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BRASIL

A MP 936: espoliação e morte

André Guiot*, de Duque de Caxias, RJ
CUT

A Medida Provisória 936,editada em 02 de abril, em síntese, autoriza as empresas a reduzirem, pelo prazo de até 90 dias, a jornada de trabalho e os salários da força de trabalho empregada formalmente de 25%, 50% ou 70%, percebendo um complemento salarial governamental calculado sobre percentual de um valor cuja base de cálculo é o seguro-desemprego (R$ 1.813,03), de igual proporção à perda salarial sofrida. A MP possibilita também a suspensão do contrato de trabalho sem remuneração salarial por período de até 60 dias, tendo o trabalhador o direito de receber tão somente o valor integral do seguro-desemprego.

Outra alteração profunda trazida pela MP é a possibilidade de acordo individual entre patrão e empregado para fins de redução salarial, afrontando regulamento constitucional (art 7º, VI) que dispõe “a irredutibilidade dos salários, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Coube ao ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidir que redução de salário da MP 936 só poderia ser adotada com manifestação do sindicato,[[1] em reposta à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ingressada pelo partido Rede Sustentabilidade. Note-se que partidos de oposição como o PT, PCdoB, PSOL e PSB também ingressaram com ADIN; e as associações de Procuradores do Trabalho e de Magistrados da Justiça do Trabalho manifestaram a inconstitucionalidade da MP – posições ignoradas pelo governo.

Em texto publicado neste portal, Cacau Pereira expôs o caráter deletério do alcance da MP 936 para a classe trabalhadora; entre outras análises críticas sobre a conhecida “MP da Morte”; e portanto não nos debruçaremos sobre ela detidamente. Cabe, entretanto, trazer algumas observações pertinentes.

A primeira delas é que a lógica que atravessa toda a MP 936 baseia-se no engodo de “salvar empregos e salários” (tanto é que ela institui o pagamento de “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda”) num contexto de desaceleração econômica brutal que já vinha ocorrendo. Na verdade, há muito pouco o que “preservar”: grandes parcelas da classe trabalhadora esgrimem-se cotidianamente para assegurar minimamente a reposição alimentar necessária para a sustentação e reprodução da força de trabalho, em precaríssimas formas de subemprego, num cenário em que a taxa de informalidade já ultrapassava os 40% da população economicamente ativa.

Os parcos seiscentos reais mensais assegurados temporariamente são utilizados pelo governo como instrumento de propaganda, enquanto que milhões trabalhadores e trabalhadoras são empurradas a garantir a sobrevivência (e de sua família) nos mais diferentes tipos de atividades informais, seja porque a “ajuda” é muito insuficiente, seja porque a inoperância ou descaso dos canais governamentais obstrui que o dinheiro chegue a tempo na ponta.

Para os formalizados, ou seja, aqueles que ainda mantêm relação empregatícia sob a égide da CLT, a situação é também dramática. A “ajuda compensatória” oferecida pelo governo, nos casos de reduções salariais e suspensão temporária do contrato de trabalho, é uma flagrante violência legal e extralegal dirigida contra a classe trabalhadora. Ao contrário do que ocorre no restante do mundo, as medidas adotadas constituem confisco salarial, pois provocará perda de cerca de 40% para todos aqueles que recebem mais de um salário mínimo. Isto sem pôr em relevo os milhões de trabalhadores que estão sob o sistema de home office, estafando-se física e psicologicamente com demandas e pressões patronais que ultrapassam, em muito, a jornada de trabalho contratada, invadindo o tempo destinado ao descanso e ao lazer familiar.

A redução brutal dos salários a que são submetidos os trabalhadores está sendo utilizada como um grande “balão de ensaio” para novos ataques num cenário pós-crise pandêmica. O ultraliberalismo da equipe de Guedes, com apoio incondicional das burguesias, reserva ainda um plano de suspensão de reajustes salariais dos servidores públicos (ou mesmo de redução) e de contratação de novos concursados, substituindo-os por novos terceirizados, abrindo flancos ainda maiores para o avanço privatista dos bens e serviços públicos: é a chamada “PEC Emergencial”, que traz outras iniciativas promotoras de uma dilaceração completa das relações de trabalho que vigoram até então e elevando-as a um patamar extraordinário a superexploração dos trabalhadores.

Nada disso está nos bastidores: Guedes já anunciou que a retomada da economia no contexto pós-epidemia será através de contrarreformas, programa de privatizações e redução dos encargos trabalhistas: “nossa saída, lá na frente, vai passar por redução de impostos, principalmente os mais disfuncionais. A retomada virá por aí, criar emprego tem que ser fácil, barato e estimulante” (destaque meu).

E, em pleno cenário pandêmico, a Câmara de Deputados aprova a MP 905 que institui o chamado “trabalho verde e amarelo”, atacando mais uma vez a CLT ao aprovar, dentre outras medidas draconianas, a redução da multa do FGTS de 40% para 20% e a possibilidade do empregador antecipar e pagar parceladamente, por mês, as férias e o 13º salário, além de permitir “que trabalhadores de shoppings centers, de serviços de automação bancária, telemarketing, aeroportos, terminais de ônibus, trem e metrô trabalhem aos domingos e feriados”. O texto da MP terá que ser aprovado pelo Senado até esta segunda-feira, dia 20 de abril.

 

* Doutor em História (UFF), Professor da rede municipal de Duque de Caxias e membro do Grupo de Trabalho e Orientação (GTO), coordenado pela professora Virgínia Fontes.

Notas

[1]   No dia 16 de abril o plenário do STF julgará a liminar de Lewandowski.