.
Repressão não vai ajudar a combater coronavírus; vai servir como uma política de contenção social autoritária contra o povo pobre das periferias.
* Professor e militante do PSOL
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