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As faces do neofascismo de Bolsonazi (8)

Paulo César de Carvalho

Paulo César de Carvalho, o Paulinho, é bacharel em Direito (USP), mestre em Linguística e Semiótica (USP), professor de Língua Portuguesa (lecionou na ECA-USP) e autor de materiais didáticos de Gramática, Redação e Interpretação de Texto. Publicou seis livros de poesia, constando em antologias literárias no Brasil e em Portugal (como em É agora como nunca, da Companhia das Letras, organizada por Adriana Calcanhoto). Compositor, tem canções gravadas por diversos músicos da cena contemporânea. Foi militante da organização trotskista Convergência Socialista.

Assim, o poder nacional (…) “é um conjunto de poderes que envolve todas as ações do Estado” (…) para impor a sua vontade pela lei, pelo prestígio, pela pressão social ou pela sujeição. Esses fatores diversos e heterogêneos articulam-se num projeto de ação global: a guerra ao comunismo. Porque o inimigo ataca em todos os planos, deve-se contra-atacar em todos os níveis (…). O conceito de poder nacional abre caminho para a militarização do poder e para a independência das forças de segurança em relação aos poderes clássicos da democracia burguesa (…). Com isso, entende-se que governar é o mesmo que dirigir tropas, como afirmou também Castelo Branco. A relação entre governante e governado passa a basear-se na hierarquia e na obediência cega.
(FIORIN, José Luiz. O regime de 64: discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988, p. 47-48).

8. Retrato do inimigo

Não é novidade que a justificativa do ex-capitão recalcado – que nunca pisou em uma universidade – para o ataque à autonomia universitária foi a suposta necessidade de fazer a remoção do “lixo marxista” das instâncias máximas de poder acadêmico, como vociferou com a habitual arrogância à imprensa: “Ali virou terra deles, eles é que mandam. Tanto é que as listas tríplices que chegam pra nós muitas vezes não temos como fugir, é do PT, do PCdoB ou do PSOL. Agora o que puder fugir, logicamente pode ter um voto só, mas nós estamos optando por essa pessoa”. É o mesmo discurso, não esqueçamos, do analfabeto ministro da Educação Abraham Weintraub: “Uma parte dos reitores veio do passado e tem ligação com PSTU, PSOL, PT, essas coisas maravilhosas”. Em nome dessa operação limpeza, aliás, é que o primeiro colocado na lista tríplice da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) recebeu veto presidencial: Fábio César da Fonseca, ex-filiado ao PT (de 1990 a 2005) e ao PSOL (entre 2007 e 2018), foi preterido pelo 2º colocado, Luiz Fernando Resende dos Santos Anjo. Em nota de repúdio à autoritária intervenção do Executivo, vale recordar, o professor eleito pela comunidade acadêmica assim se manifestou: “Trata-se de uma nomeação ilegítima, desrespeitosa e provocadora de instabilidades institucionais. Uma nomeação geradora e intensificadora de problemas na UFTM, pois nasce fragilizada, traz, em sua essência, a marca indelével da ilegitimidade e o caráter antidemocrático e antiético. No âmbito da UFTM, a nomeação do 2º colocado é ainda uma afronta à moralidade e à eficiência administrativa”.

Não é novidade que a operação neofascista de “faxina” da suposta “doutrinação ideológica” nas instituições de ensino superior afetou também a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), através da nomeação ilegítima do último colocado na lista, Janir Alves Soares. O professor Gilciano Nogueira, candidato à reeleição escolhido pelo Conselho Universitário e rejeitado pelo ex-milico sem diploma, registrou sua indignação contra a antidemocrática medida interventiva, cobrando explicações da estúpida caneta BIC despótica: “A democracia na instituição foi ferida de morte. Para Brasília, foi só uma decisão. Para nós, afeta o destino da instituição (…). O presidente diz que não quer reitor com viés de esquerda e quer que tenha capacidade de gestão. Basta olhar os números da universidade. Em termos de viés, passei por seis ministros da Educação. Fui presidente do fórum reitores de Minas Gerais. Se identificou viés em mim, gostaria de saber qual”. (The Intercept Brasil)

Não é novidade que Bolsonazi argumentou (“arjumentou”) indignado que considera um absurdo caber ao Presidente da República a função menor de apenas ratificar a escolha do colegiado acadêmico: como mandatário da nação, o chefe do Executivo é quem deve nomear aquele que lhe aprouver, sem se submeter a quaisquer julgamentos de “subalternos”. A título de comparação, não é demais lembrar que a extrema direita argentina repudiava a Reforma Universitária de 1918, através da qual se instituiu o órgão colegiado soberano e o sistema de concursos públicos e abertos para a admissão de docentes, valendo-se de pretextos muito parecidos aos do “inominável”. Por exemplo, o argumento de que as flexíveis regras democráticas estariam sendo “aproveitadas pelos marxistas para criar as condições da subversão total do princípio da autoridade, a frivolidade dos estudos e a progressiva eliminação da responsabilidade”, usado pelo fervoroso cristão Jordán B. Genta, interventor da Universidade Nacional do Litoral após o golpe de 1943, poderia ter saído da boca sem freios do pior aluno da classe que preside o Brasil ou do colega do “fundão” que está à frente do Ministério da Educação. O reacionário monsenhor Octavio N. Derisi, nomeado reitor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA) à época do golpe militar de 1966, pregava que a “democracia” introduzida pela Reforma Universitária teria sido uma manobra dos comunistas infiltrados. Um de seus admiradores fiéis, o advogado Carlos Sacheri, endossava a tese de que o movimento democrático fora “impulsionado pelos admiradores da Revolução Russa”, que estariam doutrinando a juventude com discursos profanos e antipatrióticos, professando “ódio à tradição e ao sagrado”. (Pensar as direitas na América Latina. Bohoslavski, Ernesto et al. (Org.). São Paulo: Alameda, 2019, p. 234-236).

Não é novidade que o discurso dos apologistas da Escola sem Partido retoma esse nefasto ideário. É o que se pode notar nestas linhas do artigo Anticomunistas e antirreformistas: os intelectuais de direita e a universidade na Argentina (1962-1974), comentando a doutrina formulada pelo ideólogo da extrema direita Patricio Randle: “[Ele] afirmava que a situação universitária tinha atingido definitivamente o fundo do poço porque a Universidade tinha se convertido em um comitê político, uma escola de doutrinamento e um centro guerrilheiro (…). A subversão especializada, denunciava, facilitava a desnacionalização e a descristianização dos espíritos, colocando em sério perigo a razão de ser na Pátria (…). Na Argentina, continuava, o procedimento dos concursos era uma fachada para incorporar os titulares e isso era uma indignidade que minava a saúde moral da Universidade, já que as designações assim feitas somente respondiam a tramas de interesses extrauniversitários (…), responsável pela politização estéril (…)”. (Pensar as direitas na América Latina. Bohoslavski, Ernesto et al. (Org.). São Paulo: Alameda, 2019, p. 239).

Não é novidade que há muitos traços comuns entre a doutrinação ideológica dos autoritários evangelistas argentinos e a pregação farsesca dos bolsonazistas contra a “ameaça vermelha” nas escolas e universidades, “doença comunista” que seria provocada pela sorrateira infiltração do “vírus ideológico” do “marxismo cultural”. Não é demais recordar que o inculto ex-capitão, convertido em “mito” pelos setores mais atrasados da sociedade, defendeu na campanha presidencial de 2018 uma pauta moralista, anticomunista e nacionalista, prometendo eliminar os “marginais vermelhos” e sua influência nociva sobre as jovens consciências. Para levar a cabo seu projeto, um dos “remédios” para combater o mal – além da intervenção nas universidades – seria a reforma curricular nas escolas, com a reintrodução da disciplina Educação Moral e Cívica, criada em 1969 – na esteira do famigerado AI-5 – pelo Decreto-lei nº 869 (assinado pela Junta Militar que sucedeu o falecido general Costa e Silva). Em 1971, aliás, quando entrou em vigor a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o ditador Médici – o general assassino é um dos ídolos do ex-milico miliciano – daria amplos poderes à Comissão Nacional de Moral e Civismo (instituída pelo decreto anterior), autorizando-a não só a indicar os professores, mas também a definir os programas pedagógicos.

Não é novidade que o objetivo dos golpistas fardados, obviamente, era utilizar a disciplina – como não esconde a sintomática denominação da matéria – para doutrinar e disciplinar o “exército” de jovens, neutralizando a ação doutrinária dos “agentes vermelhos” (ou “drenando o bolsão bolchevique”, nos termos do Ato Institucional nº 1 de 1964): “Os centros cívicos deverão, até mesmo, elaborar o código de honra do aluno e considerarão o civismo nos três aspectos fundamentais: caráter, com base na moral, tendo como fonte Deus; amor à Pátria, com capacidade de renúncia; e ação permanente em benefício do Brasil”. Nas palavras do pesquisador Rodrigo Patto, em seu pós-doutorado sobre os impactos desiguais e combinados (econômicos, políticos e pedagógicos) da ditadura militar nas universidades brasileiras, eis a questão que estava em jogo no campo ideológico:

“O contexto do AI-5 originou não somente repressão mais intensa, como também iniciativas visando a disputar com a esquerda a mente e o coração dos jovens. Se em 1967, com o Projeto Rondon, a ideia era criar atividades extracurriculares para estimular o patriotismo e a integração dos universitários, em 1969 decidiu-se interferir diretamente nos currículos escolares. Em setembro de 1969, a Junta Militar baixou o Decreto nº 869, que ‘dispõe sobre a inclusão da educação moral e cívica (EMC) como disciplina obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades’. A iniciativa tinha objetivos semelhantes ao Projeto Rondon, no entanto o plano era mais ambicioso e abrangente, por visar não só os jovens, mas também as crianças, e por pretender intervenção mais aguda na formação dos valores das novas gerações por meio do sistema escolar. Não era a primeira vez que o Estado brasileiro criava programas escolares para disseminação de moral e civismo, mas esta foi certamente a iniciativa mais autoritária e sistemática”. (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 184).

Não é novidade que o vice-presidente Mourão – não por acaso um general – também defendeu fervorosamente, em palestra durante a campanha eleitoral, a importância do retorno da Educação Moral e Cívica às salas de aula, argumentando que sua finalidade seria “incutir nos alunos o civismo, o culto à pátria e a ética, ensinando hinos, símbolos e como funcionam as instituições nacionais”. Essas palavras, a propósito, trazem à memória a propaganda doutrinadora do “culto à Pátria” nas cartilhas escolares do Estado Novo, logo após o fatídico golpe bonapartista de 1937 (ver parte 5 desta série). Aliás, para investigar melhor a linha de continuidade entre a doutrinação nacionalista e anticomunista nos diferentes regimes de crise, é necessário reler atentamente os objetivos do Decreto nº 869:

a) a defesa do princípio democrático, através do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade;
c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento da solidariedade humana;
d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;
e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;
f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sociopolítica-econômica do País;
g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum;
h) o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.

Não é novidade que os termos da lei assinada pela Junta Militar em 1969 refletem a pregação do fascista italiano em 1930: “Defendemos os valores morais e tradicionais que o socialismo negligencia ou despreza”; “Todas as criações do espírito, a começar pela religiosa, se encontram em destaque, e ninguém ousa manter uma atitude de anticlericalismo que, durante várias décadas, teve a preferência da democracia no mundo ocidental. Ao dizer que Deus está voltando, queremos dizer que os valores espirituais estão voltando” (MUSSOLINI, Benito, Fascismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019, p. 26-27, 41-44). Dá para ouvir também ecos da Proclamação ao povo brasileiro na voz demagógica do “Bonaparte dos Pampas”, justificando as medidas de exceção como antídoto contra o “inimigo vermelho”, que “subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil” (ver parte 6 desta série). Aliás, o ministro da Guerra de Vargas, Eurico Gaspar Dutra, apresentou um projeto ao presidente na mesma linha ideológica: “Dutra registra que a finalidade de toda educação moderna é a formação espiritual da nação (…). Seria toda uma obra de autoridade e de respeito, fundada em critério severo (…). Segundo o general Dutra, o modelo ideal era fundado nos princípios psicológicos e autoritários, calcado nas regras da disciplina social, cujo fim era formar valores reais e positivos que fossem úteis e socialmente aproveitáveis” (ver parte 4 desta série).

Não é novidade que o líder da Ação Integralista Brasileira (AIB), Plínio Salgado, esperou em vão ser premiado com o Ministério da Educação em retribuição ao apoio de sua horda paramilitar ao golpe bonapartista de 1937. O “mito” dos camisas verdes não poupou esforços também para o triunfo do golpe militar de 1964, tornando-se deputado federal pelo partido governista – a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – e sendo nomeado, em 1971, membro da Comissão de Educação e Cultura. O fascista, vale lembrar, teve papel de destaque na Comissão Nacional de Moral e Civismo, como o objetivo de definir as diretrizes centrais do currículo escolar e dos livros didáticos. A propósito, no artigo Integralistas e a defesa do intervencionismo militar; da apologia e colaboração à nostalgia da ditadura, o pesquisador Jefferson Rodrigues Barbosa ressaltou que “integralistas ativos no contexto do golpe, como Gumercindo Rocha Dórea, exerceram atividades na Fundação Nacional do Material Escolar (FAMEME), criada em 1967”. (Militares e política no Brasil. Barbosa, Jefferson Rodrigues et al. (Orgs.). São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 417). É importante não esquecer que Plínio Salgado teve papel de destaque na aprovação da reforma universitária de 1968, no mesmo quadro regressivo do famigerado AI-5 (defendido, aliás, pelo governo Bolsonazi, como veremos adiante), e que suas propostas reacionárias sobre a educação cívica e a formação moral – para moldar o caráter patriótico e disciplinar a juventude – serviram de base ao Decreto nº 869.

Não é novidade que a pedagogia doutrinária verde-amarela era reflexo direto do endurecimento do regime, consagrando a vitória da “linha dura” nas disputas ideológicas de poder. Só para dar uma noção bem geral das divergências entre as frações golpistas, citamos esta nota de Rodrigo Patto: “A EMC não entusiasmava a todos os apoiadores do regime, pois, além de significar aumento da influência da extrema direita, expunha o governo a denúncias de fascistização, particularmente incômoda para as facções moderadas (…)”. (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 185). Aliás, algumas linhas adiante, o pesquisador chamou a atenção para que não se coloque um sinal de igual entre os regimes militar e fascista, considerando apenas – e superficialmente – os seus traços comuns de nacionalismo e anticomunismo. Depois de reproduzir os oito pontos do decreto, enfim, sintetizou as diferenças entre as duas ditaduras nestes termos:

“Os objetivos representam uma mescla de valores defendidos pelos diferentes grupos que sustentavam o regime militar. Notam-se no texto laivos de republicanismo autoritário, patriotismo conservador, catolicismo tradicional, elementos próximos da tradição integralista, mas também se paga tributo, ao menos formal, a valores caros a setores liberais, como a menção a ‘princípio democrático’ e ‘amor à liberdade’. Entretanto, ‘democracia’ está conectada ao ‘espírito religioso’ e ‘sob inspiração de Deus’, enquanto ‘liberdade’ encontra-se limitada pela ‘responsabilidade’. No fundo, mais importante, na visão dos autores do decreto, eram os valores tradicionais e conservadores, como defesa da nacionalidade, da pátria, seus símbolos e tradições, seus vultos históricos, assim como a preservação da moral e da religiosidade cristã (incluindo a família). (…). Não se trata exatamente de programa fascista, que dificilmente incluiria menções a liberdade ou democracia, mas era certamente um formato ao agrado das facções de direita radical, inclusive os fascistas. Por outro lado, o ensino de tais valores nas escolas poderia servir de propaganda indireta do regime militar, que se apresentava exatamente como defensor da pátria e da moral, e opositor da subversão”. (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 185-186).

Não é novidade que o projeto reacionário contou com a adesão “patriotária” de alguns diretores e professores universitários. Uma dessas sinistras figuras de direita – que certamente teriam o perfil ideal de “interventor” na perspectiva do inculto e autoritário Bolsonazi – é a ex-nadadora medalhista Maria Lenk, diretora da Faculdade de Educação Física da UFRJ em 1972. Ferrenha defensora do golpe, ficou indignada com o convite de um dos coordenadores do curso a um professor que havia sido afastado por suas “atividades comunistas, argumentando que 1968 fora um período “de grande tristeza para o Brasil”, quando estudantes e docentes “estavam ausentes dos bancos escolares, em sua maioria desfilando nas avenidas da cidade” (50 anos depois, o ministro da deseducação bolsonazista Weintraub, na mesma linha, chamaria as legítimas reivindicações da comunidade universitária de “balbúrdia”). Em carta ao coordenador, Lenk justificou a proibição em termos categóricos, dizendo-lhe que não poderia jamais tolerar na faculdade a presença da “ameaça vermelha”, que a sua gestão austera teria trazido ordem e disciplina. Em suas palavras, a instituição se ajustara aos novos tempos: “Graças a Deus e graças aos nossos esforços. Agora estou tranquila, que meus alunos e meus professores estão cientes de que no recinto de nossa escola a missão a cumprir é formar profissionais capazes, que possam transmitir aos educandos brasileiros os verdadeiros fundamentos da moral e do civismo para o bem do Brasil” (obra citada, p. 184).

Não é novidade que também foram nomeados interventores fardados nas universidades, como o coronel que coordenava, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG, as disciplinas de Educação Moral e Cívica e Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB). Na mesma Universidade Federal de Minas Gerais, nas faculdades de Direito, Odontologia e Educação Física, constavam do programa de EPB temas sintomáticos da pedagogia doutrinária golpista, como “os malefícios do socialismo” e “profilaxia da guerrilha urbana e guerra revolucionária”. No curso de Educação Física, para ilustrar a cenografia ufanista dos anos de chumbo, faziam parte de todas as atividades das duas “novas” matérias o hasteamento da bandeira e o canto do hino nacional. Aliás, na distópica viagem de horror de volta àquele passado nebuloso, na máquina do contratempo do desgoverno do ex-milico do baixo clero, deu até para ouvir – como uma tenebrosa alucinação – os ecos verde-amarelos daqueles jovens coros cívicos naquela indecorosa recomendação que o MEC fez às escolas em 2018, na gestão do ex-ministro Vélez Rodríguez (aquele adestrador de milicos, lobista das escolas militares e apologista – como a ex-nadadora de águas turvas Maria Lenk – da “revolução de 64”).

Não é novidade que essa ordem de meia volta volver a “meia oito”, obviamente, também foi reafirmada pelo vice-presidente Mourão (que não tem só o sobrenome e a patente em comum com aquele general que anunciou o golpe de 1964, com aquele capitão que tramou a fake news anticomunista do golpe de 1937, com aquele chefe do serviço secreto integralista que tentou dar o golpe no golpista em 1938). Apesar de não ser fascista (nem filho de Olympio Mourão Filho), o general saudosista dos anos de chumbo comemora, criminosamente, aquele nefasto 31 de março junto com o ex-capitão terrorista, engrossando o coral moralista verde-amarelo da Escola sem Partido com Vélez, Weintraub & Cia: “Vocês sabem que o Ministério (da Educação) tem sido um lugar de combate direto. Não se desmancha tudo que existe lá da noite para o dia. Tem que ser um trabalho bem organizado. Mas é determinação e a diretriz do presidente é que matérias dessa natureza retornem”.