A crise entre Bolsonaro e Henrique Mandetta chegou ao fim nesta quinta-feira 16/04. O ministro, que há semanas vinha batendo de frente com o presidente, foi demitido na tarde de hoje. O centro da crise estava nas críticas públicas que Mandetta vinha expressando pelas posturas de Bolsonaro de estimular a quebra do regime de distanciamento social para o combate ao Coronavírus. Bolsonaro se reuniu no dia de hoje com o médico Nelson Teich e o apresentou como novo ministro da Saúde.
Em sua página na Plataforma Lattes, atualizada pela última vez em agosto de 2014, Nelson Teich informa que possui graduação em medicina pela UERJ (1980) e especialização em oncologia pelo INCA (1990). Na sua página pessoal no Linkedin, Nelson Teich se apresenta como fundador e presidente do GRUPO COI (Clínicas Oncológicas Integradas) de 1990 a 20 de maio de 2018. O COI foi adquirido em setembro de 2015 pela United Health Group / Amil. Além do COI, há informações públicas que ele foi gestor de outras empresas do ramo da saúde e representante da United Health Group no Brasil. Foi assessor (setembro de 2019 a janeiro de 2020) e consultor (fevereiro – março 2020) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro. No site da University of York, consta a informação de que Nelson Teich é estudante de Doutorado em Ciências da Saúde e Economia da Saúde.
Nelson Teich participou da equipe de programa do então candidato Jair Bolsonaro. Foi levado para compor a equipe por Paulo Guedes e foi um dos nomes ventilados para assumir o ministério da saúde no início do governo. Ainda durante a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro foi bastante criticado pelo pobre programa de governo para a saúde que apresentou. Falas sobre “fazer mais com os mesmos recursos” e “eficiência na gestão” se tornaram retóricas do presidenciável durante a campanha.
Não é de se espantar que textos e palestras de Nelson Teich foquem no tema da eficiência dos gastos de recursos e um sistema de saúde segmentado. Em 2019, num fórum de Oncologia, Teich defendeu “um sistema público segmentado por diferentes patologias e regiões” que funcione a partir do dinheiro que se tem à disposição, para assim avaliar a necessidade da população e buscar a eficiência do sistema. Todo esse discurso, vai na contramão dos estudos sobre o sistema único de saúde, que apontam a necessidade de fortalecer um sistema unificado de saúde, integral e resolutivo e corrigir a crônica defasagem de recursos públicos para o Sistema Único de Saúde.
Num vídeo de sua participação no 9º Fórum Nacional Oncoguia, duas falas de Teich chamam atenção: A primeira refere-se à sua afirmação de que o “sistema de saúde dos EUA é uma referência em termo de acesso” e a outra, uma provocação do oncologista sobre escolhas a serem feitas para o gasto financeiro em saúde, se “em pessoas idosas que tiveram uma complicação, mas que podem estar no fim da vida, ou em uma pessoa jovem que tem uma vida pela frente”. Teich parece desconhecer ou ignorar que apesar do gasto em saúde no EUA ter um valor per capita maior que o gasto brasileiro. Lá esse gasto está concentrado no setor privado, com pouco aporte de recursos públicos que empurram milhões de pessoas para a desassistência. O modelo privado de saúde dos EUA não pode ser referência em acesso à saúde, pois está ancorado na exclusão daqueles que não podem pagar.
Ao falar sobre a escolha do gasto em saúde para tratar um jovem ou um idoso, colocando a expectativa de vida como indicador de decisão, Teich mostra desconhecer que o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem como princípio a defesa da vida e a universalidade do acesso a saúde. O novo ministro da saúde não conhece e não possui experiência na gestão do sistema público de saúde. Seu discurso de gestor da saúde privada, com foco em eficiência e racionalização de recursos não combina com as necessidades de saúde do povo brasileiro, principalmente em tempos tão difíceis como o que agora enfrentamos na Pandemia de Covid-19.
Sua ligação com o United Health Group Brasil e a AMIL pode apontar que estamos diante de um ministro da Saúde que fará uma gestão orientada pela agenda das operadoras de planos e seguros de saúde, que querem um SUS menor, para pobres, permitindo que uma parcela maior de brasileiros entre no mercado de planos privados de saúde, de preferência um mercado segmentado por condição de pagamento, onde o Estado se exime da regulação e as operadoras ofereçam planos de saúde com coberturas diferenciadas a depender da capacidade de pagamento do contratante.
Recentemente, Nelson Teich se manifestou a favor do distanciamento social horizontal, que confronta com as ideias defendidas por Bolsonaro de volta à normalidade ou de distanciamento vertical. Resta saber se, em nome dos seus interesses e dos grupos empresariais que o apoiam, mudará de ideia e fará vistas grossas para a irresponsabilidade e políticas genocidas de Bolsonaro na condução da Pandemia de Covid-19 no Brasil.
* Henrique Saldanha é professor da UFBA e doutorando em Saúde Pública.
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