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Três notas sobre a tática da esquerda e a bandeira Fora Bolsonaro

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo.
Sabedoria popular portuguesa

 

1 – A decisão do Diretório Nacional do PT de recusar a proposta de agitação de Fora Bolsonaro foi, dramaticamente, errada. A luta por salvar vidas deve ser indivisível da luta para criar um movimento para derrubar Bolsonaro 

O que deve definir se a defesa do Fora Bolsonaro é uma orientação correta não é a relação política de forças desfavorável dentro do Congresso Nacional, mas a relação social de forças na sociedade, em especial, a opinião dos trabalhadores e da juventude. 

Fora Bolsonaro não era a melhor palavra de ordem, até um mês atrás, porque não existia então uma maioria na classe trabalhadora a favor. A defesa do Abaixo o governo dividia a nossa base social. A esquerda luta pela construção da unidade da classe. Uma palavra de ordem que fragmenta não é útil. Por isso, Contra Bolsonaro era mais útil. Mas, a realidade mudou. Fora Bolsonaro passou a ser correta porque foi se formando uma maioria na classe trabalhadora que se posiciona na oposição a Bolsonaro, embora haja círculos bolsonaristas, infelizmente, em todas as grandes empresas. 

A agitação de uma saída para a questão do poder oferece um horizonte que ajuda a elevar o ânimo, a confiança, e a disposição de luta da juventude e do povo. Fora Bolsonaro é uma palavra de ordem para a agitação porque não estão maduras as condições objetivas e subjetivas, por enquanto, para que ela se transforme em um eixo de ação.

A demissão de Mandetta teve uma repercussão grande na esquerda. As condições de confinamento e intensa interação nas redes sociais favorecem que estejamos em diálogo, essencialmente, com quem pensa mais próximo de nós, uma “bolha”. O isolamento é perigoso e favorece a exasperação, a impaciência, a raiva e até o desespero. Porque pode alimentar uma percepção equivocada da realidade. Há tanto o perigo de subestimar Bolsonaro, quanto o perigo de sobre-estimar a sua força.  Entre os dois, pela inércia acumulada nos últimos cinco anos, o mais perigoso é desconsiderar que Bolsonaro não é “tutelável”, é um animal político que vai lutar até o fim. Bolsonaro não “cai de maduro”, terá que ser derrubado.

2 – O impeachment de Bolsonaro não é iminente. O governo vem se debilitando, mas Bolsonaro não foi derrotado

Não são poucos aqueles que estão se perguntando, honesta e sinceramente, o que está acontecendo com a esquerda. Mas esta inquietação se inclina ou para o possibilismo ou para o maximalismo. 

Alguns defendem que era melhor procurar uma negociação e acordo, o mais amplo possível, com Doria, com Maia, com Gilmar Mendes, “com tudo” para retirar Bolsonaro da Presidência o mais rapidamente possível. Outros consideram que Bolsonaro ainda não foi derrotado, desde a tentativa de greve geral do ano passado, porque os principais partidos de esquerda não se engajaram, seriamente, porque existiria força social para enfrentá-lo. 

O desejo é uma força muito poderosa, mas nos engana. É verdade que é a vontade, quando se transforma em potência política coletiva, que pode transformar o mundo. Acontece que não depende de ninguém na esquerda, neste momento, a queda de Bolsonaro. A ilusão de que a classe trabalhadora está motivada para sair às ruas aos milhões para derrotar Bolsonaro, assim que acabar a quarentena, e basta que a direção do PT e Lula, ou o Psol, agirem uma frase revolucionária com poderes “mágicos” não tem qualquer fundamento. 

Por outro lado, hipoteticamente, sim, um impeachment de Bolsonaro seria melhor que Bolsonaro no poder. Mesmo que na forma limitada de um impeachment. Mesmo que fosse uma operação política “pelo alto”. Mesmo nos limites do rito constitucional que entrega a Presidência a Mourão. Mas esta linha não é possível. 

Não é possível, por enquanto, porque a esquerda não tem nem força social, nem presença institucional para precipitar esse desenlace. Simplesmente, porque aqueles que têm força social e política não estão dispostos a fazer andar para a frente um impeachment. Não porque Bolsonaro não tenha cometido crime de responsabilidade. Cometeu, evidentemente. Mas porque o centrão – PMDB, DEM, PSDB e satélites – não estão dispostos. Preferem exercer pressão sobre o governo para conter Bolsonaro e esperar as eleições de 2022.

3 – A crise vai se agravar, mas a esquerda está, realmente, dividida sobre o que fazer

Bolsonaro decidiu mais uma vez dobrar a aposta. Sentiu-se em condições de demitir Mandetta, partiu para a ofensiva contra os governadores, e apoia carreatas pelo “Fora Maia” porque mantém o apoio de uma fração burguesa, o apoio militar, e uma importante base social disposta a ir para as ruas, mesmo com a pandemia. 

Os conflitos de Bolsonaro se agravaram com: (a) o Congresso Nacional, em torno aos recursos que devem ser repassados aos Estados e Municípios; (b) o STF sobre o grau de autonomia que Estados e Municípios têm de organizar a quarentena; (c) os governos estaduais sobre a estratégia de combate à pandemia e flexibilização do distanciamento social. 

A crise vai se agravar porque a curva do crescimento exponencial da pandemia ainda vai disparar, e as sequelas destrutivas da interrupção da produção serão terríveis. Mas não é verdade que haja qualquer possibilidade, neste momento, de avançar um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. Bolsonaro não foi derrotado. A linha que predomina é a pressão sobre Bolsonaro. A maioria da classe dominante, mesmo em discórdia, se opõe ao deslocamento do governo enquanto o Brasil caminha para o pico da contaminação. E a burguesia, mesmo dividida, domina o Congresso.

A apresentação de um pedido de impeachment é somente uma tática parlamentar. Não é necessário ter uma maioria de deputados a favor para que a esquerda a defenda. Mas é necessário que haja uma maioria na classe que mais de concordar com ela, esteja disposta a lutar por ela. Não haverá derrota de Bolsonaro a “frio”. O futuro do governo não se decide em Brasília, mas nas periferias das grandes metrópoles. A solução institucional da luta pela derrubada de Bolsonaro vem depois. 

O PSOL deve se posicionar firme e, pacientemente, pela defesa da Frente Única de Esquerda. Mas o Psol deve, também, se apresentar como alternativa, porque a rigor o que parece que vai prevalecer é a tática da Frente Ampla. Enquanto o PCdoB defende a Frente Ampla, enérgica e coerentemente, e aceita apoiar o projeto de uma candidatura de centro para 2022, o PT permanece dividido entre os que defendem Fora Bolsonaro, e os que defendem até um governo de Salvação Nacional. 

O PSOL não pode deixar de apresentar outro caminho. A unidade na luta da esquerda contra Bolsonaro não pode diminuir a defesa de uma saída para a crise que tenha como eixo as eleições livres e diretas antecipadas, e a defesa de um governo de esquerda.

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