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BRASIL

“Quarentena fake” levará o Brasil a uma tragédia. É preciso parar tudo!

Bento José*, de São Paulo, SP
Guilherme Gandolfi / Fotos Públicas

Circulação de pessoas em São Paulo (SP)

Estamos aprendendo com as experiências de outros países que, aqueles que tiveram sucesso em conter ou reverter o avanço do coronavírus o fizeram através de uma paralisação do conjunto das suas atividades econômicas e sociais. Um exemplo é a Nova Zelândia, onde o governo da primeira ministra Jacinta Ardem implementou uma política de controle das fronteiras, isolamento social completo e testes em massa. Com isso, até este momento houve somente cinco mortes no país. No dia 02 de abril, a Nova Zelândia tinha 76 casos por dia, conseguiu baixar para 23 casos em 09 de abril.  O segredo da Nova Zelândia foi não esperar o avanço da epidemia para tomar as medidas de paralisação da economia, além de uma campanha muito eficiente de conscientização da população. Por outro lato, Anthony Fauci, do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, o principal assessor de Trump para assuntos técnicos relacionados  ao Covid-19, admitiu que se o país tivesse adotado medidas duras de isolamento social no começo da epidemia, muitas vidas de norte-americanos teriam sido salvas.

Uma das imagens mais duras da pandemia que pudemos assistir em tempo real foi a de setenta caminhões militares atravessando Bergamo, cidade da região da Lombardia, na Itália, transportando cadáveres para outras regiões do país. Nem a Igreja, transformada em necrotério emergencial, nem o cemitério e o crematório, deram conta de comportar e fazer o tratamento adequado dos corpos. Mas a tragédia italiana poderia ter sido evitada. Bastava que o interesse econômico não tivesse falado mais alto que a preservação das vidas humanas. Os governos federal e estadual evitaram ao máximo parar a atividade da Lombardia, que é o centro econômico da Itália e concentra uma parte importante das indústrias do país. Os números da pandemia no país são esclarecedores. O contágio e as mortes começaram a diminuir depois que foi declarada paralisação de todos os setores não essenciais da economia. Por outro lado, no caso da China, por ter sido o primeiro foco da pandemia, após várias ações de tentativa e erro, conseguiu-se  controlar o vírus quando foi aplicado um isolamento radical de Wuhan, com paralisação do conjunto das atividades econômicas e isolamento da cidade em relação ao resto do país.

A resistência de diversos países em aplicar o isolamento completo antes do avanço da epidemia está levando a uma verdadeira carnificina na Europa e nos EUA que, em poucos dias, também deverá se materializar em outras regiões pelo mundo. A situação demonstra que o capitalismo trata a vida das pessoas como apenas um número sem importância e o que realmente lhe importa é o lucro das grandes corporações.

Sem isolamento real, o Brasil segue no caminho da tragédia

O Brasil é um dos poucos países cujo presidente nega a gravidade da epidemia e coloca-se publicamente contra o isolamento social. Trump, Boris Johnson e outros, que inicialmente foram contra o isolamento social, tiveram que se reposicionar. No caso de Boris Johnson, sua arrogância perante o vírus custou alguns dias de internação em UTI.  Mas, aqui no Brasil, nada abala o negacionismo de Bolsonaro. Ele continua contra a OMS, contra os governadores e contra o judiciário, defendendo e praticando uma política contra a quarentena. Bolsonaro chega ao ponto de dizer que o melhor seria que o conjunto de brasileiros fosse contaminados para criar “imunidade” em relação ao vírus.

Os governadores, por outro lado, colocam-se contra Bolsonaro e defendem publicamente o isolamento social. No entanto, suas políticas estão muito aquém do necessário para conter o avanço da pandemia e garantir condições mínimas de saúde e condições de vida para a população de todos os estados. Em São Paulo, por exemplo, o governo admite que, para reduzir a um patamar minimamente aceitável a circulação do vírus seria necessário aumentar para 70% o percentual de isolamento, que hoje está em 50%. Mas, como aumentar o isolamento quando o próprio governo decreta o fechamento somente de estabelecimentos que atendem público, como shoppings, lojas, restaurantes e bares, enquanto permanecem em funcionamento diversos setores não essenciais da indústria, o telemarketing, a construção civil, os bancos? Com tanta gente trabalhando, o transporte público continua tendo aglomerações nos horários de pico, colocando em risco a saúde da população.  Situação semelhante está acontecendo nas grandes cidades de todo o país.

O número de infectados e mortos está disparando no país, apesar da subnotificação. Não sabemos qual o nível de infecção pelo vírus hoje, pois grande parte dos casos não são testados e mesmo os que são testados o são com muito atraso. Cerca de metade dos corpos já enterrados ainda não possuem resultados para os testes. No dia 09 de abril, o secretário de vigilância do Ministério da Saúde admitiu que 127 mil casos esperam resultados de exames para confirmação de coronavírus. Devido a isso, estima-se que o número de casos no país passe de 330 mil. Pelos dados oficiais, no dia 06 de abril tínhamos 12.056 casos e 553 mortes. No dia 15, o número saltou para 25.262 casos e 1532 mortes: em oito dias, os casos dobraram e as mortes quase triplicaram. Somente no dia 14/04, foram 204 mortes. Até o dia de hoje, o estado de São Paulo teve 695 óbitos, o Rio de Janeiro, 224,  Pernambuco, 115, Ceará,107 e Amazonas, 90.  No caso de São Paulo, a cidade tem 60% dos seus leitos ocupados e, segundo dados oficiais, se não aumentar o nível de afastamento social, em uma semana não haverá leitos disponíveis para pacientes de Covid-19. No Rio de Janeiro, mais de 70% dos leitos das UTI´s estão ocupados. Em Fortaleza e Manaus, o sistema de saúde já está saturado e pedindo socorro para o governo federal. A realidade demonstra que vai se aprofundar a falta de leitos, equipamentos hospitalares e profissionais de saúde para o tratamento da população. A situação tende a piorar caso não se reverta a tendência atual, de diminuição do nível de isolamento dia após dia.

Quem deve pagar a conta?

Se, por um lado, não há como conter o vírus sem uma paralisação geral de todos os setores não essenciais, por outro essa paralisação tem um custo alto, sobretudo no Brasil, um país com enormes desigualdades, em que milhões podem passar fome se não houver políticas integradas em todas as esferas de  governo.  Se, mesmo sem a paralisação geral da economia, o desemprego já está disparando (e, diga-se de passagem, já estava alto antes mesmo da chegada do vírus ao país), a recessão se aprofunda e milhões de pessoas autônomas e informais estão sem renda, como conter o avanço do vírus e não fazer com que os setores mais precarizados sejam os que mais sofram as consequências no país?

Diante desta pergunta, há aqueles que defendem que “todos devem dar a sua contribuição”. Por esta tese, os trabalhadores que têm uma situação mais estável deveriam aceitar abrir mão de seus direitos e parte de sua remuneração para que os mais vulneráveis sejam menos afetados. Não achamos que esta seja a resposta. No Brasil, apenas 1% da população concentra mais de 28,3% da renda, os lucros dos 5 maiores bancos do pais é escandaloso: somente em 2019, lucraram 107 bilhões, que é mais do que deve custar aos cofres públicos a renda básica emergencial aprovada pelo Congresso. Em 2019, estava previsto no orçamento federal o pagamento de R$ 1,038 trilhão em juros e serviços da dívida pública, o que equivale 38,77% do orçamento da união.

Agora, com a aprovação da PEC do orçamento de guerra, cria-se um orçamento paralelo para os gastos emergenciais impostos pelas atuais circunstâncias, ao invés de revogar as medidas neoliberais, como a PEC do teto dos gastos, deixando nítido que os novos investimentos públicos que estão sendo feitos são excepcionais, e que continua prevalecendo a estratégia neoliberal e a agenda de contrarreformas que retira direitos, fazendo os trabalhadores pagarem a conta da crise. A mesma PEC autoriza o Banco Central a comprar títulos podres dos bancos privados, socializando riscos e dando dinheiro público aos bancos privados, sem qualquer contrapartida.

Ao mesmo tempo, o governo propõe e o Congresso aprova diversas medidas provisórias que retiram direitos dos trabalhadores, como as MPs 927 e 936, que permitem suspensão de contratos e redução salarial e, agora, a MP905, da carteira verde amarela, que parcela 13º e férias, reduz multa em caso de demissão, aumenta a jornada de trabalho dos bancários de 6 para 8 horas, entre outros ataques.

E, evidentemente, o que se “economiza” com estes ataques, não será revertido para custear a vida dos mais pobres, e sim para manter ou aumentar os lucros dos bancos e grandes empresas. É preciso reverter esta lógica. O financiamento dos gastos da saúde, de subsídio aos precarizados, de ajuda aos pequenos produtores e comerciantes, não têm que vir à custa do direito do funcionário público, do bancário, do metalúrgico, do petroleiro ou do profissional liberal, mas dos mais ricos, do não pagamento da dívida e da taxação das grandes fortunas e dos lucros do setor financeiro.

Daí devem sair os recursos para garantir renda para os setores mais precarizados para que possam cumprir o isolamento social, para garantir estabilidade no emprego e manutenção de salários e direitos para os trabalhadores formais, além de auxílio para os pequenos produtores rurais e pequenos empresários.

Para salvar vidas, Fora Bolsonaro!

Sem testes em massa e sem isolamento social efetivo o país caminha para uma das suas maiores tragédias. Enquanto Bolsonaro estiver no poder, não serão tomadas medidas efetivas para conter o vírus e toda a conta continuará sendo paga pelos mais pobres. Por isso, a luta pela vida também é uma luta pelo Fora Bolsonaro e por eleições gerais. Somente derrotando esse governo, com uma grande parte da população organizada e consciente, poderemos impor a pauta mais essencial para todos nós, que é a defesa da vida.  As organizações sindicais, movimentos sociais, ativistas da luta dos trabalhadores precisam se colocar à frente da luta pela proteção à vida, impulsionando ações de solidariedade, como as que vêm se proliferando por todo o país, ao mesmo tempo em que buscam, apesar das limitações do isolamento social, formas de organizar a luta contra Bolsonaro e seu plano de morte.

 

* Bento José é delegado Sindical da Gerência Regional de Apoio ao Comércio Exterior de São Paulo (Gecex-SP)// Travessia.